Bloomberg Opinion — Tom Brady está finalmente se aposentando. O quarterback de longa data da Liga Nacional de Futebol Americano dos Estados Unidos, a NFL, já anunciou a aposentadoria outras vezes, mas talvez esta vez seja para valer.
É compreensível que seja tão difícil dizer adeus. Muitas pessoas com empregos menos glamourosos sentem dificuldade em se aposentar. E cerca da metade dos americanos não se aposenta voluntariamente.
Uma pesquisa liderada por Alicia Munnell, da Universidade de Boston, descobriu que uma em cada duas pessoas se aposenta à força, seja por um problema de saúde, pela necessidade de cuidar de um cônjuge idoso ou após ser demitido e não conseguir encontrar um novo emprego.
Durante a juventude, muitos anseiam pelo dia em que poderão se afastar do esforço de ter um emprego em tempo integral. Então, à medida que esse dia se aproxima, nós o adiamos cada vez mais.
Cerca de 42% dos americanos com mais de 50 anos dizem que continuarão trabalhando depois de atingirem a idade da aposentadoria.
Boa parte desse fenômeno certamente se deve à necessidade financeira – algo que Tom Brady provavelmente não tem –, mas outra parte é porque, apesar de reclamarmos, gostamos de trabalhar. Isso nos dá um senso de identidade, de propósito, colegas, um cronograma. Não temos nada disso durante a aposentadoria.
Apesar de passarmos toda nossa carreira esperando o momento em que deixaremos de ter obrigações de trabalho, alguns de nós começam a se sentir muito inseguros quando chega a hora.
As transições de vida são sempre difíceis, principalmente aquelas que vão ao cerne de nossa identidade. É muito comum se identificar com seu trabalho. Isso fica claro até na fala: uma pessoa não diz que “escreve” ou que “ensina”, ela diz ser “escritora” ou “professora”. Imagino ser ainda mais difícil separar o trabalho de sua identidade se você for um quarterback sete vezes vencedor do Super Bowl.
Ter um desempenho de alto nível requer foco. Normalmente significa passar horas treinando longe da família. Você não passa tempo com seus filhos, e isso não é possível recuperar. Para um atleta de elite, o problema começa ainda mais cedo – muitos não aproveitam a própria infância, muito menos a de seus filhos.
Quando fazemos esses sacrifícios por nossos empregos, perversamente isso também pode nos levar a nos comprometer ainda mais com eles.
Um estudo com cirurgiões, por exemplo, constatou que alguns se vangloriavam do número de divórcios pelos quais haviam passado, como se o nível de seu sofrimento pessoal se correlacionasse diretamente com suas proezas na sala de cirurgia.
Ao sacrificar três casamentos por seu trabalho, pode ficar ainda mais difícil se distanciar dele e sentir que você é uma pessoa que existe fora do trabalho. Afinal de contas, se o trabalho tirou tanto de você, tem que ter valido a pena, certo?
Penso que, em algum nível, todos nós conseguimos entender, mesmo que nossas próprias carreiras sejam bem diferentes das de um superatleta. Quando Serena Williams anunciou a sua saída do tênis no ano passado, sua explicação repercutiu de tal forma que chorei com a ideia.
Não faço ideia do que é vencer 23 grand slams ou do que é fazer um saque de sucesso no tênis. Mas, como uma mãe trabalhadora, sei o que é sentir a injustiça de um universo no qual só posso fazer uma coisa por vez em um lugar por vez.
É claro que quando pessoas super talentosas se aposentam antes de ficarem completamente desgastadas, podemos nos sentir um pouco enganados. Quando alguém é tão talentoso como Serena ou Brady, usar esse talento ao máximo pode quase parecer uma obrigação.
Mas esperar isso de qualquer um, de nós mesmos – isto é, se tivermos a sorte de ter um talento –, é essencialmente ficar refém de nosso próprio talento. O talento está no controle e nós estamos apenas curtindo a vista.
Recuar – se aposentar, mudar de carreira, passar mais tempo com a família – é, talvez, uma maneira de tomar as rédeas.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Sarah Green Carmichael é editora da Bloomberg Opinion. Foi editora-gerente de ideias e comentários na Barron’s e editora executiva na Harvard Business Review, onde apresentava o podcast “HBR IdeaCast.”
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