Rali de cripto voltou? As histórias (e as lições) de quem perdeu quase tudo

Entusiastas de criptoativos contam suas estratégias para superar a queda das cotações, reduzir os riscos e recuperar (ao menos em parte) o patrimônio perdido no último ano

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Bloomberg Línea — A turbulência no mercado de criptoativos, com a quebra de empresas como a exchange FTX, fez aumentar a volatilidade dessa categoria de ativo e trouxe perdas para milhares de investidores, incluindo no Brasil, atraídos nos últimos anos pelas perspectivas de ganhos altos.

O que se viu é que o bitcoin foi o pior investimento de 2022, com rentabilidade negativa de 66%. A virada do mercado cripto ganhou as manchetes com as perdas de celebridades. Gisele Bündchen e seu ex-marido e astro do futebol americano Tom Brady, por exemplo, estão entre os investidores que devem ver suas ações da FTX virarem pó, como mostrou reportagem da Bloomberg News.

Mas quem aposta nesse novo segmento nem sempre desiste da jornada para multiplicar o patrimônio porque seu investimento perdeu valor. E alguns voltaram até a aplicar novamente diante da alta das cotações - o bitcoin recuperou parte das perdas em janeiro e operava na casa dos US$ 23 mil na sexta-feira (27).

“Quebrei duas vezes. Perdi 100% do caixa”, disse a universitária gaúcha e ex-modelo Danielle Seyffert, ex-jogadora profissional de pôquer, acrescentando que também já chegou a lucrar 1.000% no seu melhor desempenho no mercado de cripto.

Acostumada a tomar risco por causa de sua carreira no pôquer, ela hoje se dedica à profissão de trader de cripto e busca desmistificar a noção de que o risco de perdas seria muito maior no mundo do bitcoin do que em outros segmentos do mercado tradicional, como o acionário e o de moedas.

“Vamos aprendendo com os erros. Levei um soco muito grande no ano passado com as perdas. Eu poderia ter desistido do mercado cripto. Preferi continuar, mas mudei minha estratégia.”

“Busco agora lucros pequenos. Olho mais para o cenário macroeconômico. Já consigo ter uma constância positiva de resultados, apesar dos erros”, disse Danielle à Bloomberg Línea - ela compartilha suas lições como trader de cripto em sua conta no Instagram.

Ela começou em 2021 investindo R$ 5.000 em Sand, criptomoeda da plataforma de metaverso The Sandbox. O dinheiro era de sua avó, e a universitária de Direito mostrou a planilha em que conseguiu multiplicar o valor investido por 10. “Peguei Sand a US$ 0,66 cada e consegui vender a US$ 6,08.″

Hoje sua carteira é composta por sete criptomoedas, incluindo ethereum, polkadot, avalanche e cosmos. “A parte mais difícil é monitorar o mercado, as plataformas de tecnologia, atualizar sua planilha e controlar a ganância. Não é fácil operar. É estressante. Nem sempre nossa mente obedece. Temos que ter muito sangue frio, concentração e refletir muito sobre seu stop loss”, relatou.

Aumento de 200% no Brasil

O Brasil registrou em 2022 186.335 pessoas que declararam algum criptoativo no Imposto de Renda. Isso representa um crescimento de 201% em relação ao ano anterior (61.900 declarantes), segundo dados enviados pela Receita Federal à Bloomberg Línea.

Para efeito de comparação, 4,6 milhões de pessoas físicas aplicam na Bolsa e 12,6 milhões em produtos de renda fixa, segundo dados da B3.

A exemplo de Danielle, o administrador paulistano Eloy Miquelim também disse que tem um perfil arrojado de investidor, embora confesse que no passado era considerado um cético quanto ao potencial do mercado de criptoativos e à sua segurança.

“Quando apareceu o bitcoin, sempre fui preconceituoso. Achava que era lastreado em nada, só em confiança. Comecei a estudar sobre a tecnologia blockchain, a conversar com amigos, a entender os fundamentos e comecei a operar US$ 1 mil em bitcoin”, disse Miquelim.

Por influência de um primo, que trabalhou em mesa de operações de grandes bancos, ele começou a operar no mercado financeiro. “Meu avô quebrou na Bolsa em 1983. Isso criou um trauma em nossa família. Mesmo assim, sempre fui agressivo, tomava risco em câmbio e juros”, afirmou.

O interesse por criptoativos foi despertado no período da taxa Selic a 2% ao ano, que durou até o começo de 2021, quando o Banco Central começou a subir os juros para conter as pressões inflacionárias. “Fui aumentando minha exposição ao bitcoin porque não ganhava nada na renda fixa. Coloquei até US$ 40 mil em cripto e consegui a ter ganhos de 400% em dois anos”, disse o administrador.

Miquelim contou que teve perdas de até US$ 12 mil quando houve uma virada de tendência do mercado. “Vi gente desesperada, perdendo até R$ 500 mil por dia. O grande erro é achar que o preço do ativo vai voltar ao patamar anterior, mas ele acaba virando pó, machucando sua carteira”, afirmou.

O administrador disse achar injusta a leitura de que o mercado cripto é muito diferente dos segmentos tradicionais de negociação em termos de exposição a riscos e a eventos extremos, como o colapso da exchange FTX. Ele afirmou que o bitcoin é um ativo de risco, mais volátil que uma ação, mas que a entrada em vigor de regras para disciplinar o segmento dará mais segurança aos investidores.

“A regulamentação dos criptoativos é importante, porque o mercado ficará mais seguro e acessível, além de atrair grandes investidores institucionais”, disse Miquelim em relação à nova lei aprovada no fim de 2022.

De olho nos fundamentos

Já o trader paulista William Okumoto apontou a gestão rígida de risco e o uso da análise gráfica como suas principais armas para evitar acumular prejuízos significativos no mercado cripto.

Fui comprando bitcoin aos poucos, no final de 2017, após seguir uma recomendação de uma casa de análise. Depois me especializei em análise gráfica. Hoje só opero olhando gráfico”, contou.

No auge do mercado cripto, com especialistas projetando o bitcoin em US$ 100 mil, antes de cair para o patamar abaixo de US$ 20 mil, ele disse que chegou a capturar ganho de 1.000%, antes de zerar a posição em abril do ano passado.

“Já tive prejuízos na semana, em posição intraday, mas foram pequenos. Prefiro surfar a tendência de alta e sair logo, realizando parciais. Não gosto de ficar preso no ativo. Sou rígido no gerenciamento de risco. O gráfico me mostra se o ativo é bom ou não. Não tenho preconceito com ativo”, afirmou Okumoto.

O trader contou que viu colegas de mercado perdendo até 70% do capital investido por apostas equivocadas na recuperação rápida das cotações. “O investidor precisa se aprofundar nos estudos. Se há um sinal contundente de tendência de alta apontado no gráfico, é um momento bom para comprar”, afirmou.

Cripto nunca mais?

Nem sempre o investidor pessoa física tem a experiência prévia no mercado financeiro, como os traders citados acima. Muitos embarcam no mundo dos criptoativos sem antes se inteirar sobre as regras do segmento e analisar melhor os ativos que decide colocar em sua carteira. E muitos entraram na alta do mercado, momento em que as probabilidades de perdas no curto prazo são maiores.

Um publicitário, que preferiu falar sob a condição do anonimato, pois disse ter vergonha de exposição pública, contou à Bloomberg Línea que decidiu aplicar, em junho do ano passado, R$ 10 mil em bitcoin e outros R$ 10 mil em ethereum após seu banco digital começar a ofertar esses dois ativos.

Ele disse que achou a ferramenta fácil e intuitiva, bastando digitar o valor a ser aplicado pela cotação exibida na tela. Só que, semanas depois, ele começou a se assustar com as perdas acumuladas e não conseguiu orientação no aplicativo sobre o que estava provocando as variações negativas.

O investidor acabou realizando prejuízo de quase R$ 10 mil, com medo de perder todo o seu dinheiro. A experiência negativa acabou lhe dando uma convicção quanto à gestão de suas economias: nunca mais investir em cripto, pois não suporta ver a volatilidade elevada das cotações em sua carteira.

Quem lida diariamente com esse mercado reforça que só medidas de educação financeira vão conseguir criar uma geração de investidores mais conscientes dos riscos e oportunidades em todas as classes de ativos. Ter mais conhecimento na área ajuda entender o seu perfil na hora de fazer aportes e suas expectativas de retornos durante uma determinada janela de tempo.

“O problema aqui é o comportamento humano. Há lacunas na educação financeira de muitos investidores. Não se analisam os ativos na perspectiva de médio e longo prazo”, disse André Portilho, head de Digital Assets do BTG Pactual (BPAC11), em recente entrevista à Bloomberg Línea.

Segundo ele, a especulação faz parte do jogo de todos os mercados, de ações à renda fixa.

O especialista considera que eventos de insegurança, como os colapsos da FTX, de Terra/Luna e da Three Arrows Capital e da Celsius Network, freiam um pouco a aceleração do mercado cripto, mas que o interesse continua crescente nesse segmento entre os investidores que enxergam a evolução da tecnologia.

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