CEO do Rappi aponta próximos passos após restrições à exclusividade do iFood

Tijana Jankovic, que comanda operação no Brasil, diz à Bloomberg Línea que novas regras devem permitir competição mais equilibrada em delivery de restaurantes

Por

Bloomberg Línea — O acordo fechado pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) nesta quarta-feira (8) com o iFood, investigado por supostas práticas anticoncorrenciais envolvendo contratos de exclusividade da plataforma de delivery com redes de restaurantes e lanchonetes, abre um novo caminho para a estratégia de negócios do Rappi, segundo maior player do país no mercado de entregas de refeições.

O iFood fica proibido de assinar contratos de exclusividade com redes que tenham mais de 30 restaurantes. Haverá restrições para contratos com redes menores, e a empresa fica proibida de vincular incentivos ou descontos a restaurantes para reter a maior parte de seu volume de vendas.

“A decisão nos manda um sinal de que agora conseguimos competir de forma mais equilibrada. A escolha do usuário vai se basear muito mais na proposta de valor [de cada aplicativo], e não porque determinado restaurante só existe naquela plataforma”, disse Tijana Jankovic, CEO do Rappi, à Bloomberg Línea.

Para o Rappi, isso significa que haverá mais investimento no que a CEO chama de diferenciais da empresa. Seriam, segundo ela, a “multiverticalidade” do serviço, os planos de assinatura premium - Rappi Prime - e a velocidade da entrega - o Rappi Turbo, com promessa de entrega em até dez minutos.

O acordo terá validade de 54 meses. Depois disso, continua proibida a aplicação de cláusulas que impeçam restaurantes de fazer negócios com outros apps. Pelo acordo assinado com o Cade, os contratos de exclusividade do iFood já em vigor devem ser encerrados até o dia 30 de setembro deste ano.

Jankovic elogiou a decisão, mas fez a ressalva de que ainda é cedo para dizer quais serão seus efeitos do acordo - que ainda não foi publicado - no mercado. “Vamos entender nos próximos meses, quando o acordo for aplicado, porque sabemos que regulamentação é 70% do processo”, disse.

O iFood foi procurado em diferentes ocasiões pela Bloomberg Línea ao longo dos últimos meses, mas não respondeu aos pedidos de entrevista.

Em nota divulgada em seu site, o iFood disse que “o acordo reconhece a dinamicidade do setor de delivery de comida, a legalidade da prática de exclusividade e sua importância para a viabilização de investimentos pelas plataformas nos restaurantes”.

Funding para investimentos

Em entrevista anterior à Bloomberg Línea no fim do ano passado, a CEO do Rappi no país disse que a plataforma estava “em uma posição financeira sólida”, refutando notícias sobre uma eventual nova rodada de captação da startup, algo que, em sua avaliação, tratava-se de especulação de mercado.

O Rappi conta com grandes investidores globais, como T.Rowe Price, Third Point, o fundo soberano de Singapura (GIC), SoftBank, DST Global, Y Combinator, Andreessen Horowitz e Sequoia Capital.

Em dezembro, o CEO global do Rappi, Simón Borrero, encontrou Sultan Almaadeed, sócio da gestora global ENVST, com foco em construir parcerias estratégicas incluindo aquisições minoritárias.

Antes da ENVST, Almaadeed fez parte do esforço do investimento do fundo soberano do Qatar, o QIA, para investimentos e M&As (fusões e aquisições) pelo mundo. Em seu LinkedIn, Almadeed postou que esteve “discutindo a cooperação entre a América Latina e o Golfo e parcerias com Simón Borrero”.

O Rappi disse à Bloomberg Línea que está “constantemente conversando com investidores pelo mundo, contando o que estamos fazendo e estudando oportunidades de colaboração”.

“Estamos focados em reforçar o nosso posicionamento na América Latina, onde ainda temos muito espaço para crescer. Ainda enxergamos muitas oportunidades”, disse por meio de nota.

Em sua última rodada de investimentos em 2021, o Rappi foi avaliado em US$ 5,25 bilhões, segundo a provedora de dados PitchBook. No seu mercado local, a Colômbia, o app saiu vencedor na disputa com o iFood, que disse, no fim de 2022, que deixaria as operações no país vizinho.

Um novo parâmetro para os valuations das empresas de tecnologia que atuam com delivery será o aguardado IPO da também colombiana Merqueo, que pretende listar suas ações no mercado americano, na Nasdaq. A Merqueo foca em entregas ultrarrápidas de supermercado.

É um serviço que o Rappi também oferece. Mas não só. Quer se consolidar como um superapp que entrega de tudo: de produtos de farmácia e supermercado e serviços financeiros e refeições, em parceria com os restaurantes. Este último tem sido o calcanhar de aquiles da empresa no Brasil.

Exclusividade vs. competição

No maior mercado da América Latina, a disputa entre o delivery brasileiro, do iFood, e o colombiano ganhou outros contornos com o envolvimento da autoridade antitruste a partir de 2020.

O acordo firmado pelo iFood com o Cade relacionado às investigações por supostas práticas anticoncorrenciais com os seus acordos de exclusividade com restaurantes teve origem justamente em uma denúncia do Rappi. Mas ganhou a adesão de outras partes interessadas que igualmente alegaram ser prejudicadas, como a plataforma de comidas online Pede Pronto, do grupo Alelo.

Jankovic, que veio do mercado financeiro - atuava pelo BNP Paribas - e migrou para o setor tech quando se mudou para a Uber no Brasil em 2017, ingressou na Rappi como diretora regional para São Paulo e agora está há dois anos e meio como CEO do Brasil. Foi dela o desafio de preparar a estrutura da empresa para o crescimento que se esperava por anos e que veio de uma vez durante a pandemia.

“Uma coisa é uma empresa só de tecnologia [como o Google], outra coisa é uma empresa de tecnologia que vive na rua, em que você precisa realmente ter desenvolvimento tecnológico de um lado, mas também do desenvolvimento que acontece na rua. O Brasil é um mercado diferente de outros até mesmo pela questão concorrencial dos restaurantes”, disse Jankovic à Bloomberg Línea.

O Rappi atua em nove países da América Latina, mas três mercados são os principais: Colômbia, México e Brasil.

Para a executiva, o problema não é haver um contrato de exclusividade com restaurantes - porque o Rappi também tem -, mas um ambiente que permita que “vários players consigam competir”.

Em outras palavras, o Rappi argumentou que o iFood faz uma prática de “blindagem de assortimento”, ou seja, impede que outras empresas tenham acesso a parcerias básicas com restaurantes. É como se uma rede de supermercado tivesse monopólio sobre arroz e feijão, segundo Jankovic.

“A blindagem é impedir que outros players tenham um assortimento básico. Não é a exclusividade em si que nós consideramos que seja o problema central. O problema central é usar a exclusividade para os fins de não deixar os outros players competirem no mercado e ter uma prática de exclusividade excessiva em um momento de consolidação muito forte”, disse a CEO.

“No final das contas estamos de falando de empresas de tecnologia, então nós deveríamos competir em tecnologia e serviço. Em proposta de valor para os usuários. Não deveríamos não poder oferecer o mínimo de assortimento que faça o usuário considerar diferentes plataformas.”

Antes do acordo desta quarta, o Cade havia emitido uma medida preventiva que proíbia que o iFood entrasse em novos contratos de exclusividade com restaurantes. “No mercado de supermercados e farmácias, fomos os primeiros [a fazer entregas] e mesmo assim não blindamos o mercado.”

“Com o tempo, outros players entraram nesse segmento. Já no mercado de restaurantes você vê um único player ganhando participação”, disse Jankovic, citando que isso teria sido o motivo que teria levado a Uber Eats a sair do negócio de entrega de restaurantes no Brasil. A 99 Food, braço de entrega de restaurantes da 99, de propriedade da Didi Chuxing, também deixou de operar no país.

Deixar o mercado brasileiro, no entanto, não é cogitado pelo Rappi, segundo a CEO.

“O Brasil é mercado-chave e um dos mais importantes para nós. Hoje toda a questão não é sobre a solidez financeira do Rappi como um todo nem no Brasil. Nesse sentido, vamos continuar forte no Brasil. Não vamos sair nem deixar nenhuma vertical no Brasil”, disse Jankovic.

Questões trabalhistas

Além da questão da concorrência, o negócios de delivery no Brasil tem outras particularidades. Entre os países latino-americanos, o Brasil é o mercado mais caro do ponto de vista de pagamento ao entregador em razão do câmbio. Mas também é o de maior tíquete médio das vendas.

Há uma pressão de autoridades para que as condições de trabalho sejam melhoradas. No fim do ano passado, vereadores de São Paulo encerraram uma investigação sobre os aplicativos de delivery e de corridas e propuseram uma nova regra para que o serviço traga mais contrapartidas para a cidade e ofereça mais segurança aos usuários e aos entregadores.

As recomendações deverão ser enviadas ao Congresso, à Prefeitura de São Paulo, ao Ministério Público de São Paulo e à Justiça do Trabalho; e às empresas de aplicativos de transporte e delivery.

“Temos uma atitude colaborativa. Acho que é um desafio da revolução da economia que vem acontecendo e obviamente da falta de regulação apropriada que descreve a operação dentro dos padrões que aconteciam até então”, afirmou a executiva.

“Nós não somos contra a regulação [...] mas entendemos que é uma discussão ainda bem incipiente e que muitas coisas precisam ser estudadas e elaboradas em conjunto”, disse a CEO.

Leia também

Por que a dona do iFood foi multada em R$ 718 mil pelo Cade por uma aquisição

Por que a Amazon se tornou uma ação de valor com o fim da era de capital farto