Apreensão de e-mails da Americanas esbarra em disputa entre tribunais de SP e RJ

Juízes do Rio atendem a pedidos da empresa e suspendem cumprimento de ordens de SP, alegando incompetência dos juízes paulistas e medidas amplas demais

Investigação de responsáveis por rombo contábil da ordem de R$ 20 bilhões enfrenta obstáculos judiciais
07 de Fevereiro, 2023 | 01:36 PM

Bloomberg Línea — Uma disputa entre os Judiciários do Rio de Janeiro e de São Paulo é o mais novo obstáculo para que os bancos credores consigam identificar os responsáveis pelas “inconsistências contábeis” de R$ 20 bilhões da Americanas (AMER3) e provas do que eles dizem ter sido fraude. Ordens determinadas há mais de uma semana ainda não foram cumpridas pelo Judiciário fluminense.

No final de janeiro, a juíza Andréa Galhardo Palma, da 2ª Vara Empresarial de São Paulo, determinou a apreensão de todos os e-mails dos ocupantes de cargos de direção, administração, contabilidade e na auditoria da Americanas. A decisão foi depois confirmada em segunda instância pelo desembargador Ricardo Negrão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).

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A juíza atendeu a pedido do Bradesco (BBDC4), e depois Santander (SANB11), Itaú Unibanco (ITUB4) e Safra também apresentaram petições semelhantes, em busca de provas contra os responsáveis pela suposta fraude. Juntos, os bancos são credores de R$ 13,5 bilhões da Americanas, conforme a lista de credores apresentada pela empresa à Justiça do Rio.

Só que, como a empresa tem sede no Rio de Janeiro e a recuperação judicial corre em uma Vara Empresarial do estado, um juiz do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) precisa receber a decisão e dar a ordem de executá-la - o que até agora não aconteceu.

“Tendo em vista a recusa ao cumprimento da ordem de busca e apreensão”, a juíza Andréa Palma pediu que o presidente do TJ-SP, desembargador Ricardo Anafe, e o corregedor de Justiça de São Paulo, desembargador Fernando Torres Garcia, interfiram no caso. Em ofícios enviados aos dois na segunda-feira (6), ela pediu “colaboração institucional” à direção do tribunal “para garantir o cumprimento da diligência de busca e apreensão determinada em decisão liminar”.

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A Bloomberg Línea procurou a Americanas para comentar o caso, mas não houve resposta até a publicação desta reportagem.

‘Pescaria’ na visão da Americanas

Os juízes que receberam as decisões do Tribunal de São Paulo atenderam a pedidos da Americanas e impediram o cumprimento das ordens de busca e apreensão.

Para a empresa, “muitos dos documentos requeridos neste processo são genéricos” e os pedidos de produção de provas são fishing expeditions - gíria em inglês para descrever investigações especulatórias, sem objeto definido e sem limites claros, apenas para produzir provas contra alguém, no Brasil chamadas de “pescaria probatória”.

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“Não poderia o Bradesco, mediante fishing expedition, simplesmente tentar ‘pescar’ quem seriam os supostos ‘culpados’ das inconsistências contábeis do Grupo Americanas”, disse a empresa, em petição enviada à Justiça de São Paulo para contestar o pedido de produção de provas feito pelo banco.

Sem cumprimento

No caso do Bradesco, o juiz Alexandre de Carvalho Mesquita, da 2ª Vara Empresarial da capital, disse que a magistrada paulista que determinou as apreensões dos e-mails “extrapola a sua competência”.

Segundo Mesquita, o Código de Processo Civil estabelece que a produção antecipada de provas “é da competência do juízo do foro onde esta deva ser produzida ou do foro de domicílio do réu”, conforme o artigo 381, o que já foi confirmado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

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Devolveu, então, a decisão “sem o devido cumprimento”.

Já no caso do Santander, a ordem de busca e apreensão dos e-mails chegou a começar a ser cumprida. Mas o oficial de Justiça incumbido de cumprir a ordem perguntou à vara o que deveria fazer com o material, já que a Justiça de São Paulo não disse onde as provas ficarão salvas nem quem será o responsável por elas, e o Conselho Nacional de Justiça proíbe que oficiais de Justiça se responsabilizem por “bens de terceiros”.

No dia seguinte, 1º de fevereiro, a juíza Karla Lemos Tourinho, da 30ª Vara Cível do Rio, suspendeu a diligência, que está parada até hoje.

Dois dias depois, o juiz Eduardo Palma Pellegrinelli, de São Paulo, atendeu a pedido da Americanas e manteve o caso parado. Segundo ele, a ordem de busca e apreensão foi ampla demais e a empresa levantou dúvidas quanto à necessidade de alguns nomes serem incluídos na lista de alvos.

A continuidade das apreensões poderia levar ao armazenamento de material demais de pessoas sem relação com o controle da Americanas, o que poderia gerar “retrabalho” ou “trabalho desnecessário”.

Nos casos do Itaú e do Safra, ambos correndo em São Paulo, ainda não houve decisão. Os juízes pediram mais informações aos bancos e pediram que justifiquem a necessidade das medidas.

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Pedro Canário

Repórter de Política da Bloomberg Línea no Brasil. Jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero em 2009, tem ampla experiência com temas ligados a Direito e Justiça. Foi repórter, editor, correspondente em Brasília e chefe de redação do site Consultor Jurídico (ConJur) e repórter de Supremo Tribunal Federal do site O Antagonista.