Bastidores do colapso da Americanas envolvem rombo, brigas e perplexidade

Na teleconferência com mais de mil participantes para tentar explicar o rombo, ex-CEO Sergio Rial relatou ‘dor profunda’ de funcionários ao serem avisados

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Bloomberg — Horas depois de revelar um escândalo que agitaria o mercado, Sergio Rial entrou em uma reunião no Zoom com centenas de investidores em pânico. Foi uma tentativa de explicar o rombo contábil de R$ 20 bilhões que o levou a deixar seu novo emprego à frente da varejista Americanas (AMER3).

A teleconferência de 12 de janeiro foi uma mistura tumultuada de inglês e português, e alguns analistas ficaram de fora da reunião porque ela atingiu a capacidade máxima de 1.000 participantes. Quem conseguiu se apertar na sede do banco BTG Pactual (BPAC11), credor da companhia que sediou o evento, ouviu a apresentação de Rial em meio a um clima de perplexidade, segundo um participante.

Quatro horas depois, quando as ações começaram a ser negociadas após sucessivos leilões na bolsa brasileira, elas despencaram 77%, eliminando US$ 1,6 bilhão em valor de mercado da empresa. No final do dia, os títulos de dívida externa haviam perdido metade de seu valor.

Em uma semana, a empresa entrou com pedido de recuperação judicial com R$ 43 bilhões em dívidas.

“Não acho que haja uma empresa cujo bond tenha despencado tanto em dois ou três dias”, disse Omotunde Lawal, gestora da Barings UK que foca em dívida de mercados emergentes. “Talvez este seja o mergulho mais rápido de todos os tempos.”

O colapso surpreendente e rápido deixou os brasileiros com a perspectiva de perder uma rede presente no país todo, fundada em 1929 no Rio de Janeiro e conhecida por seu logotipo vermelho e branco e suas liquidações de fim de ano.

A implosão arrastou a bolsa para baixo, obrigou os credores a correrem para se organizar e colocou alguns dos investidores mais famosos do país uns contra os outros.

O bilionário André Esteves do BTG Pactual, banco que dias antes havia realizado a reunião com Rial, chamou o caso de “a maior fraude do mercado de capitais brasileiro”.

Foi uma reversão vertiginosa para uma empresa que viu suas ações subirem depois que Rial foi nomeado CEO em agosto passado, cargo que ele só assumiu em 2 de janeiro.

Os investidores pensavam que a Americanas, apoiada pelos bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira há mais de quatro décadas, estava prestes a melhorar seu desempenho sob a liderança do ex-banqueiro de 62 anos.

Tudo desmoronou na noite de 11 de janeiro, quando foram anunciadas as “inconsistências” que aumentaram artificialmente os lucros e reduziram os passivos declarados pela metade.

As divulgações da empresa implicam que ela relatou incorretamente números vinculados ao financiamento de dívidas com fornecedores, ao mesmo tempo em que deduziu indevidamente de seus passivos juros pagos a credores.

Na quinta-feira (19), no pedido de recuperação judicial, os advogados da empresa disseram que, “por razões inesperadas e que abalaram toda a estrutura do grupo, as Requerentes viram o seu caixa e as expectativas de faturamento ruírem em questão de minutos.”

As descobertas desencadearam uma semana turbulenta na qual Rial decidiu dar pessoalmente as más notícias a um grupo de funcionários. Muitos deles trabalhavam na varejista brasileira há décadas e colocaram todas as suas economias em ações da empresa.

As expressões “eram de dor profunda”, Rial disse na teleconferência do BTG, relembrando a reunião com os funcionários.

As ações de outras varejistas brasileiras, incluindo Via (VIIA3) e Magazine Luiza (MGLU3), tombaram imediatamente, mas reduziram as perdas à medida que as empresas correram para assegurar aos analistas que todas as suas operações de risco sacado estavam devidamente registradas em seus balanços.

A Americanas viu seu valor de mercado cair 90% em relação ao pico atingido durante a pandemia. Analistas de Wall Street rapidamente colocam suas avaliações sob revisão e agências de classificação rebaixaram a dívida da empresa para níveis de default. Com isso, os bancos se recusaram a adiantar recebíveis de cartão de crédito, drenando mais de R$ 3 bilhões do caixa da empresa.

Após o pedido de recuperação judicial na quinta-feira, a MSCI e a B3 retiraram o papel de seus índices.

Ameaça à reputação

O colapso ameaça manchar a reputação de Lemann e seus sócios, além das perdas nas ações que eles detêm na Americanas. O trio controlava a empresa até se diluir em uma reorganização em 2021, que os deixou com uma participação de 31%, ainda os principais acionistas.

Eles disseram ao conselho que planejam continuar apoiando a empresa, mas os investidores temem que qualquer resultado negativo possa prejudicar outras empresas nas quais estão envolvidos, como a Kraft Heinz e a Anheuser-Busch InBev.

A Americanas disse em seu pedido de recuperação judicial que o movimento dos credores para declarar o vencimento antecipado das obrigações fechou “as portas para qualquer tipo de negociação amigável viável”. A empresa tem cerca de R$ 43 bilhões em dívidas e ganhou 48 horas para apresentar a lista de credores, que já começaram a se organizar.

Os bancos de investimento Moelis e Seaport Global Securities tentam separadamente organizar os detentores de títulos em um grupo. Debenturistas contrataram advogados e estão decidindo se vão trabalhar com um assessor financeiro, de acordo com uma pessoa familiarizada com o assunto que pediu anonimato.

“É difícil dizer o que o processo de recuperação judicial trará”, disse Omar Zeolla, analista da Oppenheimer. Parece que os principais acionistas da Americanas “estão dispostos a contribuir com capital, mas é difícil para mim ver no momento como isso pode resultar em termos de recuperação para os detentores de títulos”.

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