Bloomberg Línea — A estratégia de lançar novos prédios sob medida para clientes não faz mais parte dos planos da WeWork na América Latina. Com a aposta em um marketplace chamada Station, em que prédios, espaços de hotéis e demais coworkings podem se ligar ao aplicativo da WeWork para serem alugados por pessoas e empresas que precisam de escritórios, a gigante global de espaços compartilhados para trabalhar pretende crescer de maneira sustentável na região.
Globalmente, a WeWork ainda registra prejuízos e não deve atingir metas de ocupação dos espaços até o fim de 2023, a tal ponto que a agência de classificação de risco Fitch Ratings rebaixou a nota de crédito para a companhia para CCC no fim do ano passado, citando desafios operacionais e financeiros. Mas, na América Latina, o cenário desenhado pela CEO da região, Claudia Woods, é diferente.
“Quando começamos a ver Brasil e Colômbia batendo a marca de 80% de ocupação, naturalmente a próxima pergunta foi: como é que a gente cresce? Seria inaugurando outros prédios, mas esse tipo de crescimento não faz mais sentido neste momento de mercado. Pegar um prédio e fazer uma obra, enquanto esperamos para receber membros... não vamos mais fazer isso”, disse Woods em entrevista à Bloomberg Línea.
Esse diagnóstico, aliado à percepção da demanda por capilaridade - “o funcionário quer trabalhar de qualquer lugar, não é um benefício para ele se a empresa falar ‘você pode trabalhar ou na Faria Lima ou na Paulista’ -, foi a base para a concepção do marketplace para ampliar a oferta de espaços.
A executiva disse que o marketplace conectado à plataforma da marca WeWork deve alcançar mais de mil endereços em 76 cidades em apenas três meses, incluindo em comunidades.
‘Na América Latina é diferente’
Segundo Woods, o modelo na América Latina é diferente do que existe globalmente porque a empresa conta com autonomia. O marketplace, por exemplo, é algo exclusivo da região.
A operação dos países da América Latina que estão sob a direção de Woods têm dois sócios principais: a WeWork e o SoftBank, com o qual foi acertada uma joint venture em setembro de 2021.
Por essa razão, ela disse que, diferentemente de outras operações que enxergam a América Latina como só mais uma região de operação - como era o caso da Uber, em que ela presidia o Brasil -, na WeWork há a independência de não precisar seguir uma estratégia global.
“Nós reportamos para um conselho, não reportamos para a estrutura global”, explicou.
Por mais que a WeWork seja classificada como uma empresa de tecnologia, a operação da empresa é local: prédios, elevadores, ar-condicionado, luz, café, o que é diferente de uma empresa como o Google que opera na nuvem e em que cada país opera um produto centralizado, segundo a CEO.
“No nosso caso o produto não é centralizado, pelo contrário, ele é extremamente regionalizado. Você saber que tem que ter um ponto na Faria Lima na esquina com a JK é algo extremamente local.”
Segundo ela, em busca de crescimento acelerado, a WeWork tentou no passado fazer uma replicação global, mas perdeu a capacidade de entender que cada mercado precisa de uma atenção diferente.
“A nossa liderança em cada país é realmente dona de um P&L [demonstrativo de lucros e perdas]. Não é meramente uma pessoa que está ali tocando o país. Ela responde por aquele número, responde pela receita, pela despesa, por todos os itens. Isso aqui é muito raro.”
A WeWork adotou essa estratégia de joint venture em várias regiões. “No fundo essa estratégia está se provando ser muito bem-sucedida se você olha globalmente os resultados dessas regiões com essa visão, com essa autonomia, e com a capacidade de trilhar as estratégias únicas. Conseguimos dar um resultado muito mais relevante.”
Para Woods, em 2022 a WeWork viu “o mundo voltar” ao presencial, saindo de 30% de ocupação para cerca de 80% dos espaços ocupados no Brasil. “Muitas empresas ainda estão em um momento de experimentação [do modelo híbrido] e isso foi extremamente positivo para o nosso negócio.”
Em 2022, a WeWork teve um crescimento de 27% na quantidade de membros.
Veja abaixo a entrevista com Claudia Woods, CEO da WeWork, editada para fins de concisão e clareza.
Como foi o ano de 2022 para a WeWork?
No pós-pandemia começamos a olhar o fluxo no prédio, é uma métrica importante de olhar em conjunto. Não adianta eu ver que estou crescendo em número de membros e as pessoas não estão indo para o prédio. A empresa vai pagar, mas, se ninguém usar, é uma questão de tempo até cancelar o contrato. Vimos também o número de acesso aos nossos espaços crescer 23 vezes neste ano.
E vimos que as pessoas não estavam indo para o escritório. Mas agora começamos a ver todas as métricas andando em conjunto, crescimento de 27% no número de membros e de 23 vezes a métrica de acesso aos prédios. O resultado disso é uma taxa de ocupação que na América Latina está em 73%, sendo liderada pelo Brasil com 82%.
Onde o negócio está funcionando melhor na região?
O Brasil tem uma relevância muito grande nesse resultado, representa mais ou menos 35% do faturamento. O México também é mais ou menos isso, e a somatória dos demais países, que são Colômbia, Argentina, Chile e Costa Rica, os outros 30%. Hoje a empresa já é maior do que ela era antes da pandemia.
A empresa cresceu durante a pandemia. Existiam já prédios que estavam com a obra a todo vapor, com contrato assinado, e inauguramos esses prédios ou durante a pandemia ou em alguns casos ao longo de 2022, como foi por exemplo o caso da Costa Rica.
Foi feito um trabalho muito cuidadoso ao longo de 2022 de trabalhar com nossos grandes parceiros para otimizar. Em alguns, aumentamos [os espaços de escritório]. Em alguns, diminuímos e trocamos por outros. Teve um trabalho de consolidação, de entendermos que estamos no lugar certo pelo preço certo.
O que esperar do negócio para este ano? O modelo de trabalho híbrido veio para ficar?
Tivemos a oportunidade de começar uma jornada de inovação. Lançamos no final do ano passado o nosso marketplace, que foi lançado no Brasil como primeiro mercado. Agora estamos planejando a expansão. É um projeto que só existe na América Latina. Nos Estados Unidos e na Europa talvez ele não tenha a mesma relevância.
Quando começamos a ver Brasil e Colômbia batendo a marca de 80% de ocupação, naturalmente a próxima pergunta foi: como é que a gente cresce ? Seria inaugurar outros prédios, mas esse tipo de crescimento não faz mais sentido neste momento de mercado. Pegar um prédio e fazer uma obra, enquanto esperamos para receber membros... não vamos mais fazer isso.
Em nossa última pesquisa, 97% das pessoas falaram que o espaço do escritório é um espaço de conexão. Ou seja, não é mais um lugar para você sentar e responder e-mail.
Começamos a ver empresas querendo oferecer escritório como benefício para funcionários. Muitos dos nossos diálogos que antes eram com pessoal de RH agora são com o CEO.
Eu faço parte de três conselhos de empresas de capital aberto no Brasil e isso é pauta de reunião: qual vai ser a forma como as empresas vão voltar? O risco de criação de cultura etc. E começamos a ver uma demanda das empresas de funcionários que não querem voltar todos os dias para o escritório mas também não querem trabalhar de casa.
Esse processo fez com que a empresa lançasse um passe na pandemia para que as pessoas pudessem pagar pelo dia usado [o Workpass, um benefício que empresas e pessoas físicas podem contratar para acessar qualquer WeWork ou parceiro da Station, mesmo que não tenha um escritório dentro da WeWork].
A WeWork só tem escritórios em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Belo Horizonte. Mas o funcionário quer trabalhar de qualquer lugar, não é um benefício para ele se a empresa falar “você pode trabalhar ou na Faria Lima ou na Paulista”.
Somando o tempo de inaugurar um prédio do modelo tradicional com essa demanda de capilaridade veio a ideia do marketplace em que qualquer coworking, qualquer espaço, pode se conectar. Até um hotel que tem sala de reunião, auditório, pode se conectar.
Temos espaços hoje nas maiores favelas do Brasil que têm coworking conectado dentro da Station.
Existem espaços de trabalho e existe essa demanda em todos os cantos. Lançamos a Station no final do ano passado e hoje já estamos com mais de mil endereços em três meses, em 76 cidades.
Há padronização dos ambientes da Station? Algo que identifique a WeWork?
É o que estamos aprendendo. Em um primeiro momento, existe uma lista de critérios que são obrigatórios: tem que ter uma internet com uma velocidade mínima, um espaço com mesa, cadeira, café etc. Um check-list padrão dessa experiência, porém não existe um padrão que diga que tem que ser a mesa ‘X’ ou cadeira ‘Y’ ou que o sofá tem que ter a ergonomia perfeita.
Obviamente são os cuidados que temos dentro dos nossos espaços próprios, com toda uma ciência por trás das cores, da iluminação, da distribuição do mobiliário, da proporção de sala de reunião para a mesa, isso tudo faz parte do nosso fórum.
Inicialmente teremos um ranking em que vamos apontar se esse coworking é nível A, B ou C, mas a ideia é que a própria comunidade alimente isso.
Como mais de 50% do nosso tráfego é orgânico, muita gente enxerga a chance de oferecer o espaço pela WeWork como uma solução para ofertar coworkings com outros preços e opções.
A verdade é que não é todo mundo que precisa de um escritório super chique sempre. Vai depender muito do que o funcionário precisa fazer, se aceita um coworking que tenha um ranking menor, um nível de conforto um pouco mais baixo, mas que é mais próximo da casa dele.
As empresas realmente começam a poder apostar nesse benefício de “escritório em qualquer lugar” como parte do leque, da mesma forma que oferecem o vale-transporte.
-- Matéria atualizada às 10h de 26/01 com a correção do número de endereços e de cidades com o marketplace.
Leia também
WeWork e o antídoto para a volta ao escritório, segundo a CEO para América Latina
Volta ao escritório? As empresas que mais alugaram e devolveram espaços em SP
Americanas em crise? Lemann compra fatia em fundo dos EUA com outros bilionários