Bloomberg Línea — O armazenamento de dados tem ocupado espaço nos servidores e gerado maior consumo de eletricidade, deixando um rastro digital de carbono pelo caminho - até mesmo em situações simples do cotidiano, como carregar imagens na nuvem.
Mais de 65% dos dados digitais gerados, processados e armazenados pelas empresas são de um único uso, de acordo com pesquisadores da Digital Decarbonisation Association, ligada à Universidade de Loughborough, no Reino Unido.
A transformação digital é, de fato, um passo inevitável na sustentabilidade de companhias. Se bem utilizadas e feitas em escala, as tecnologias digitais poderiam reduzir as emissões em 20% até 2050 nos três setores que mais emitem: energia, materiais e mobilidade. Entretanto, calcula-se que a digitalização tenha gerado 4% das emissões globais de gases de efeito estufa em 2020, conforme a consultoria Ernst Young.
Os poluidores mais óbvios são em grande parte de setores como construção, aviação e a indústria pesada. Mas os data centers agora constituem uma frente adicional na luta contra a mudança climática: sozinhos, são responsáveis por 2,5% de todo o dióxido de carbono produzido pela humanidade, um valor superior ao emitido pela indústria da aviação (2,1%), segundo o Fórum Econômico Mundial.
Um relatório da Agência Internacional de Energia (AIE) prevê que o consumo de energia dos data centers aumentará significativamente nos próximos anos, representando até 8% do consumo global de eletricidade em 2030.
Embora os países estejam correndo contra o tempo em suas metas de redução de emissões, “as empresas como um todo ainda não estão muito conscientes do impacto dos chamados ‘dark data’”, avalia Esteve Almirall, professor do Departamento de Operações, Inovação e Ciências de Dados da escola de negócios Esade. No entanto, isso não significa que os data centers estejam de braços cruzados.
Para se tornarem mais eficientes energeticamente, e também mais sustentáveis, estas empresas estão procurando adaptar sua infraestrutura, adotando medidas que vão desde conceber seus próprios processadores – usando tecnologias de inteligência artificial (IA) como o deep learning para treinar os dados –, a geração de energias renováveis, até a construção de circuitos fechados de resfriamento, o que também reduz o consumo de água, explicou o acadêmico.
“As grandes empresas de data centers estão produzindo processadores que consomem muito pouca energia. E os modelos de computação com inteligência artificial permitem moderar significativamente o uso de energia para tarefas muito simples”, disse Almirall.
Investimentos da Amazon
Entre os gigantes, a Amazon Web Services (AWS), o serviço de nuvem mais adotado globalmente, é uma das plataformas com as tecnologias mais avançadas em termos de transição energética. A consultoria 451 Research estima que a infraestrutura da AWS é cinco vezes mais eficiente em termos energéticos do que um data center empresarial médio europeu médio.
A Amazon (AMZN) se apresenta como o maior comprador corporativo de energia renovável do mundo e deve alimentar suas operações com 100% de energia renovável até 2025, antes de seu objetivo inicial de 2030, explicou à Bloomberg Línea Jake Oster, diretor de Política Energética e de Meio-Ambiente da AWS para a Europa, Oriente Médio e África.
No final de 2022, o grupo inaugurou na Espanha um polo de infraestrutura de nuvem com três centros diferentes, com um investimento de 2,5 bilhões de euros ao longo de 10 anos. Esta é a 31ª infraestrutura que a AWS opera globalmente e a oitava da Europa.
“Nosso chip mais recente, o Graviton 3, projetado pela AWS, consome 60% menos energia em comparação com a versão anterior. E para resfriar os data centers usamos ar externo quando a temperatura o permite. Com essas inovações, conseguimos operar nossos data centers com um forte foco na eficiência”, enfatizou o executivo da AWS, acrescentando que a empresa deve inaugurar 16 projetos de energia renovável na Espanha, três de energia eólica e o restante de energia solar, que gerarão 1,5 GWh de capacidade no país – o suficiente para abastecer 850 mil casas por ano. Dois desses projetos já estão em andamento.
Força motora
As grandes empresas serão responsáveis por dar o “empurrão” para que as companhias menores, e até mesmo os consumidores, também se envolvam na redução da pegada de carbono, disse à Bloomberg Línea Juan Carlos Coma, diretor para a região ibérica de Telco, Media & Technology da Atos, líder europeu em serviços digitais e fabricante de hardware.
“Além de se preocupar com toda a questão da responsabilidade corporativa e do meio ambiente, que agrega valor à marca, será cada vez mais caro emitir CO2: o consumo de eletricidade será agora medido em euros e também em emissões. Os governos exigirão que as grandes empresas demonstrem que estão reduzindo o carbono em toda a cadeia – tem que acontecer de dentro e também com seus fornecedores, podendo até mesmo envolver o cliente”, contou o executivo.
Seguindo as recomendações do Painel Internacional de Especialistas das Nações Unidas para reduzir as emissões líquidas globais em 43% até 2030, comparativamente a 2019, a Atos criou um plano para zerar as emissões já em 2028, com medidas que vão desde o plantio de árvores, o emprego de energia renovável em suas instalações e data centers até a priorização do “ecodesign” nos produtos que fabrica - servidores com a capacidade de processar dados de forma mais eficiente, feitos de materiais mais fáceis de reciclar.
Panorama promissor
Manuel Giménez, diretor executivo da associação de data centers Spain DC, disse que a construção de novos centros na Espanha já aspira à neutralidade das emissões. Segundo o especialista, o foco dos data centers na sustentabilidade está levando a Espanha a tornar-se um novo (e muito promissor) polo no sul da Europa.
“As empresas estão procurando cada vez mais energia renovável nas instalações dos data centers. Neste sentido, a Espanha se destaca por ter muito vento e muitas horas de sol para gerar energia”. Outro ponto relevante mencionado por Giménez é a localização geográfica estratégica.
“A Espanha é um ponto de conexão de cabos submarinos, que a conecta diretamente às Américas do Norte e do Sul, África, Oriente Médio e à Europa continental através do Mediterrâneo”, explicou Giménez, que estima que o setor de data centers fará no país ibérico investimentos diretos de mais de 6 bilhões de euros entre 2022 e 2026.
Nesse cálculo, a Spain DC não considera os aportes das empresas de armazenamento de dados na nuvem em hiperescala, como é o caso de gigantes como Amazon, Google (GOOG) e Microsoft (MSFT).
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