Uma ferramenta como o ChatGPT poderia gerir ações com sucesso?

A Bloomberg News fez o experimento e pediu para o chatbot gerar um ETF bem-sucedido, confira o resultado

Talvez o ChatGPT tenha sido sábio ao se recusar a tentar vencer o mercado
Por Katie Greifeld - Sam Potter
05 de Fevereiro, 2023 | 01:04 PM

Bloomberg — O que acontece quando você pede à ferramenta de IA mais famosa do mundo para projetar um ETF que possa vencer o mercado de ações dos Estados Unidos? A resposta é a mesma de todo gerente de ações frustrado.

Em uma tentativa de ver se a tecnologia está realmente próxima de substituir o exército de analistas, especialistas e banqueiros de Wall Street, a Bloomberg News desafiou o ChatGPT, a ferramenta de inteligência artificial que está cativando a internet, para criar uma carteira vencedora para o mercado acionário americano.

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O resultado? Um exercício clássico de indecisão, no qual a ferramenta explicou que o mercado é muito imprevisível para projetar um fundo e alertou sobre a necessidade de escolher investimentos alinhados com nossos objetivos e apetite por risco.

Esta foi a resposta completa quando instruímos o ChatGPT a “projetar um ETF para vencer o mercado de ações dos EUA e nos dizer quais ações estão nele”:

Não é possível projetar um ETF para superar o mercado acionário dos EUA porque o mercado acionário é imprevisível e o desempenho passado não garante resultados futuros.
Além disso, a composição de um ETF deve ter como base uma análise minuciosa do mercado e uma estratégia para atingir objetivos de investimento específicos, sobre os quais não tenho informações e experiência a oferecer.
É importante falar com um consultor financeiro antes de investir em qualquer ETF ou ação para compreender os possíveis riscos e recompensas do investimento e garantir que ele se alinhe com seus objetivos de investimento e tolerância ao risco.

Vantagem para os humanos. Parece que, mesmo com o burburinho, a IA não está pronta para conquistar o mundo de seleção de ações.

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Por outro lado, talvez o ChatGPT conheça o segredo para vencer o mercado, mas será que ele é inteligente o suficiente para não deixar transparecer? Já existem investimentos orientados por inteligência artificial em toda Wall Street – inclusive na área da ETFs – e alguns estão vencendo o mercado agora mesmo.

Um destaque atual é o AI Powered Equity ETF (AIEQ), um veículo de US$ 102 milhões que retornou cerca de 9,9% em 2023 até o dia 25, comparado com 4,7% para o Índice de Retorno Total S&P 500.

ETF alimentado por IA em comparação com o Índice S&P 500

O AIEQ usa um modelo quantitativo que funciona 24 horas por dia na plataforma Watson da IBM (IBM) para avaliar mais de 6 mil empresas americanas negociadas em bolsa todos os dias. Ele analisa documentos regulatórios, notícias, perfis gerenciais, medidores de sentimento, modelos financeiros, avaliações e muito mais.

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O produto, desenvolvido pela EquBot e supervisionado pela ETF Managers Group, pode mudar rapidamente os níveis de participação e exposição, tornando-se um barômetro de sentimento para observadores.

O ETF já começou 2023 com uma alocação mista. As principais holdings atualmente incluem a empresa de mobiliário doméstico RH, a Las Vegas Sands, empresa de energia sustentável Constellation Energy e o JPMorgan Chase & Co (JPM).

A análise de retorno mostra que as ações de bens de consumo duráveis do ETF – incluindo ações de empresas como a Caesars Entertainment, a Kohl’s e a GameStop – foram as maior impulsionadoras do desempenho este ano.

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No entanto, ao expandir o horizonte de tempo, a proeza da AIEQ de vencer o mercado entra em colapso. Desde sua criação em 2017, o ETF entregou aos investidores cerca de 41%, de acordo com dados compilados pela Bloomberg. O Índice de Retorno Total S&P 500 entregou mais de 72% no mesmo período.

“Funciona melhor quando o ETF consegue pode pegar nomes de impacto no espaço de crescimento”, disse Jessica Rabe, cofundadora da DataTrek Research. “Ele teve dificuldades para encontrar nomes de impacto em um mercado de ações altamente volátil no ano passado, e seu melhor desempenho foi durante os mercados em alta que favoreceram empresas de tecnologia”.

Assim, talvez o ChatGPT tenha sido sábio ao se recusar a tentar vencer o mercado. Para dar-lhe outra oportunidade, pedimos à ferramenta que ajudasse numa busca diferente e sem fins de gestão de fundos: um investimento que oferecesse uma clara diversificação com comparação com o mercado mais amplo.

Esta foi a resposta do ChatGPT para “projetar um ETF para proporcionar um retorno não relacionado ao mercado acionário dos EUA”.

Um ETF que visa proporcionar um retorno não relacionado ao mercado acionário pode ser projetado por meio da inclusão de diversos ativos com correlação baixa ou negativa com o mercado acionário. Alguns exemplos de tais ativos são: títulos de diferentes setores e vencimentos, o que pode proporcionar um fluxo constante
de renda e estabilidade para o ETF; commodities, incluindo commodities físicas, como ouro, prata, petróleo ou produtos agrícolas, que podem fornecer exposição a ativos que tendem a ter um desempenho diferente do mercado acionário; imóveis, incluindo trusts ou outros ativos relacionados ao setor imobiliário, o que pode fornecer exposição a uma classe diferente de ativos que não está intimamente ligada ao desempenho do mercado acionário; e investimentos alternativos, como fundos de hedge, private equity, ou capital de risco, que podem proporcionar exposição a investimentos com desempenho diferente do mercado acionário.

Foi uma abordagem de múltiplos ativos, misturando algumas alternativas. Não foi um resultado ruim, segundo Eric Balchunas, analista sênior da Bloomberg Intelligence – mesmo que o histórico mostre que os investidores tendem a preferir que suas classes de ativos fiquem separadas.

“A recomendação veio direto do manual institucional”, disse Balchunas. “São recomendações sólidas para classes de ativos que proporcionam retornos não correlacionados. É nisso que a maioria dos investidores institucionais investe. Veio direto dos livros”.

Nesta resposta, o ChatGPT observa que é difícil criar um ETF não correlacionado, pois geralmente há algum nível de comovimento. A ferramenta pede que qualquer carteira seja escolhida através da análise do mercado, e – em boas notícias para a comunidade financeira – mais uma vez nos incentiva a falar com um consultor.

Reconhecer as limitações do ChatGPT é importante para nossa experiência informal. A ferramenta é baseada na linguagem e otimizada para o diálogo – ela não foi projetada para prever os mercados. A OpenAI, empresa por trás do ChatGPT, é transparente sobre suas limitações, como seu “conhecimento limitado” de qualquer coisa ocorrida depois de 2021.

Como a ferramenta não nos fornecerá um novo portfólio com detalhes, tentamos outra coisa e lhe pedimos que nomeasse “o melhor ETF alimentado por IA”. Mas, por alguma razão, o ChatGPT tem dificuldades para identificá-los – apesar de o AIEQ ter as palavras “AI Powered” (“alimentado por IA”, em tradução livre) em seu nome. E embora o chatbot diga que “existem alguns ETFs que usam inteligência artificial (IA) como parte de seu processo de investimento”, ele não traz nomes.

Se fosse nomear os ETFs, a ferramenta provavelmente mencionaria o WisdomTree U.S. AI Enhanced Value Fund (AIVL), de US$ 419 milhões, um dos maiores fundos de valor agregado. Junto com o WisdomTree International AI Enhanced Value Fund (AIVI), no valor de US$ 82 milhões, ele passou por mudanças há um ano para incorporar a IA e o aprendizado de máquinas em sua estratégia e seu nome.

O AIVL retornou cerca de 0,8% no ano passado, enquanto o AIVI perdeu 2,6%, em comparação uma perda de 6,1% para o Índice de Retorno Total S&P 500. Os dois fundos estão apresentando desempenho misto em relação ao benchmark em 2023, com ganhos de 3,7% e 7,9%, respectivamente.

Comparativo entre ETFs

Também perto de um aniversário está o ETF AdvisorShares Let Bob AI Powered Momentum (LETB), de US$ 26 milhões, que completa um ano no próximo mês e analisa uma mistura de dados para medir tanto o sentimento fundamental quanto a dinâmica técnica dos preços. Perdeu cerca de 9,2% desde o lançamento, mas está praticamente estável em 2023.

Um emissor especializado, o Qraft AI, opera vários pequenos fundos alimentados por máquinas. Seu ETF de US$ 12 milhões o Qraft AI-Enhanced US Large Cap Momentum (AMOM) retornou 4,5% este ano.

Enquanto isso, o ETF SPDR S&P Kensho New Economies Composite (KOMP) de US$ 1,7 bilhão é o maior e mais atrativo do conjunto. Um dos vários fundos do State Street Global Advisors alimentado por máquinas, ele rastreia um índice que usa IA e metodologias quantitativas para selecionar ações que se beneficiam, entre outras coisas, de IA. Este ano, o ETF subiu 10%.

Matt Bartolini, chefe de Research de SPDR para as Américas na State Street, diz que o uso da IA significa que o fundo pode analisar um conjunto muito maior de investimentos potenciais do que os seres humanos conseguem gerenciar.

“A IA olha para milhares de páginas em meros segundos”, disse Bartolini. “É possível aumentar a produtividade no escopo de cobertura do que com uma abordagem humana”.

Para encerrar a experiência, decidimos ser diretos. Dissemos ao ChatGPT sem rodeios para “explicar se a inteligência artificial pode escolher melhor ações do que um humano”. Aqui está o que recebemos, na íntegra:

A inteligência artificial consegue analisar grandes quantidades de dados rapidamente e identificar padrões que podem não ser imediatamente aparentes para os seres humanos. Isto pode torná-la uma ferramenta valiosa para identificar possíveis oportunidades de investimento. Contudo, se a IA pode escolher ações melhor do que um humano, isso depende da qualidade e eficácia dos algoritmos e modelos utilizados. As estratégias de investimento alimentadas por IA podem ser complexas, e o desempenho de um seletor baseado em IA  dependerá dos dados, modelos e suposições utilizados. É importante observar que a IA não é infalível e pode cometer erros, principalmente se os dados usados para treinar o modelo forem tendenciosos ou incompletos. Além disso, as estratégias de investimento alimentado por IA não são imunes às flutuações do mercado e podem ser afetadas pelas condições de mercado assim como as estratégias de humanos. Outro fator importante a ser considerado é que as estratégias de investimento alimentado por IA ainda são recentes e ainda não está claro como eles irão se comportar no longo prazo. Em suma, a IA tem o potencial de ser uma ferramenta valiosa para identificar oportunidades de investimento, mas não é uma solução mágica que consegue escolher ações melhor que um humano. É importante fazer uma pesquisa minuciosa, incluindo falar com um consultor financeiro, antes de tomar qualquer decisão de investimento.

Portanto, parece que ainda há esperança para os humanos de Wall Street.

--Com a colaboração de Matthew Miller.

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