Bloomberg Línea — Um dos mais tradicionais grupos varejistas do Brasil, com cerca de 1.800 lojas, a Americanas (AMER3) mergulhou em uma crise de confiança com investidores após a descoberta de um rombo contábil da ordem de R$ 20 bilhões em seus últimos balanços. A companhia será submetida a uma auditoria externa, terá que fazer uma capitalização, que deverá envolver seus acionistas de referência, e ainda precisará negociar com bancos para evitar uma execução de parte de sua dívida, segundo o agora ex-CEO Sergio Rial.
O caso foi revelado ontem (11) em fato relevante que incluiu a notícia sobre a renúncia de Rial. O executivo justificou sua decisão e deu detalhes da situação na manhã desta quinta-feira (12) em call com investidores e analistas promovida pelo BTG Pactual. Rial disse não estar em posição de dizer se houve fraude, mas apontou “distorções importantes” na contabilidade do grupo.
As últimas gestões da Americanas não contabilizavam operações de financiamento de sua cadeia de fornecedores como dívida bancária em seu balanço.
Rial disse ter descoberto essas “inconsistências contáveis” nos nove dias em que permaneceu no cargo de CEO, a contar do último dia 2 de janeiro.
Ele não soube precisar quando a Americanas começou a deixar de contabilizar o custo financeiro de seus empréstimos com fornecedores, tratando os R$ 20 bilhões como uma estimativa, não validada por auditoria, sobre o valor lançado na conta “fornecedores” indevidamente.
“Nas cartas de circularização encaminhadas aos bancos, não se comunica esse valor como dívida. Se é dívida onde está o custo financeiro?”, questionou Rial.
Ele disse ainda que os acionistas de referência da companhia - Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira - foram informados do problema contábil e financeiro, que se comprometeram com a transparência e em participar de uma capitalização da companhia.
Rial lembrou que, em 2021, a companhia concluiu uma oferta subsequente de ações (follow-on) de cerca de R$ 8 bilhões, com os três principais acionistas entrando com um terço da injeção de capital.
“A Americanas vai precisar de dinheiro, de capitalização. Há a seriedade dos acionistas de fazer parte da solução, mas não pode ser só eles”, afirmou Rial durante a call com investidores.
O executivo acrescentou ainda que, além da capitalização, a companhia deverá também reduzir o capex (investimentos) e pode ter que fazer ainda “movimentos estratégicos”, sem detalhar se isso seria a venda de ativos, por exemplo. Em 2021, a Americanas comprou a HNT (Hortifruti Natural da Terra), rede varejista especializada em produtos frescos, por R$ 2,1 bilhões.
Rial disse que a companhia terá que revisar seus balanços e fazer um redesenho da estrutura de capital. Sobre a dívida da companhia com os bancos e o aumento da alavancagem, ele disse que 92% das obrigações estão livres de cláusulas restritivas (covenants), mas 8% possuem esse gatilho, o que significa que a Americanas terá que renegociar termos com esses credores.
“Os bancos podem decidir acelerar a [execução] da dívida e a questão vai ser judicializada”, disse Rial, lembrando que a companhia tem R$ 9 bilhões em caixa e que não sabe qual será o impacto da situação no patrimônio líquido da Americanas.
Reações no mercado
O mercado reagiu à notícia de forma abrupta: as ações da companhia desabaram 75% em leilão antes da abertura do pregão, e uma onda de rebaixamento de recomendações é esperada.
A equipe da XP colocou a recomendação para o papel em revisão, apontando possíveis processos judiciais nos Estados Unidos, maior alavancagem e custo de dívida, e interpretando a renúncia de Rial como um alerta de mais riscos à frente.
Segundo a XP, há riscos de processos judiciais nos EUA, “dado que a companhia possui ADRs negociadas no país, como observado em casos semelhantes em que os acionistas minoritários foram prejudicados por decisões dos executivos”.
Os analistas da plataforma mencionam ainda a “falta de visibilidade sobre o que de fato aconteceu e os impactos efetivos a serem observados nas demonstrações financeiras da companhia”.
A XP acrescentou ainda que mantém uma visão cautelosa com cenário do varejo por causa da menor renda disponível, do aumento das taxas de juros e da competição mais acirrada.
Já relatório do Banco do Brasil apontou que “o fato ora em discussão reforça a percepção negativa, diante das incertezas que são trazidas por causa da necessidade de reapresentação dos demonstrativos financeiros, o que impactará a modelagem financeira e seu valor justo, além da falta de transparência que traz impactos adicionais aos minoritários”.
O BB manteve sua recomendação de venda para o papel. “O preço-alvo deixa de ser referência até que sejam reapresentados os demonstrativos financeiros pela Americanas, momento em que revisaremos nosso valuation”, acrescentou o relatório.
O BB avalia que o problema pode atingir o setor de varejo. “Essa discussão acerca da reclassificação de operações de risco sacado pode vir a impactar negativamente outras companhias do setor varejista, dado tratar-se de operação comumente contratada junto aos bancos pelos varejistas e cuja transparência das informações divulgadas pode variar de companhia para companhia.”
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