Ex-diretor do BC vê ‘probabilidade razoável’ de governo elevar meta de inflação

Fabio Kanczuk diz estar pessimista sobre as perspectivas econômicas, considerando o impacto dos gastos públicos na inflação e nas taxas de juros

É impossível para o Copom começar a cortar a Selic enquanto as expectativas de inflação para 2025 permanecem acima da meta
Por Rachel Gamarski - Josue Leonel
17 de Janeiro, 2023 | 03:24 PM

Bloomberg — O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) poderá elevar a meta de inflação para 2025 em uma tentativa de evitar que o Banco Central (BC) tenha que subir os juros para níveis mais altos para conter a inflação, de acordo com Fabio Kanczuk, ex-diretor de política econômica da autoridade monetária.

Kanczuk, atual head de macroeconomia da gestora Asa Investments, vê “probabilidade razoável” de o governo elevar a meta de inflação para algo entre 4% e 4,5%, acima do patamar de 3% previsto para 2024. Isso poderia dar ao Banco Central mais espaço para lidar com os aumentos de preços que provavelmente serão alimentados pelos planos de gastos de Lula.

“O mercado vê que há expansão fiscal, o que normalmente termina em inflação, e a forma de evitar isso é o BC aumentar os juros”, disse Kanczuk, que foi diretor de política econômica do Banco Central até o final de 2021, em entrevista.

As metas de inflação, introduzidas pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em 1999, são determinadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), órgão responsável por estabelecer metas para políticas monetárias e de crédito que são perseguidas pelo Banco Central.

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O presidente do BC, Roberto Campos Neto, tem assento no CMN, mas os ministros de Lula são maioria, incluindo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a ministra do Planejamento, Simone Tebet.

Depois de manter metas de inflação de 4,5% por décadas, o CMN começou a reduzi-las gradualmente em um quarto de ponto base ao ano a partir de 2019. O órgão pretendia trazer o Brasil, um país que havia sofrido surtos de hiperinflação na década de 1980, para um patamar mais em linha com o ritmo dos aumentos de preços observados em outras economias em desenvolvimento.

O esforço para consolidar níveis mais baixos de inflação foi possibilitado por reformas estruturais aprovadas pelo Congresso, incluindo a reforma da Previdência em 2019, que freou o crescimento explosivo dos gastos com a previdência.

Uma reversão dessa estratégia pode ser vista com desconfiança pelos investidores que já se preocupam com gastos excessivos no governo Lula. Campos Neto disse no ano passado que mudar as metas de inflação não ajudaria na credibilidade.

Desancorando expectativas

Economistas do mercado, também preocupados com as perspectivas fiscais, começaram a projetar a inflação acima da meta para 2025. A pesquisa Focus do BC mostra que eles veem os preços subindo 3,5% naquele ano, acima da meta de 3%.

As expectativas continuaram a piorar mesmo depois que Haddad divulgou na semana passada um plano para ao menos reduzir pela metade o déficit fiscal primário do país, que não leva em conta o pagamento de juros, para algo entre 0,5% e 1% do Produto Interno Bruto.

Kanczuk disse que é contraditório o Copom começar a cortar a taxa básica Selic, atualmente em 13,75% ao ano, enquanto as expectativas de inflação para 2025 permanecem acima da meta.

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Ele teme que o plano de Haddad, baseado principalmente no aumento da receita do governo e menos nos cortes de gastos, seja insuficiente para manter a dívida bruta do Brasil em torno de 75% do PIB nos próximos quatro anos, conforme afirmou o secretário do Tesouro, Rogério Ceron, na semana passada.

Enquanto Haddad tenta conter o déficit fiscal, Kanczuk está pessimista sobre as perspectivas econômicas, considerando o impacto dos gastos públicos na inflação e a trajetória das taxas de juros. Ele estima que a dívida bruta aumentará para 90% do PIB até o final do mandato de Lula e vê a economia estagnada neste ano.

Isso é um golpe para os planos de Haddad de reduzir o déficit, considerando que sua estratégia também se baseia nas expectativas de mais receita do governo decorrente de uma economia em rápido crescimento.

Haddad revelou o plano na semana passada em uma apresentação repleta de críticas não tão veladas ao Banco Central, dizendo que as políticas do BC agora terão grande impacto nas perspectivas econômicas do país.

Kanczuk diz que o BC deveria, agora tem sua autonomia na constituição, continuar ignorando as provocações como sempre fez no passado.

“Desentendimentos entre o Banco Central e o Ministério da Fazenda são normais”, disse. “Só não sei o porquê do tom provocativo.”

- Matéria atualizada para incluir as expressões “probabilidade razoável”, em vez de “alta probabilidade”, e “contraditório”, em vez de “impossível”, nas declarações de Fabio Kanczuk.

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