Bloomberg — Países de mercados emergentes com necessidade de capital exploram a opção de alívio da dívida em troca de compromissos para preservar a natureza, mas pesquisadores do Barclays alertam que alguns acordos escondem o rótulo do chamado “greenwashing”.
“À primeira vista, esta é uma solução ganha-ganha – países muito endividados podem reduzir os encargos da dívida e dos juros, enquanto os recursos podem ser direcionados para projetos de conservação que apoiem objetivos abrangentes relacionados à natureza”, disseram analistas do Barclays, entre eles Charlotte Edwards e Maggie O’Neal, em nota a clientes nesta segunda-feira (23). “No entanto, enfrentar os encargos da dívida e os objetivos climáticos ao mesmo tempo nem sempre é o ideal.”
Há evidências de que o dinheiro destinado ao objetivo de conservação da natureza associado a esses acordos representa apenas uma pequena parcela do tamanho da transação, o que significa que os produtos são “enganosos” em suas embalagens, disseram Edwards e O’Neal.
O mercado de trocas de dívida por natureza tem potencial de ultrapassar US$ 800 bilhões em ofertas globais públicas e privadas. Por isso, analistas do Barclays dizem que é hora de aplicar mais escrutínio a esses acordos.
Depois de permanecer adormecido por mais de duas décadas, o mercado de trocas de dívida por natureza passa por um renascimento à medida que o setor financeiro explora todas as formas de estratégias ambientais, sociais e de governança (ESG na sigla em inglês) para impulsionar essas métricas. Esses programas também oferecem alívio da dívida para países pobres e desproporcionalmente expostos aos estragos da mudança climática.
Belize recentemente fechou um acordo para reestruturar dívidas de US$ 553 milhões em troca de promessas de conservação marinha. Tal acordo, liderado por investidores privados sem o envolvimento de um grupo de credores de governos, conhecido como Clube de Paris, deve se tornar mais comum devido aos “pesados encargos da dívida e ao interesse global compartilhado pela sustentabilidade”, disseram Edwards e O’Neal.
No entanto, “as alocações para projetos ambientais podem ficar muito aquém dos valores economizados em pagamentos de dívidas”, destacaram. “Também existe um risco real de ‘greenwashing’, especialmente se os fundos para recomprar dívidas forem fornecidos por um financiamento de terceiros por meio de títulos com rótulo ESG.”
Uma questão-chave “muitas vezes negligenciada” em relatórios que examinam tais transações é o valor realmente canalizado para projetos ambientais, segundo o Barclays.
“Normalmente, os fundos ambientais são uma pequena fração do tamanho total do acordo”, disse Edwards. No caso de Belize, apenas US$ 84 milhões da transação de US$ 553 milhões foram realmente para a conservação marinha, disseram os analistas. Outros US$ 86 milhões estão alocados para intermediários e provedores de serviços, como resseguradoras, consultores e provedores de crédito, apurou a Bloomberg News. Isso se soma aos US$ 10 milhões originalmente divulgados por Belize para ajudar a cobrir o custo de fechamento da transação.
Esses números levantam “questões sobre o impacto desses acordos, principalmente quando cada parte adicional que entra na transação recebe uma fatia dos recursos”, disseram Edwards e O’Neal.
“Isso está relacionado a uma preocupação que temos em torno de transações envolvendo entidades terceiras que emitem títulos rotulados como azuis, onde os recursos são usados como empréstimo a um governo devedor para recomprar dívida”, explicaram.
Os emissores de títulos verdes, dos quais os chamados títulos azuis são um subconjunto, devem direcionar todos os fundos para projetos ambientais. “No entanto, nos exemplos que vimos, os recursos desses títulos azuis estão financiando a compra de títulos, dos quais apenas um subconjunto relativamente pequeno irá para projetos da natureza.”
O resultado é que a marca é “enganosa, possivelmente exacerbando as preocupações sobre a qualidade do mercado com rótulo ESG”, alertaram Edwards e O’Neal.
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