Voluntariado, família e imersão em tech: o sabático de executivos da Faria Lima

Longas jornadas de trabalho levam executivos a pausas, às vezes não planejadas ou forçadas por ‘non compete’, para descansar e repensar mudanças na carreira

Saídas planejadas ou nem tanto do trabalho têm sido aproveitadas por executivos da Faria Lima para descansar e repensar a carreira
27 de Janeiro, 2023 | 01:54 PM

Bloomberg Línea — Do quiet quitting ao great resignation, o ano de 2022 foi marcado por transformações no mercado de trabalho e na forma como as pessoas avaliam o equilíbrio entre vida pessoal e profissional após a pandemia de covid.

E isso, somado à onda de demissões desde o ano passado, tem contribuído para um maior número de profissionais que optam por períodos sabáticos, de forma a repensar os próximos passos. No mercado financeiro, conhecido pelas longas jornadas de trabalho, isso não é exceção.

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“A pessoa une uma vontade antiga e a rescisão e aproveita para ir viajar, fazer um curso etc.”, disse Bruno Barreto, especialista em recrutamento da Robert Half. “Às vezes, o candidato não conseguiu seguir esse plano quando mais jovem ou depois da faculdade e aproveita essa oportunidade forçada.”

Embora não seja uma prática comum a negociação de períodos sabáticos em empresas no Brasil, Barreto contou que tem visto mais casos de acordos informais entre o profissional e a companhia.

Outra vertente que o executivo diz ver por aqui é uma prática de multinacionais, como grandes consultorias, que incentivam os profissionais a fazer um MBA no exterior, seja nos Estados Unidos ou na Europa. “A pessoa pode ir, ficar um ano fora e, quando voltar, seguir trabalhando na companhia”, disse.

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“Normalmente, esse ano sabático é de grande valia para todo mundo e a empresa vê com bons olhos, dado que a pessoa ganha uma vivência internacional e uma melhor visão de mundo”, afirmou.

Mundo sob nova perspectiva

O ex-CMO (executivo-chefe de marketing) e sócio da XP Karel Luketic decidiu tirar um sabático depois que saiu da corretora, em novembro de 2022. Após cinco anos na companhia e 15 anos nos longos horários do mercado financeiro, o executivo decidiu usar o período de cláusula de non compete como oportunidade para tirar um tempo e pensar no que fazer a seguir.

Ele começou com um trabalho voluntário na Tanzânia, onde ficou um mês e meio ajudando na construção de escolas e ensinando inglês para crianças carentes da região.

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Karel Luketic no topo do Monte Kilimanjaro, o ponto mais alto da África

“O objetivo era criar uma ruptura da rotina, sair do dia a dia e colocar as coisas sob perspectiva, para me tornar um profissional e uma pessoa melhor”, disse.

Em uma viagem também com viés espiritual, Luketic escalou o Monte Kilimanjaro; foram 61 quilômetros de trilha e 40 horas de escalada, em um total de cinco dias.

A princípio, o sabático deverá se estender por 12 meses, segundo ele. Após breves “férias” por causa das festas de fim de ano, Luketic seguirá depois para as Filipinas, onde planeja aprender a mergulhar e viajar, desejos antigos, mas que não conseguia equilibrar com a agenda de trabalho.

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Na sequência, partirá para a Califórnia e para o Vale do Silício, onde vai participar de uma feira de tecnologia. “Tecnologia e disrupção foi muito o que eu vivi na XP, mas no dia a dia é mais difícil parar para estudar.”

“A pandemia fez todo mundo repensar muita coisa. Foi uma oportunidade para questionar o estilo de vida e as novas formas de trabalho que vieram para ficar. Ela nos fez pensar qual o tipo de trabalho que queremos ter ou não”, disse.

“Sair da caixinha” em família

Daniela Café, hoje sócia responsável pelo Multi-Family Office da Fiduc, era sócia da Gávea Investimentos quando decidiu, em 2017, que era o momento certo para tirar um período sabático com os quatro filhos.

Com uma carreira de 25 anos no mercado financeiro na época, e passagens por PwC, Icatu e a empresa de venture capital e-nicial Ventures, com foco no investimento em tecnologia na América Latina, Daniela queria uma mudança de verdade.

O plano já era antigo e fazia parte, inclusive, do contrato de divórcio, mas ainda não tinha conseguido se materializar por causa da rotina agitada de trabalho.

“O mercado financeiro não permite fazer muitas coisas além do trabalho. Nos anos 90, por exemplo, tirar férias no mercado era considerado uma vergonha”, lembrou.

Para a aventura em família, escolheu trabalhos voluntários na Ásia para fazer com os filhos, que na época tinham 14 anos e 12 anos, além dos gêmeos com 10 anos de idade. Durante os oito meses que passou na estrada, a família trabalhou com elefantes no Sri Lanka, com orangotangos na Malásia, com pandas na China e ela deu aulas de inglês para crianças no Camboja.

Quando voltou para o Brasil, decidiu que não queria retornar para o mercado financeiro, mas que queria trabalhar com sustentabilidade, um dos pilares que considerava importante em sua vida pessoal e que havia sido ampliado durante a vivência no exterior.

Foi então que fundou com uma colega do mercado de capitais a Artha, um “Action Tank” que atua junto a boards e C-Level de empresas e investidores institucionais com o objetivo de engajar a jornada em pautas ESG, de melhores práticas sociais, ambientais e de governança.

Em 2022, com os filhos decidindo morar no exterior, recebeu o convite para montar o family office da Fiduc e liderar a frente de ESG da instituição.

Sabático como benefício

Embora ainda pouco comum no Brasil, sendo mais popular nos Estados Unidos e na Europa, o sabático faz cada vez mais parte do rol de benefícios de empresas como forma de retenção de talentos. É o caso da consultoria de negócios Peers Consulting & Technology.

Quem levou o projeto para a empresa foi Admar Corrêa Neto, gerente sênior que estreou o programa em 2016, quando tirou um sabático de dois anos e meio na Austrália.

“Eu queria morar no exterior, mas não tive condições de fazer intercâmbio quando era mais novo. Como não queria ter filhos depois dos 30, o timing perfeito para aquele momento. Na época, conversei com a empresa e a proposta foi bem aceita”, contou.

Admar Correa e a esposa Milene Correa, durante o ano sabático

Desde então, outras quatro pessoas já fizeram sabático na Peers, conta, seja para viajar para fora do país ou para conhecer o Brasil. O programa funciona como férias não remuneradas.

“Não tive nenhuma quebra na carreira. Fui promovido antes de viajar, quando a empresa já sabia, e, quando voltei, recebi uma outra promoção”, lembrou.

“No fim do dia, as pessoas querem realizar sonhos pessoais e usam o trabalho – e o salário – como um meio para isso. Esse benefício oferecido pelas empresas é uma forma de reter pessoas”, disse.

Sabático em Wall Street

Não é só na Faria Lima. Em Wall Street, o novo diretor financeiro do HSBC, Georges Elhedery, por exemplo, tirou um período sabático de seis meses antes de chegar ao cargo atual.

Segundo o jornal Financial Times, o executivo tinha quase 40 anos e era codiretor de banco de investimento no HSBC quando anunciou o período de folga para “desenvolvimento pessoal”. Quando voltou, tendo aprendido um pouco de mandarim, foi promovido a diretor financeiro da instituição financeira.

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Mariana d'Ávila

Editora assistente na Bloomberg Línea. Jornalista brasileira formada pela Faculdade Cásper Líbero, especializada em investimentos e finanças pessoais e com passagem pela redação do InfoMoney.