Wall Street ignora balanços e foca na expectativa de queda dos juros do Fed

Apesar das perspectivas de redução dos lucros das empresas, analistas passaram a elevar o preço-alvo para as ações, com a expectativa de reversão do ciclo de aperto monetário

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Bloomberg — O cenário de lucros para empresas do S&P 500, o principal índice das bolsas americanas, tem se deteriorado rapidamente. Ainda assim, analistas não param de elevar o preço-alvo para as ações. O movimento tem levado a uma desconexão do mercado acionário de 2023.

As duas tendências aparentemente incompatíveis refletem o quanto os preços das ações têm sido impulsionados pela expectativa de que o Federal Reserve está perto do fim do ciclo de aumento dos juros mais agressivo das últimas décadas.

É um bom sinal para os “valuations” de ações dos segmentos de crescimento e tecnologia, que conseguiram sustentar os fortes ganhos da semana passada, mesmo depois de balanços decepcionantes da Apple, da Alphabet, dona do Google, e da Amazon.

Mas o grau em que analistas têm elevado os preços-alvo das ações enquanto cortam as projeções de lucro é intrigante para os que estão acostumados a ver o mercado depender da força subjacente das companhias americanas.

“Os juros diminuíram e a taxa de desconto caiu, portanto, mesmo que os lucros não subam, podemos atribuir um preço mais alto [à ação] apenas por causa da taxa de desconto mais baixa”, disse Crit Thomas, estrategista global de mercado da Touchstone Investments. “Estão dizendo: ‘Ei, vamos sair disso dentro de seis a 12 meses, então vamos analisar isso.”

A temporada de balanços do quarto trimestre não ajudou muito a apoiar o otimismo sobre os fundamentos. Os resultados em setores de energia a bens de consumo discricionários ficaram abaixo das estimativas da pré-temporada, e empresas estão reduzindo projeções com base nas expectativas de que o crescimento vai esfriar. De fato, o modelo da Bloomberg Intelligence mostra que essa previsão de lucros para o primeiro trimestre foi a que sofreu mais cortes desde pelo menos 2010.

Isso obrigou analistas que se apegaram a estimativas mais otimistas a acompanhar. Entre todas as mudanças em suas projeções de lucro no mês passado, apenas 37% foram de aumento, mostram dados compilados pelo Citigroup. O nível foi associado às últimas três recessões econômicas e está 30% abaixo da média histórica.

“Para nós, os números de 2023 dos analistas pareciam muito agressivos”, disse Drew Pettit, diretor de análise e estratégia de ETF do Citigroup, por e-mail. Estão “sendo rapidamente revisados para melhor corresponder à realidade econômica”.

Desaceleração

Ainda há uma incerteza considerável sobre o rumo da economia, especialmente devido à rápida expansão do emprego nos EUA divulgada na sexta-feira, o que ainda sugere um ritmo sólido de crescimento. No geral, no entanto, economistas esperam que a expansão se desacelere ou até se retraia devido a condições financeiras mais apertadas.

“Começamos a ver algumas dessas empresas fornecendo ‘guidance’ de crescimento abaixo do ideal”, disse Brian Jankowski, analista sênior de investimentos do Fort Pitt Capital Group. “Agora, vemos essas previsões de crescimento das empresas se alinharem melhor com o PIB, que deve ficar muito baixo ou estável.”

Esse fator foi amplamente deixado de lado no mercado acionário em meio à expectativa de que os juros se aproximam do pico no atual ciclo, visão que foi alimentada pela decisão do Fed na quarta-feira de reduzir o ritmo do aperto monetário.

Analistas sell-side que cobrem companhias do S&P 500 - e já inclinados a esperar mais ganhos - responderam com o aumento de suas estimativas de preço para as ações no ritmo mais rápido desde o segundo trimestre de 2021.

O papel central do Fed nas perspectivas para os preços das ações foi enfatizado pelo desempenho do mercado na semana passada, diante de algumas surpresas negativas nos balanços de algumas gigantes.

A Apple divulgou queda mais forte das vendas na temporada de Natal do que Wall Street esperava, enquanto o lucro da Ford Motor ficou abaixo das projeções em meio à contínua escassez de oferta. Os resultados da Alphabet sinalizaram demanda menor por publicidade ligada à ferramenta de busca com a desaceleração da economia.

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