Mercadante no BNDES: reforma da TLP, menos dividendos e apoio à exportação

Em discurso de posse, novo presidente do banco de desenvolvimento disse que não pretende disputar o financiamento a empresas com o setor privado

Em discurso de posse, Mercadante disse que não pretende voltar ao padrão de juros subsidiados do passado
06 de Fevereiro, 2023 | 03:13 PM

Bloomberg Línea — Aloizio Mercadante tomou posse como novo presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) nesta segunda-feira (6) e defendeu um projeto estratégico para exportações.

Em discurso durante a cerimônia de posse, Mercadante disse que o banco está desenvolvendo um projeto de EximBank, a agência financiadora de exportações dos Estados Unidos, “a exemplo do que já acontece nas maiores economias do mundo”.

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“O BNDES deve apoiar o pré-embarque e o pós-embarque das exportações de bens e produtos”, disse. “Uma das dimensões importantes para um projeto estratégico de desenvolvimento são as exportações, não apenas de commodities agrícolas, em que o Brasil é um dos principais produtores e exportador do mundo, mas também os produtos industriais de alto valor agregado.”

Segundo Mercadante, a participação da indústria nos desembolsos do BNDES era de 56% em 2006 e caiu para 16% 2021. Na infraestrutura, o “hiato de investimentos” do Brasil - e não só do banco - é de R$ 226 bilhões por ano, ou 2,6% do PIB, disse ele.

Volta das campeãs nacionais?

Mercadante foi anunciado como presidente do BNDES pelo presidente Lula (PT) ainda em dezembro de 2022. A confirmação dos rumores de que o ex-ministro da Casa Civil do governo Dilma Rousseff (PT) assumiria o cargo causou ruído no mercado, que o enxerga com desconfiança como possível vetor de políticas intervencionistas na economia e de favorecimento a empresários próximos do governo - política conhecida como a dos “campeões nacionais” no segundo mandato de Lula.

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Em seu discurso desta segunda, Mercadante procurou dissuadir essa desconfiança.

Disse que “estamos aqui não para debater o BNDES do passado, mas para construir o BNDES do futuro” e que não pretende “ficar disputando mercado” com o setor financeiro privado.

“Precisamos de parcerias e o BNDES pode contribuir para reduzir risco, abrir novos mercados, alongar prazos e elaborar bons projetos para os investimentos.”

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Mercadante disse que pretende desenhar políticas para empresas menores. “Vamos apoiar com mais determinação o crescimento e a modernização das micros e de pequenas e médias empresas, que são grandes geradoras de emprego e renda”, declarou.

Segundo ele, esse apoio virá na forma de R$ 65 bilhões por ano “por meio de crédito indireto do banco e alavancagem via garantias para o crédito privado”.

Reforma na taxa de juros

Mercadante também disse que pretende reformar o modelo da TLP, a taxa de juros de longo prazo praticada pelo banco desde 2018 em substituição à TJLP.

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A TJLP foi extinta pelo governo Michel Temer (MDB) porque era um modelo de juros subsidiados pelo BNDES, com a avaliação de que criava distorções no mercado ao conceder crédito mais barato a grandes empresas com acesso ao mercado privado. A TLP é reajustada conforme a inflação.

Para Mercadante, o modelo da TLP “apresenta enorme volatilidade e representa um custo financeiro acima do custo da dívida pública federal, o que penaliza de forma desnecessária micro, pequenas e médias empresas”.

No discurso, ele disse que pretende enviar ao Congresso um projeto de taxa de longo prazo “mais competitiva, sobretudo para as médias e PMEs”. “Não queremos e não estamos reivindicando um retorno ao padrão de subsídio do passado”, garantiu.

Segundo ele, desde 2015 o BNDES devolveu ao Tesouro R$ 678 bilhões sob a forma de pagamento de principal, juros, liquidação antecipada da dívida e dividendos. O valor é 54% acima do que foi transferido entre 2008 e 2014, de acordo com o presidente do BNDES.

“Essa página precisa ser virada”, disse. “Se quisermos ter futuro, precisaremos de um BNDES mais presente e atuante e de uma relação de equilíbrio com o Tesouro Nacional.”

Lei das Estatais

A nomeação de Mercadante foi objeto de contencioso para o governo mesmo antes de se concretizar. Assim que Lula o confirmou no comando do BNDES, em 13 de dezembro, surgiu a dúvida jurídica sobre a possibilidade de ele assumir o posto.

A Lei das Estatais, aprovada pelo Congresso em 2016, na esteira da Operação Lava Jato, proíbe quem participou de campanhas eleitorais nos últimos 36 meses de assumir cargos de direção em estatais. E Mercadante foi o coordenador do programa de governo da campanha de Lula de 2022.

Já havia no Congresso um projeto para reformar esse trecho da lei, e o anúncio de Mercadante foi aproveitado pelo Centrão para pautar o projeto sob o nome de “emenda Mercadante”. Mas o assunto foi resolvido pelo Tribunal de Contas da União.

O ministro Vital do Rêgo decidiu que a intenção da lei não era proibir “toda e qualquer atividade desempenhada ao longo de uma campanha eleitoral”, mas apenas “as atividades efetivas dentro das campanhas eleitorais, como as exercidas por hierarquia formal estabelecida, como os coordenadores financeiro e jurídico ou marqueteiros”.

No caso de Mercadante, disse o ministro, a atividade teria sido “puramente intelectual”, algo que “não é propriamente o que gera o conflito de interesse”.

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Pedro Canário

Repórter de Política da Bloomberg Línea no Brasil. Jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero em 2009, tem ampla experiência com temas ligados a Direito e Justiça. Foi repórter, editor, correspondente em Brasília e chefe de redação do site Consultor Jurídico (ConJur) e repórter de Supremo Tribunal Federal do site O Antagonista.