Crise da Americanas atinge aura do trio Lemann, Telles e Sicupira

Empreendedores que arquitetaram alguns dos maiores casos de sucesso do mundo dos negócios, como a AB InBev, controlaram por quatro décadas a empresa varejista

Por

Bloomberg — Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira investem juntos há décadas e conquistaram a reputação como alguns dos empresários mais astutos da América Latina, com fortunas que, somadas, chegam a quase US$ 40 bilhões.

Essa reputação está prestes a sofrer um golpe depois que um de seus investimentos mais longevos, a Americanas (AMER3), mergulhou em crise devido à suspeita de irregularidades contábeis nesta semana. A ação despencou 77% na quinta-feira (12).

Depois de se conhecerem no setor financeiro na década de 1970, no Rio de Janeiro, o trio por trás da empresa de aquisições 3G investiu na Americanas na década de 1980 e juntos detêm uma participação de cerca de 30%. Eles mantiveram o controle por décadas até 2021.

O presidente do conselho da Americanas, Eduardo Saggioro Garcia, também é sócio da LTS Investments, o family office de Lemann, Telles e Sicupira.

Depois que Sergio Rial, ex-presidente do Santander Brasil (SANB11), ingressou na Americanas como CEO em 2 de janeiro, as ações subiram com a expectativa de que ele arquitetaria uma recuperação da varejista, que luta para incorporar novas aquisições e modernizar suas plataformas de comércio eletrônico.

Rial chocou os investidores na quarta-feira (11) ao renunciar, dizendo que descobriu cerca de R$ 20 bilhões em irregularidades ligadas ao financiamento de fornecedores e que remontam a anos. O diretor financeiro André Covre também decidiu sair, informou a empresa.

A pergunta que não quer calar é como um passivo tão grande pode ter passado desapercebido de alguns dos executivos de negócios mais bem-sucedidos e admirados do Brasil, em uma empresa com a qual estão envolvidos há tanto tempo?

“Toda vez que você tem um problema de compliance, isso se reflete em toda a organização e nos acionistas”, disse Roberto Kanter, professor de pós-graduação da Fundação Getulio Vargas, no Rio. “Não será um ponto de fratura, mas outros investidores com eles podem dar uma olhada mais de perto.”

Junto com o colapso das ações, os bônus externos da Americanas afundaram para 38 centavos de dólar na quinta-feira. O tombo do papel na bolsa eliminou cerca de US$ 218 milhões da fortuna de Lemann, embora ele ainda seja a pessoa mais rica do Brasil, com uma fortuna de US$ 21,3 bilhões, de acordo com o Bloomberg Billionaires Index.

Telles e Sicupira são o segundo e o terceiro mais ricos do Brasil, com US$ 9,8 bilhões e US$ 8,3 bilhões, respectivamente.

O investimento da Americanas não faz parte da estrutura de private equity da 3G. Uma porta-voz de Lemann não respondeu a um pedido de comentário.

O valor total de mercado da Americanas agora é de apenas R$ 2,5 bilhões, ante R$ 8,8 bilhões no final do ano.

Embora o golpe financeiro total de US$ 493 milhões possa não ser muito para os três bilionários brasileiros, eles provavelmente terão que continuar apoiando financeiramente a empresa durante uma investigação independente e enquanto ela busca mais capital.

A Americanas tem mais de 1.700 lojas no Brasil que vendem de televisores a geladeiras, além de uma unidade de e-commerce. Ela também possui um braço de serviços financeiros, lojas de roupas infantis e, não faz muito tempo, adquiriu a Hortifruti Natural da Terra.

Parceria com Buffett

Junto com a Berkshire Hathaway (BRK/A), de Warren Buffett, Lemann, 83 anos, Telles, 72, e Sicupira, 74, fecharam negócios para adquirir o Burger King e a Kraft Heinz nas últimas décadas. Eles também compraram a fabricante de persianas Hunter Douglas e expandiram sua participação na Anheuser-Busch InBev (BUD).

Os três há muito são modelos para a comunidade empresarial brasileira, demonstrando a capacidade de crescer além do mercado doméstico e ter impacto global com investimentos.

Embora tenham aumentado suas fortunas na última década, os últimos cinco anos foram difíceis. Os três perderam coletivamente cerca de US$ 16,5 bilhões – ou 29% de sua riqueza – durante esse período. Muito disso pode ser atribuído à InBev, cujas ações caíram 42% desde o início de 2018.

Apesar de renunciar ao cargo de CEO da Americanas, Rial disse que planeja continuar trabalhando com os principais acionistas para tentar endireitar as coisas.

Sobre o trio bilionário, ele disse: “Tenho orgulho de ter me associado a gente desse calibre, capitalistas puro-sangue”.

-- Com a colaboração de Vinícius Andrade.

Veja mais em bloomberg.com

Leia também

Moat Capital e as gestoras mais expostas à Americanas no Brasil

Warren Buffet prova - de novo - que crises são oportunidades para ganhar