Bloomberg Línea — A crise da Americanas (AMER3) causou prejuízos não só a pequenos investidores como também a grandes gestores de fundos de investimento que estavam desprevenidos, que tinham ou ações ou papéis de dívida da varejista na carteira. É o caso da renomada gestora de Luis Stuhlberger, a Verde Asset, que tinha debêntures das Lojas Americanas em seu portfólio.
Em carta aos cotistas referente ao mês de janeiro, a gestora relata que uma das principais perdas do multimercado Verde FIC FIM no último mês veio do livro de crédito privado local, impactado pelo caso Americanas.
Isso fez com que a posição do fundo ficasse marcada em torno de 13% do valor de face e trouxe uma perda de aproximadamente -14 basis point (pontos base) na cota.
“Fomos vítimas de uma fraude. Há quanto tempo ela existe, quem foram os principais responsáveis e beneficiários, é assunto que será amplamente discutido e explorado no Judiciário”, escreveu a gestora.
A posição em dívida da varejista é a terceira dessa categoria pela Verde, que comprou anteriormente debêntures da Americanas em maio de 2020 e depois em outubro do mesmo ano.
A gestora ocasionalmente monta posições em papéis de companhias de perfil high grade (nota mais alta e menor risco de crédito) por ver algum prêmio em relação a pares.
Desta vez, a Verde investiu em uma emissão da Americanas em junho de 2022 no valor de R$ 2 bilhões, a CDI mais 2,75% com vencimento em 11 anos. A avaliação era a de que havia um excesso de spread em relação a empresas comparáveis e ao próprio histórico da companhia.
Na época, destacou a gestora, foram analisados o balanço da companhia (que mostrava um endividamento líquido de menos de três vezes o Ebitda), o histórico da Americanas, seus acionistas controladores - formado por Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira - e o time de gestão, além das perspectivas do negócio.
Com isso, a Verde alocou em torno de 15 basis point do capital do fundo nessas debêntures – atualmente, a exposição total de crédito representa por volta de 10% do fundo.
“Estávamos falando de uma companhia com longo histórico, controlado por três acionistas considerados (até então) os melhores gestores de negócios do país, e com balanços auditados por uma das principais empresas do setor”, lembrou a Verde no relatório.
Segundo os gestores, “beira o inacreditável” que somente 23 dias após o fato relevante que alguém da companhia, seja na área financeira, seja na alta gestão, tenha sido afastado.
“Temos a maior fraude da história corporativa do Brasil, um buraco de mais de R$ 20 bilhões, e a gestão financeira da companhia (com exceção da recém-empossada CFO) continuou sendo feita pelas mesmas pessoas durante todo o período seguinte”, escreveu o time da gestora.
De acordo com a Verde, o processo de recuperação judicial será longo, ruidoso e os “únicos ganhadores serão os (inúmeros) advogados envolvidos”. A percepção do time da Verde é que, quanto mais tempo levar, menor a chance de alguma recuperação relevante para a companhia (e seus funcionários, fornecedores, credores e acionistas).
“Os três controladores da Americanas, diante da escolha entre aportes para reparar um pedaço substancial da fraude, ou preservar sua reputação/legado, tem ficado silentes, mas claramente escolheram a opção financeira”, completou a Verde.
Desempenho
Em janeiro, o fundo Verde FIC FIM, carro-chefe da casa, teve ganhos de 2,74%, ante variação de 1,12% do CDI, o principal benchmark de renda fixa.
Os ganhos vieram das posições em commodities, principalmente ouro, bem como na posição comprada (aposta na alta) em real, nas posições de juros globais e em inflação implícita no Brasil. Já as perdas vieram da posição de bolsa no Brasil e do livro de crédito local.
Para fevereiro, o fundo optou por manter a exposição à bolsa brasileira e zerou os hedges (proteções) na bolsa dos EUA, voltando para uma pequena posição comprada em ações globais.
O que diz a Americanas
A Americanas não respondeu a um pedido de comentários da Bloomberg Línea, que tem sido reiterado desde que as “inconsistências contábeis” foram reveladas em 11 de janeiro.
Em suas petições à Justiça, a empresa diz que investiga o caso e que não é possível afirmar de forma prematura que houve práticas deliberadas de ilegalidades.
Em nota no dia 22 de janeiro, Lemann, Telles e Sicupira negaram qualquer envolvimento em práticas ilícitas.
“Jamais tivemos conhecimento e nunca admitiríamos quaisquer manobras ou dissimulações contábeis na companhia”, escrevem Lemann, Telles e Sicupira na nota assinada.
- Matéria atualizada às 17h de 6 de fevereiro com o posicionamento da Americanas e dos principais acionistas.
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