Barcelona, Espanha — O Google (GOOGL) prega há anos que o futuro está na inteligência artificial (IA) conversacional. O futuro chegou, mas quem saiu na frente foi a OpenAI, com o ChatGPT, que tem ocupado as manchetes desde o lançamento no fim de 2022, e a rival Microsoft (MSFT), com um poderoso investimento de US$ 10 bilhões na empresa.
Para especialistas, o Google aguarda o momento certo para agir na área de chatbots, embora não possa demorar muito. Deixará o novo concorrente “morder a isca” e enfrentar todos os questionamentos éticos, regulatórios e técnicos que uma tecnologia disruptiva pode gerar para, depois, sair com um produto melhorado.
A percepção geral é que o Google não perdeu (ainda) seu timing e que, portanto, não está desperdiçando uma oportunidade.
De fato, há anos a empresa de Mountain View desenvolve modelos de linguagem de inteligência artificial em duas frentes simultâneas (uma equipe interna e outra no DeepMind, adquirida pela Alphabet em 2014). As ferramentas do OpenAI (ChatGPT e DALL.E) operaram durante meses em versão beta aberta, o que significa que o Google teve a oportunidade de monitorar de perto a concorrência.
A gigante da tecnologia está bem adiantada com seu chatbot de linguagem avançada LaMDA e também aperfeiçoa o MUM, um algoritmo de busca baseado em IA que também gera texto.
”O Google não está perdendo a corrida, ele está tomando fôlego. É uma corrida de obstáculos, mas é preciso ter em mente que a inteligência artificial tem um período de maturação de dez anos, é uma competição de longo prazo”, diz Frank Moreno Garcia, consultor em inovação e especialista em Liderança em Inovação-MIT.
A OpenAI foi fundada em 2015 com o impulso financeiro de Elon Musk. O dono da Tesla (TSLA) e agora do Twitter deixou seu conselho no início de 2018, mas continua sendo um doador da empresa. Agora, a Microsoft quer adicionar o ChatGPT aos seus serviços de nuvem Azure e também ao seu mecanismo de busca Bing. A expectativa é que o próximo passo seja adicioná-lo à suíte de aplicativos de produtividade, que inclui Word, Excel, PowerPoint, Outlook e Microsoft Teams.
Uma vez reunidas as experiências de mercado e usabilidade do ChatGPT, avalia Moreno Garcia, o Google terá que sair com uma tecnologia ainda mais poderosa.
“A empresa não dará esse passo sem medir muito bem os riscos e trará sua ferramenta com um salto qualitativo”, afirma o consultor, reforçando que “a verdadeira corrida será a da inteligência artificial quântica”, que se concentra na construção de algoritmos quânticos para melhorar as tarefas computacionais dentro da IA, criando cenários preditivos. “Nesse sentido, a China está avançando rapidamente.”
Cuidado com a imagem
A estratégia do Google visa preservar sua reputação e suas relações com clientes e governos ao menos nessa frente, pois já abalada por seu domínio em vários mercados, especialmente na publicidade digital, opina o autor e doutor em Economia Digital JJ Delgado.
Embora o ChatGPT tenha causado estupefação global devido a sua natureza disruptiva, ele também se tornou um alvo de críticas e questionamentos: ele ainda inclui preconceitos, dá respostas incorretas ou totalmente falsas, os dados não estão atualizados (o OpenAI diz que vai até 2021), não modera conteúdos perigosos e não fornece fontes para comprovar a veracidade das afirmações, segundo ele.
”O Google quer evitar problemas com questões como plágio, privacidade de dados, debates regulatórios e éticos”, diz Delgado. Há também o medo de ser acusado de monopólio: um de seus mantras é tentar provar que não está envolvido no domínio total dos mercados, afirma.
“Isso o impede de ser o pioneiro nesse sentido”, conclui Delgado, lembrando o episódio do engenheiro do grupo que havia sugerido que a ferramenta estava ganhando “alguma consciência”. O Google acabou despedindo-o, em uma mensagem de que busca se dissociar, pelo menos inicialmente, de polêmicas, especialmente as de natureza ética.
Qual será a reinvenção do Google?
A empresa da Alphabet está em uma encruzilhada: não pela sua capacidade tecnológica, pois tem alguns dos melhores engenheiros de inteligência artificial do mundo, mas pelo medo de abrir mão de sua receita publicitária enquanto enfrenta a ameaça de novos concorrentes. “A empresa terá que se reinventar e criar um novo modelo de negócios”, avalia Frank Moreno García. Isso também justificaria o ritmo mais lento na difusão de suas inovações no campo da IA.
A questão é como implementará seu modelo de negócios, especialmente no que diz respeito à sua ferramenta de busca. Seria muito caro para o Google “canibalizar” uma tecnologia que lhe deu liderança absoluta neste mercado - quase 84% de participação, contra menos de 9% para a Bing/Microsoft, de acordo com os dados de dezembro de 2022 compilados pela Statista.
O motor de busca tradicional gera dinheiro ao Google conforme os usuários clicam nos anúncios. As perguntas do milhão são: Como o Google irá extrair lucros em modelos de IA conversacional, assumindo que esta será a próxima fronteira dos sistemas de busca? As consultas tradicionais continuarão existindo em paralelo ou serão inevitavelmente substituídas pela nova tecnologia?
Para JJ Delgado, a tecnologia que chega não eliminará o negócio principal do Google, mas definitivamente terá impacto sobre ele. Agora, de acordo com o especialista, o mundo acompanha como a empresa compensará a queda da receita de sua “galinha dos ovos de ouro”: pagamento pela publicidade, que oferece enormes margens.
“Como a empresa vai se reinventar? Precisará começar a ver como vai jogar em um novo ecossistema onde a inteligência artificial se abriu e se tornou acessível a todos”, questiona o especialista, destacando que agora estão se abrindo novos modelos de negócios nos quais as máquinas serão responsáveis pelos processos de compra, negociações e fornecimento aos clientes.
Como JJ Delgado, Albert Nieto, ex-Google e sócio fundador da Seedtag, também acredita que o grupo tem que responder de forma rápida e contundente. “Claro que há riscos se o Google tomar uma posição defensiva. Terá que se adaptar o mais rápido possível, ou há o risco de ficar para trás”, segundo o co-CEO da empresa de publicidade contextual, dando como exemplo o caso da Kodak, que perdeu sua liderança global ao não abraçar o mundo digital a tempo.
Para que Google preserve sua posição no mercado de busca, Nieto aconselha o uso de chatbots para dar respostas dinâmicas e enriquecidas (dados ampliados e mais precisos), em vez das atuais respostas estáticas. Ao mesmo tempo, diz ele, o Google poderia criar um sistema de promoção publicitária que se relacione com estas respostas enriquecidas.
“O Google não tem que mudar tanto o seu modelo, mas precisa preservar que as pessoas continuem o buscando para ter respostas de qualidade. O desafio do Google é ser a melhor fonte de respostas.” De acordo com o executivo, o Google tem a vantagem de ter trilhões de dados, embora eles possam evaporar se o tráfego for perdido.
Existe um amplo mercado para explorar e o Google tem a seu favor poder e liderança em praticamente todas as áreas de tecnologia. Mas a espada de Dâmocles paira sobre a empresa. Os especialistas concordam que um pouco pode esperar. Mas não por muito tempo.
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