Americanas diz que divulgar rombo foi ato de ‘lealdade’ e aponta culpados

Empresa diz que credores incompreensivos, liminar ‘temerária’ e rebaixamento de nota de crédito por agências de rating a levaram a ter que pedir proteção na Justiça

Um dos maiores e mais tradicionais grupos de varejo do país, a Americanas agora se encontra em recuperação judicial
22 de Janeiro, 2023 | 08:44 AM

Bloomberg Línea — Segundo a Americanas (AMER3), os responsáveis por suas dificuldades financeiras são seus credores, as agências de classificação de risco de crédito e um desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que foi “induzido a erro”. Já o rombo de R$ 20 bilhões foi divulgado com “transparência, coragem e lealdade incomuns”.

As avaliações constam do pedido de recuperação judicial enviado pela Americanas à Justiça do Rio na quinta-feira (19). No documento, a companhia informou ter dívidas de R$ 43 bilhões com 16.300 credores e R$ 800 milhões em caixa - ante os cerca de R$ 8 bilhões informados uma semana antes.

Em nota à imprensa, a Americanas informou que “o grupo de acionistas de referência” - Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira Sicupira e Marcel Telles - disse ao conselho de administração que “pretende manter a liquidez da companhia em patamares que permitam o bom funcionamento da operação”, mas sem especificar valores.

Segundo as contas de analistas da XP, a Americanas precisa de uma injeção de capital da ordem de R$ 10 bilhões e R$ 20 bilhões para reequilibrar estrutura de capital e operações.

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De acordo com a petição da Americanas à Justiça do Rio de Janeiro, as dificuldades da companhia começaram justamente no dia em que o rombo, chamado pela empresa de “inconsistências contábeis”, foi divulgado.

“Menos de seis horas depois” da divulgação das “inconsistências”, diz a Americanas, “alguns credores” procederam a executar seus créditos junto à empresa, “assenhorando-se de valores bilionários, fechando as portas para qualquer tipo de negociação amigável viável”.

Nesse trecho, a companhia se refere ao BTG Pactual (BPAC11), que, segundo a Americanas, apresentou uma medida de execução de crédito de R$ 1,2 bilhão no mesmo dia em que o rombo de R$ 20 bilhões foi divulgado. O banco, entretanto, diz que o dinheiro não se refere a dívida, mas a uma emissão de debêntures já compensada.

Outros bancos, como Itaú (ITUB4), Bank of America e BV (ex-Banco Votorantim), também foram à Justiça tentar garantir a execução de seus créditos. Com o deferimento da recuperação judicial, entretanto, esses pedidos ficarão parados por no mínimo 180 dias.

Credores intransigentes

Na sexta-feira (13), dois dias depois da notícia do rombo bilionário, a Americanas conseguiu uma proteção liminar contra a execução das dívidas. O juiz Paulo Assed Estefan, o mesmo que concedeu a recuperação judicial, determinou aos credores que tivessem conseguido reaver o dinheiro que devolvessem as quantias.

“Porém esses credores parecem não ter o mesmo empenho para devolver os expressivos valores dos quais se apropriaram como têm para litigar e fazer ilações especulativas sobre a gestão da companhia”, segue a reclamação da Americanas, em mais uma referência ao BTG.

O banco de investimento liderado por André Esteves e Roberto Sallouti conseguiu, no Tribunal de Justiça do Rio, suspender a exigência de devolução dos valores.

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No entendimento da varejista, a decisão, que classificou como “temerária medida liminar”, concedida pelo desembargador Flávio Fernandes ao BTG teria violado a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça - a empresa cita uma decisão de 2019 segundo a qual não cabe mandado de segurança a decisões contra as quais cabem outros recursos.

Depois do BTG, de “alguns credores” e do desembargador Flávio Fernandes (que é membro do Órgão Especial, o colegiado de cúpula do TJ-RJ), a Americanas critica as agências de classificação de risco.

‘Agências incompreensivas’

“Esses fatos, isoladamente, já tornariam extremamente difícil a continuidade das operações do Grupo Americanas por 30 dias”, diz a empresa.

“Mas a situação ficou ainda pior em razão dos consecutivos rebaixamentos de rating da Americanas pelas agências de classificação de risco, o que fez com que os bancos se negassem a adiantar recebíveis de cartão de crédito, operação rotineira e historicamente feita pelo Grupo Americanas para capital de giro, drenando mais de R$ 3 bilhões do caixa da companhia.”

A referência é à Fitch Ratings, que, depois da divulgação do rombo, rebaixou a nota da Americanas de CC para C. Nesta sexta-feira (20), houve novo rebaixamento, de C para D, diante da informação de que a Americanas tem dívidas de R$ 43 bilhões e apenas R$ 800 milhões em caixa.

As notas concedidas pelas agências - as três mais conhecidas e observadas são a Fitch, a Standard & Poor’s e a Moody’s - servem para indicar a probabilidade de atraso de pagamento do emissor da dívida e são usadas como referência por bancos e investidores no momento de conceder empréstimos ou de aquisição de ativos, como ações ou títulos para seus fundos.

Foram essas as razões para a queda de mais de 80% no valor das ações da Americanas em uma semana, segundo a empresa. A descoberta do rombo - ou das “inconsistências contábeis” -, diz a Americanas, foi divulgada com “transparência, coragem e lealdade incomuns”.

“Ainda é cedo para precisar o que aconteceu e quem são os efetivos responsáveis por esse infortúnio”, conclui a empresa.

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Pedro Canário

Repórter de Política da Bloomberg Línea no Brasil. Jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero em 2009, tem ampla experiência com temas ligados a Direito e Justiça. Foi repórter, editor, correspondente em Brasília e chefe de redação do site Consultor Jurídico (ConJur) e repórter de Supremo Tribunal Federal do site O Antagonista.