Bloomberg Línea — O caso dos R$ 20 bilhões em “inconsistências contábeis” da Americanas (AMER3) pode provocar mudanças em uma das principais referências do mercado acionário brasileiro para acompanhar o desempenho das empresas com selo de boa reputação em questões de governança.
O papel da varejista corre o risco de ser excluído do ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial), que é seguido por dezenas de fundos de investimento que alocam recursos em companhias consideradas exemplares em práticas de ESG (Ambiental, Social e Governança Corporativa).
“A B3 notificou a Americanas, que tem um prazo de 15 dias para responder. Há um rito a seguir. A B3 vai decidir se a ação da companhia fica ou não fica no índice”, disse o CEO da B3 (B3SA3), Gilson Finkelsztain, em conversa com jornalistas, nesta terça-feira (17).
Caso a varejista entre com um pedido de recuperação judicial, o papel sai automaticamente de todos os índices da B3, acrescentou o executivo. Em decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a companhia foi classificada pela juíza do caso como uma empresa em estágio preparatório para entrar em um processo de recuperação judicial.
Em 2021, a B3 alterou a metodologia para inclusão de companhias no ISE. No primeiro ranking com as melhores notas de ESG, divulgado em janeiro do ano passado, a Americanas se destaca no setor do varejo, aparecendo em 26º lugar, à frente de Via (VIIA3) em 48º e Magazine Luíza (MGLU3) em 49º.
O cálculo do ISE considera indicadores de reputação, além de seus relatórios sobre redução de emissões de gases de efeito estufa e práticas ambientais, como gestão de resíduos, economia de recursos naturais, diversidade na composição de pessoal, entre outros aspectos da agenda ESG.
Atualmente, 70 papéis integram o ISE. Até o pregão de ontem (16), o índice de sustentabilidade empresarial acumulava queda de 1,57% no mês, uma desvalorização acima do registrado pelo Ibovespa (89 ações), de 0,48% no ano. A Americanas também compõe o principal índice do mercado de ações, com uma participação de 0,30%.
O papel da Americanas também entra na composição de outros 12 índices: IGCX (Índice de Governança Corporativa), o IBrX50 (Índice Brasil 50), o IBVX 2 (Índice Valor), IBXX (Índice Brasil 100), Itag (Índice de Ações com Tag Along Diferenciado), SMLL (Índice Small Cap), Icon (Índice de Consumo), Icon 2, IGCT (Índice de Governança Corporativa Trade), Ibra (Índice Brasil Amplo), IGNM (Índice de Governança Corporativa - Novo Mercado) e IGPTW (empresas certificadas pela Great Place to Work).
“Não podemos prejulgar. Não sabemos o que aconteceu com a Americanas. Não é nossa função acusar. Isso cabe às auditorias e ao órgão regulador. Estamos provendo a CVM [Comissão de Valores Mobiliários] com informações para análise e tomada de decisão, buscando indícios de informação privilegiada, de insider trading”, disse o CEO da B3.
Novo Mercado
Sobre o ruidoso caso de rombo bilionário nos balanços, revelado em fato relevante na última quarta-feira (11), Finkelsztain disse que este não será o último do tipo no mercado corporativo. Para o executivo, a próxima revisão das regras do Novo Mercado, segmento da B3 para listagem de ações de empresas que adotam, voluntariamente, as melhores práticas de governança, deve considerar o aprendizado obtido com os desdobramentos do caso Americanas.
Por enquanto, a Americanas deve continuar integrando o Novo Mercado, pois não há uma regra de exclusão automática só por causa de relatos de suspeitas de fraude na companhia. O CEO da B3 diz que o caso envolvendo a varejista deve suscitar uma reflexão entre os agentes do mercado sobre que medidas preventivas poderiam ser adotadas para evitar que o exemplo se repita.
“Vamos ter que aprender com este caso”, ressaltou Finkelsztain.
IPOs e crédito privado
Além dos seus comentários públicos sobre a situação da Americanas, o CEO da B3 falou com os jornalistas sobre a expectativa de retomada dos IPOs (oferta inicial de ações) após o jejum de 2022.
“Os IPOs vão voltar neste ano. Já registramos consultas. O mercado fala que essas ofertas voltam a partir de abril, no segundo trimestre, em setores mais tradicionais como energia e saneamento”, disse o executivo.
A B3 fechou 2022 com 448 empresas listadas, uma queda de 3,2% em relação o ano anterior (463). O número de investidores (CPFs individuais) terminou dezembro em 5.007.761, um aumento de 19% em 12 meses (4.209.735). A capitalização de mercado caiu 10,1% em 2022, para R$ 4,136 trilhões.
Já o volume financeiro médio diário recuou 1,9% no ano passado, para R$ 29,268 bilhões, incluindo os mercados à vista, a termo, futuro de ações e opções. Os dados operacionais, divulgados ontem (13), apontam para um quarto trimestre mais fraco do que o esperado quanto ao volume financeiro, segundo relatório do banco americano Goldman Sachs.
Finkelsztain disse que o mercado brasileiro mudou de patamar de operações em 2022, com a diversificação na disponibilidade de produtos financeiros, avanço das plataformas de varejo, apesar da elevada volatilidade dos preços dos ativos em um ano marcado por incertezas tanto domésticos quanto internacionais.
Ele disse que, neste mês, haverá cerimônia de toque de campainha com o início da negociação de um título do Tesouro Nacional, e espera ter uma interação com integrantes da nova equipe do Ministério da Fazenda, comandado por Fernando Haddad.
Sobre as tendências para os investidores, Finkelsztain apontou a maior demanda por produtos atrelados ao crédito privado, como debêntures, no mercado secundário de renda fixa.
Outra prioridade da B3 vai ser impulsionar sua estratégia no negócio de dados e analytics por meio da captura de sinergias com a atuação integrada entre Neurotech e Neoway, adquiridas nos últimos anos com o objetivo de aumentar a oferta de produtos de dados e soluções analíticas para o mercado, nas verticais de crédito, riscos e seguros.
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