Bloomberg — Os ruídos em torno da autonomia do Banco Central, da meta de inflação e, mais recentemente, da política cambial compõem um cenário “temerário”, na avaliação de economistas de três grandes instituições financeiras.
Segundo elas, tantos riscos devem, em algum momento do ano, provocar estresse no dólar - ativo que até agora conseguiu relativamente driblar a piora do sentimento interno refletida na curva de juros em razão, principalmente, da expectativa de alívio na política do Federal Reserve.
O objetivo do novo governo de colocar em discussão, ao mesmo tempo, as âncoras fiscal e monetária “é muito complicado”, disse Natalie Victal, economista-chefe da SulAmérica Investimentos.
“Começamos a discutir todo o ramo de política econômica, só falta a política industrial”, brincou.
Uma mudança da meta de inflação teria efeito negativo sobre as expectativas, que já estão desancoradas, afirmou Solange Srour, economista-chefe do Credit Suisse.
Por outro lado, uma alteração na lei que garante a autonomia do BC é improvável, disseram as economistas.
Também está no radar o potencial impacto do caso da Americanas na disponibilidade e no custo do crédito e seus efeitos sobre a já enfraquecida atividade econômica — as projeções para o crescimento do PIB deste ano não chegam a 1%.
Nesta edição do “Café com Mercado”, em que economistas conversaram sobre perspectivas em um café da manhã no escritório da Bloomberg News, participaram:
- Laiz Carvalho, economista do BNP Paribas
- Natalie Victal, economista-chefe da SulAmérica Investimentos
- Solange Srour, economista-chefe do Credit Suisse
Meta e autonomia do BC
Discutir uma mudança na meta de inflação neste momento é “temerário”, afirmou Solange, do Credit Suisse. “Podemos ir para um ambiente muito perigoso se mudar a meta de inflação de fato, em que a inflação vai estacionar acima de 6,5% e nem a subida de juros do BC vai trazê-la para baixo.”
Apesar das críticas recentes do presidente Lula, as economistas acreditam que a autonomia do BC será mantida. Os ruídos com o governo são parte de uma “curva de aprendizado” dado o ineditismo do BC independente, disse Laiz, do BNP Paribas.
”É a primeira vez que um presidente do Banco Central está lidando com um presidente que não o indicou.”
Câmbio e política cambial
O Credit Suisse e o BNP avaliam que haverá estresse no câmbio em algum momento ao longo do ano. “Tem um cenário global que ajuda a nossa moeda a não refletir preocupações fiscais”, disse Laiz. Para ela, haverá um “choque de realidade” no câmbio diante de discussões fiscais à frente.
“O que será o gatilho para isso é mais difícil dizer.”
O dólar, que no pós-Copom revisitou o menor patamar desde junho também com o Fed dovish, poderia estar a R$ 4,60 de acordo com os fundamentos, na avaliação de Solange, do Credit.
“Dólar a R$ 5 não é boa notícia”, afirmou. “Parece positivo, mas o real está com uma performance abaixo da média das moedas exportadoras de commodities.”
Segundo Natalie, da SulAmérica, eventual debate no Congresso sobre a lei das estatais pode afetar negativamente a moeda, mas o exterior positivo com efeito da reabertura da China em commodities limita o efeito dos ruídos locais.
“Vejo o câmbio brasileiro num corredor curto.”
Sobre a menção à política cambial por Lula em mensagem ao Congresso na semana passada, Solange avaliou que essa é uma discussão “bastante temerária” e relembrou que havia um debate, em anos anteriores, de uso das reservas para abater a dívida pública.
Substituto de Serra
A substituição do diretor de Política Monetária do Banco Central, Bruno Serra, será uma sinalização importante para o perfil da composição do Copom no governo Lula e também para a escolha do futuro presidente da autoridade monetária após o fim do mandato de Roberto Campos Neto.
Além de Serra, a diretoria de Fiscalização também ficará vaga neste início de ano.
Para Solange, o mais natural hoje “é ser alguém de dentro do BC” que passe a ocupar a cadeira de política monetária.
“É o que o mercado espera”, disse Natalie. Já “um nome técnico de mercado” daria um viés otimista para os ativos locais, disse a economista da SulAmérica. “Precisa ser um nome técnico com conhecimento de câmbio”, afirmou Laiz, do BNP.
Americanas
O rombo contábil bilionário da Americanas (AMER3), que levou a empresa a pedir recuperação judicial, deve agravar uma tendência macroeconômica: o aperto nas condições de crédito.
”Já teríamos uma desaceleração do crédito por causa da política monetária”, disse Natalie. “Agora tem um componente micro na história.”
Segundo ela, é difícil avaliar o tamanho do impacto do caso da varejista na atividade, mas as instituições financeiras devem se tornar menos dispostas a conceder crédito.
”O mercado de capitais fica mais receoso”, disse Solange. “O crédito já tem retraído e a inadimplência subido, e o impulso do crédito já é contracionista pela Selic,” disse a economista do Credit Suisse.
Projeções para 2023
BNP Paribas
- Selic: 13,75%, com início dos cortes no segundo trimestre de 2024
- IPCA: 6,5%
- PIB: +0,5%
- Câmbio: R$ 5,20
SulAmérica Investimentos
- Selic: 12,25%, com cortes a partir do terceiro trimestre de 2023
- IPCA: 5,8%
- PIB: +0,3%
- Câmbio: sem projeção
Credit Suisse
- Selic: 13,75% ao ano, com cortes a partir do terceiro trimestre de 2024
- IPCA: 5,8%
- PIB: +0,7%
- Câmbio: R$ 5,40
Veja mais em Bloomberg.com
Leia também
Governo Lula trabalha na contramão do Banco Central, diz Schwartsman
Lula sobe o tom contra o BC e leva mercado a prever juro mais alto
Café com mercado: eleição divide apostas e só juro é consenso entre gestoras