Opinión - Bloomberg

Por que as demissões em massa normalmente são prejudiciais para as empresas

Cortes de empregos alienam clientes e afetam o moral entre funcionários, que acabam sobrecarregados

Funcionários que não foram demitidos acabam sobrecaregados
Tempo de leitura: 6 minutos

Bloomberg Opinion — Atualmente, os empregadores parecem sentir que têm muitos funcionários – talvez até funcionários demais à medida que a economia desacelera. Isso está levando à demissão de dezenas de milhares de trabalhadores nos setores bancário, de tecnologia e outros.

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Mas os executivos devem ter cuidado ao fazer cortes muito grandes. Afinal, conforme os últimos três anos nos ensinaram, ter poucos funcionários é quase sempre pior que ter muitos funcionários. Quando as organizações estão com falta de pessoal, o moral cai e os lucros sofrem. E as empresas frequentemente acabam investindo muito tempo e esforços para reconstruir suas forças de trabalho não muito tempo depois das demissões.

“Se as boas empresas, com funcionários a menos ou a mais, tiverem essa cultura de inovação, serão muito bem-sucedidas em uma recessão”, diz Angie Kamath, reitora da Escola de Estudos Profissionais da Universidade de Nova York. Tem menos a ver com os níveis exatos de pessoal e mais com fatores como mix de produtos e estratégia de preços.

Uma empresa com poucos funcionários a mais deveria considerar o que fazer com essa capacidade em vez de entrar em pânico e demitir pessoas que ela trabalhou tanto para contratar. “As pesquisas são incrivelmente consistentes no sentido de que as demissões não são boas”, adverte Kamath, indicando diversos malefícios, desde relações públicas ruins ao aumento de rotatividade entre os funcionários restantes.

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As empresas que contemplam cortes podem levar em consideração a experiência do setor de varejo, que por anos procurou manter o nível de pessoal o mais baixo possível. Os algoritmos as ajudaram a prever períodos de alta e baixa demanda e garantir que as lojas tivessem “apenas o suficiente” para o momento – teoricamente, liberando as empresas de ter que contratar muitos funcionários.

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No entanto, o foco na otimização do número de trabalhadores deixou as lojas sem pessoal durante os períodos mais movimentados. Um estudo de 2014 na revista Production and Operations Management analisou 41 lojas de uma grande rede de varejo não identificada. Os pesquisadores, liderados por Vidya Mani, da Escola de Negócios Darden da Universidade da Virgínia, constataram que todas as 41 unidades estavam cronicamente com falta de pessoal durante as horas de pico. Acrescentar pessoal durante essas horas teria resultado em um aumento nas vendas e na lucratividade, concluíram os pesquisadores.

Os problemas de falta de pessoal vão além da perda de vendas, argumentam Zeynep Ton e Amanda Silver, do Good Jobs Institute – organização sem fins lucrativos que trabalha com empresas de serviços com salários baixos para melhorar simultaneamente o desempenho financeiro e a estabilidade do emprego.

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O trabalho tem como base a pesquisa do professor Ton do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, que mostra, entre outras coisas, os perigos de ter um quadro de funcionários muito pequeno. Ter menos funcionários gera desperdício: quando não há pessoas suficientes para transportar paletes de alimentos de caminhões para armazéns, os alimentos estragam. Isso enfurece os clientes – quando não conseguem obter rapidamente a ajuda de que precisam, ficam irritados e preferem fazer negócios em outro lugar. Por fim, isso cria uma ineficiência: os estoques ficam desorganizados, dificultando para funcionários encontrarem o que precisam.

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No setor de saúde, no qual o nível de contratações é um problema há décadas, um quadro reduzido de funcionários pode ser um risco de vida. Estudos atrelaram os baixos níveis de pessoal nos hospitais a piores resultados para os pacientes – especificamente, em um hospital sem trabalhadores suficientes, os pacientes têm maior probabilidade de contrair uma infecção (por causa de coisas como a diminuição da lavagem das mãos por funcionários sobrecarregados). Pacientes também ficam menos propensos a receber a dose certa de medicamentos e mais propensos a morrer. Os enfermeiros desses hospitais são mais propensos a se passarem por burnout e menos inclinados a recomendar seu hospital a amigos e familiares que ficam doentes.

Ter uma equipe reduzida nem sempre é resultado de ignorância da administração. Restaurantes, que, na melhor das hipóteses são locais de trabalho problemáticos, tiveram que reduzir suas horas – em cerca de 6,4 horas por semana nos Estados Unidos em comparação com os níveis de 2019 – já que a pandemia provocou a demissão de trabalhadores.

Independentemente do motivo, a falta aguda de pessoal tem um impacto significativo na receita.

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Em uma viagem recente à Inglaterra, vi que meu pub favorito estava fechado por duas semanas – durante uma temporada de pico – porque estava com falta de pessoal. Não importava que eles já tivessem reduzido pela metade o número de clientes atendidos. Em outra lanchonete, uma declaração que ocupava uma página inteira estava afixada na porta do banheiro explicava que o estabelecimento teve que parar de atender devido a uma “situação de pessoal muito difícil” intensificada pela “falta de alojamento acessível [ou qualquer] moradia” na área.

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A tensão do autor da declaração era palpável. Não é à toa que um estudo sobre trabalhadores de restaurantes durante a pandemia tenha constatado uma relação entre o reduzido quadro de funcionários e níveis mais altos de consumo intenso de bebidas alcoólicas.

Os funcionários não aguentam condições tão adversas por muito tempo. Basta observar as greves de enfermeiros, trabalhadores ferroviários, professores e baristas. Sua principal demanda é a contratação de mais funcionários.

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Alguns chefes veem a situação de outra maneira. Eles podem achar que esses trabalhadores são apenas preguiçosos – que “ninguém quer trabalhar”, como disse certa vez a estudiosa de administração Kim Kardashian. Essa é uma queixa bem antiga.

Estou disposto a admitir a existência de algum grau de preguiça humana (afinal, foi por isso que inventamos o controle remoto e os eletrodomésticos controlados pro bluetooth). E o excesso de pessoal traz riscos. Trabalhadores podem se sentir entediados, recebendo seus salários mas sem se engajar, fazendo apenas o mínimo. Em 2022, chamamos isso de “quiet quitting”. No século XX, os estudiosos chamavam o fenômeno de “social loafing”, que pode ser explicado como a falta de desempenho de uma pessoa quando esta trabalha em grupo em relação a um trabalho solitário.

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A falta de pessoal pode manter os funcionários concentrados e motivados, permitindo que os funcionários utilizem uma variedade maior de habilidades (algo que a maioria das pessoas considera satisfatório). Mas muitos setores foram muito além da falta de pessoal (há muito tempo).

A falta crônica de pessoal prejudica a motivação e, é claro, o desempenho. Funcionários sobrecarregados cometem erros e param de se engajar com a empresa. O argumento é que, se a empresa não se importa com seu futuro de forma a contratar mais gente, por que os funcionários devem se preocupar? Eles estão essencialmente destinados a ter um desempenho ruim – e ninguém gosta de se sentir incompetente.

Em algum momento, o trabalho simplesmente não é feito, o que pesa sobre a economia em geral. Ainda há 90 mil trabalhadores do setor de cuidados infantis a menos nos EUA que no pré-pandemia (quando já eram escassos), dificultando ainda mais para os pais arrumarem um emprego. A falta de trabalhadores portuários tem contribuído para engarrafamentos nos portos e cadeias de abastecimento. A escassez de trabalhadores no transporte público é um problema para as cidades que tentam convencer trabalhadores remotos a voltarem a se deslocar até o trabalho.

Vale a pena lembrar dessa dor compartilhada enquanto as empresas procuram adequar seus níveis de pessoal. A demanda por seus serviços pode ter diminuído, mas se eles cortarem muitos empregos, não serão apenas seus trabalhadores remanescentes que pagarão o preço. Todos nós vamos pagar.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Sarah Green Carmichael é editora da Bloomberg Opinion. Foi editora-gerente de ideias e comentários na Barron’s e editora executiva na Harvard Business Review, onde apresentava o podcast “HBR IdeaCast.”

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