Ex-diretor do Banco Central defende meta de inflação mais elevada no Brasil

Sergio Werlang, um dos formuladores do regime de metas na gestão de Armínio Fraga, diz que os níveis atuais são muito baixos e sacrificam a credibilidade da autoridade monetária

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Bloomberg — O presidente Luiz Inácio Lula da Silva abalou os mercados financeiros ao criticar o Banco Central e a meta de inflação do Brasil por ser muito restritiva. Um dos arquitetos do sistema que mantém o crescimento dos preços ao consumidor sob controle concorda – já passou da hora de relaxar a meta.

Sergio Werlang, economista que ajudou a projetar o regime de metas de inflação, diz que as metas de 3,25% para 2023 e 3% para o ano que vem são muito baixas. Ao tentar atingir tais níveis, o Banco Central está sacrificando o crescimento, bem como sua própria credibilidade caso não consiga.

Os formuladores de políticas “se colocaram contra a parede e não sabem como sair de lá”, disse Werlang, ex-diretor de política econômica do Banco Central, em entrevista.

Embora Werlang represente uma visão minoritária nos círculos financeiros do Brasil, muitos no governo concordariam com ele. Desde que Lula assumiu o cargo em 1º de janeiro, foi retomado um debate sobre se as políticas de inflação do Banco Central estão muito rígidas para uma nação em desenvolvimento com dívidas enormes e profundamente suscetível a oscilações nos preços das commodities.

Criador do sistema de metas

A briga sobre as metas de inflação do Brasil segue uma discussão crescente entre economistas e investidores proeminentes sobre o Federal Reserve (Fed) e os bancos centrais dos países desenvolvidos revisarem suas metas de 2%, o que os críticos dizem que faz com que as economias esfriem demais.

Lula está reforçando o papel do Estado na economia em sua busca para estimular o crescimento e combater a pobreza. Os investidores recusaram os planos quando a inflação anual está bem acima da meta, em 5,79%, e o Banco Central, sob a liderança de Roberto Campos Neto, estourou sua meta nos últimos dois anos enquanto lida com os efeitos da covid-19.

“Estamos provando agora que pequenos ou grandes choques, como a pandemia, podem perturbar tanto o sistema que voltar a 3% será extremamente doloroso em termos de PIB”, disse ele.

Werlang, de 63 anos, sabe melhor do que ninguém como o sistema funciona. Em 1999, o então presidente do Banco Central, Armínio Fraga, convidou Werlang, um ex-colega de classe da Universidade de Princeton, para ingressar no banco e desenvolver e implementar metas de inflação no Brasil.

A maior economia da América Latina sofreu vários surtos de hiperinflação no passado recente. Sob o sistema criado por Werlang, o Conselho Monetário Nacional estabelece uma meta anual de aumento de preços ao consumidor com margem de manobra. Se o Banco Central não conseguir atingi-la, deve explicar ao Congresso por escrito o que deu errado.

O conselho, formado pelo presidente do Banco Central e pelos ministros da Fazenda e Planejamento, deve se reunir em junho para discutir as metas de inflação para 2026 e pode alterar ou reafirmar as metas dos anos anteriores.

Professor da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro, Werlang criticou a decisão do governo de reduzir a meta de inflação de 4,5%, que acredita ser a meta ideal. Depois de manter esse nível por uma década e meia, o governo começou a reduzi-la em 2019.

Rigidez fiscal

Werlang argumenta que o Brasil, ao contrário de seus pares, incluindo Chile e México (que têm meta de inflação anual de 3% este ano), enfrenta muitos compromissos de gastos que são muito difíceis de ajustar rapidamente – algo que ele chama de “rigidez fiscal”. A única maneira de contornar esses compromissos, salvo mudanças constitucionais, diz Werlang, é por meio da inflação, corroendo lentamente direitos e salários.

De fato, de acordo com o Tesouro Nacional, quase 80% das receitas do Brasil são destinadas a salários e aposentadorias do setor público.

Depois da pandemia e a reabertura da economia, o Banco Central iniciou o aperto que levou a taxa básica de juros ao maior nível em seis anos para 13,75% para combater as pressões de preços. O BC prometeu manter os juros firmes já que as preocupações com os planos de gastos de Lula aumentam as expectativas de inflação.

Analistas, no entanto, esperam que o banco continue não atingindo a meta até 2025, mesmo com o crescimento econômico desacelerando para menos de 1% este ano.

Com tão pouco espaço fiscal, “vai custar muito à sociedade continuar baixando a inflação para cerca de 3%”, disse. “Por que simplesmente não aceitamos que precisamos de uma meta mais elevada?”

Campos Neto tem rejeitado a ideia de ajustar a meta, dizendo que o BC teria pouco a ganhar em credibilidade com a mudança.

Werlang concorda que a transição de uma meta de inflação para outra, se não for feita corretamente, pode prejudicar a credibilidade do BC. Mas o mesmo acontece, diz ele, errando o alvo repetidamente.

--Com a colaboração de Maria Eloisa Capurro, Mariana Durao e Shawn Donnan.

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