Credores da Americanas se preparam para desconto de 90% na dívida

Títulos que estavam sendo negociados a 104 centavos de dólar em meados de 2021 despencaram para cerca de 10 centavos nos últimos dias

Cresce o risco de perdas para os credores diante do pedido de recuperação judicial
Por Vinícius Andrade e Maria Elena Vizcaino
19 de Janeiro, 2023 | 01:23 PM

Bloomberg — No auge da pandemia, investidores correram para comprar títulos de dívida da Americanas (AMER3). As vendas online estavam disparando e bilionários com participações em algumas das maiores marcas de consumo do mundo - Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira - garantiam o futuro do varejista.

Três anos depois, os credores estão se preparando para um iminente pedido de recuperação judicial (nota da redação: o pedido foi protocado no início da tarde desta quinta).

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A empresa com sede no Rio de Janeiro implodiu após a revelação de que estava escondendo mais de R$ 20 bilhões (US$ 3,8 bilhões) em dívidas.

Os títulos que estavam sendo negociados a 104 centavos de dólar em meados de 2021 despencaram para cerca de 10 centavos com a entrada de investidores em títulos de dívidas inadimplentes, preparando-se para uma batalha legal que provavelmente acontecerá nos tribunais brasileiros.

A Americanas, que conta com Lemann, Telles e Sicupira há mais de quatro décadas como principais acionistas, viu seu diretor-presidente Sergio Rial sair com menos de duas semanas no cargo após constatar “inconsistências contábeis” atreladas a dívidas de operações de financiamento a fornecedores.

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Outros varejistas brasileiros correram para assegurar aos analistas que todas as suas dívidas estavam devidamente registradas em seus balanços.

A Americanas havia recebido na última sexta-feira (13) proteção contra pedidos de pagamento antecipado de dívida por 30 dias por um tribunal local, mas o BTG Pactual (BPAC11) obteve uma decisão favorável na quarta-feira (20) revertendo parcialmente a ordem.

“Vai ser muito difícil evitar algum tipo de reestruturação ou discussão neste momento, e os preços dos títulos já indicam isso”, disse Siby Thomas, gerente de portfólio da T. Rowe Price em Baltimore, que não possui títulos da Americanas.

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A dívida total em títulos da Americanas e suas subsidiárias JSM e B2W Digital Lux é de cerca de US$ 2,9 bilhões, incluindo notas globais e locais, segundo dados compilados pela Bloomberg. Cerca de US$ 163 milhões vencem nos próximos três meses, com o próximo pagamento de cupom de R$ 135 milhões em 17 de abril.

Os detentores desses títulos incluem fundos geridos ou administrados pelo Banco do Brasil (BBAS3), Santander Brasil (SANB11), Fidelity, GAM Holding AG e BTG Pactual, segundo dados compilados pela Bloomberg News, com base nas últimas divulgações de investidores.

Os dados incluem participações de fundos passivos, que têm pouca escolha no que compram ou vendem, e podem não abranger investidores que não são obrigados a divulgar transações de dívida. Os detentores rastreados pela Bloomberg possuem cerca de 22% do total da dívida pendente.

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Banco do Brasil, Santander, Fidelity e BTG não responderam imediatamente aos pedidos de comentários. Um representante da GAM disse que a empresa não possui o fundo que detém os títulos, mas apenas fornece serviços de gerenciamento.

A S&P Global Ratings, a Fitch Ratings e a Moody’s Investors Service rebaixaram o rating da Americanas em vários níveis devido a questões contábeis nos últimos dias. A Americanas entrou em contato com os mercados de títulos no exterior pela primeira vez no segundo semestre de 2020, dizendo na época que estava buscando “acessar uma nova fonte de financiamento”.

A empresa atingiu um valor de mercado de mais de R$ 66 bilhões na bolsa de valores do Brasil em meio à pandemia de coronavírus, impulsionada por seu braço de comércio eletrônico.

A varejista fundiu suas divisões físicas e online em 2021, quando Lemann e seus sócios abriram mão do controle da empresa, mas se mantendo como acionistas de controladores. Em sua empresa de aquisições 3G Capital, o trio bilionário participou de negócios envolvendo a Kraft Heinz e a Burger King.

Desenvolvimentos recentes “aumentaram significativamente” a probabilidade de uma reestruturação, de acordo com Lorena Reich, analista da Lucror Analytics. Dado que as probabilidades mais altas já estão refletidas nos preços dos títulos, Reich recomenda que os clientes mantenham os títulos negociados entre 10 e 20, citando um valor de liquidação estimado “na casa dos 15-20″.

Os principais acionistas da empresa, incluindo Lemann, ofereceram injetar R$ 6 bilhões na Americanas, mas os bancos pediram mais de R$ 10 bilhões, informou a Bloomberg News na semana passada. As negociações continuam e a Americanas contratou o Rothschild & Co. como seu assessor na renegociação da dívida.

Os bancos de investimento Moelis & Co. e Seaport Global Securities LLC estão tentando separadamente organizar os detentores de títulos da Americanas em um grupo.

A menos que os principais acionistas interfiram, “os títulos podem cair abaixo de 10, já que todos os fornecedores e os bancos receberão seu dinheiro primeiro”, disse Peter Varga, gerente de portfólio de dívida corporativa de mercados emergentes da Erste Asset Management GmbH em Viena.

“A empresa nomeou Rothschild como consultor e esses caras são negociadores difíceis, então eu seria cauteloso aqui.”

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- Atualizado com pedido de recuperação judicial.

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