Governo busca reduzir déficit primário para até 1% do PIB com novas medidas

Medidas incluem a revisão das receitas de impostos e também mudanças nos processos no Carf; pacote pode elevar arrecadação em cerca de R$ 240 bi

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Bloomberg Línea — O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e os ministros da área econômica assinaram nesta quinta-feira (12) uma série de medidas provisórias e decretos com o objetivo de recompor receitas e reduzir o déficit primário projetado para 2023. O governo chama o programa apresentado de “Medidas de Recuperação Fiscal”.

As medidas incluem o aproveitamento de crédito do ICMS, a cobrança de PIS e Cofins sobre gasolina e etanol a partir de março, a incorporação de ativos do PIS e Pasep nas receitas primárias e mudanças na forma de desempate de decisões do Carf e incentivos à redução de litígios tributários, além de redução de despesas.

Ao todo, o governo estima que as medidas podem somar R$ 242,68 bilhões em receitas que não estavam previstas anteriormente para 2023.

Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com o pacote, o governo passará a trabalhar com a meta de déficit fiscal de entre 0,5% e 1% do Produto Interno Bruto (PIB). A estimativa é que ficaria entre R$ 90 bilhões e R$ 100 bilhões, segundo o ministro.

Nas contas do governo, as medidas podem resultar em superávit fiscal de R$ 11 bilhões em 2023, ou 0,1% do PIB. Haddad, no entanto, reconheceu que é possível que nem todas as medidas gerem os efeitos estimados.

Questionado, Haddad explicou que algumas das medidas, como a renegociação de dívidas discutidas em processos administrativos, são inéditas e o governo não tem como fazer estimativas.

As contas apresentadas no documento consideram que todos os contribuintes com processos pendentes nos órgãos administrativos vão aderir ao programa, por exemplo, e não teriam como considerar quanto dos valores depositados em conta para garantir o andamento do processo seria em dinheiro e quanto seria em seguro garantia.

“O objetivo é que a despesa se aproxime de 2022 como proporção do PIB e que a receita se aproxime de 2022 como proporção do PIB”, disse Haddad. “Me parece auto-evidente que esse é um rumo adequado: tentar equilibrar o orçamento ainda neste ano.”

A ministra do Planejamento, Simone Tebet, completou: “Não existe crescimento duradouro e sustentável com déficit de R$ 230 bilhões”.

Veja as medidas:

Fim das desonerações

Algumas das medidas assinadas nesta quinta revogam as desonerações concedidas pelo ex-vice-presidente Hamilton Mourão no final de 2022.

As principais são o fim do desconto de PIS e Cofins para empresas não financeiras, que vai resultar em R$ 4,4 bilhões de receitas para 2023.

Haverá ainda uma correção na interpretação a respeito da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que retirou o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. Essa medida deve resultar em receita de R$ 30 bilhões.

Segundo Haddad, a Receita vinha entendendo que, além de o contribuinte retirar o ICMS da base do PIS e da Cofins, estava tomando crédito tributário com base no PIS e na Cofins com o ICMS na base. Para o ministro, “é um contrassenso” que não respeita a decisão do Supremo.

“O crédito é sobre o valor recolhido, não sobre o valor da nota fiscal”, disse Haddad. “O grande drama aqui é que o Ministério da Economia não fez absolutamente nada para reparar.”

O governo ainda espera arrecadar mais R$ 28 bilhões com o fim da desoneração sobre os combustíveis. Mas Haddad disse que isso só será efetivado depois que o senador Jean Paul Prates (PT-RN) assumir a presidência da Petrobras, “e no momento adequado”.

Carf

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) é um dos principais focos de atenção do governo. Foram anunciadas medidas para melhorar a atuação da Fazenda no Conselho e para redução da litigiosidade.

O Carf é a última instância interna da Fazenda para discutir recursos contra decisões da Receita a respeito de autuações fiscais a contribuintes. Hoje, o conselho tem cerca de 100 mil processos pendentes de julgamento, que discutem R$ 1,08 trilhão.

Com as medidas ligadas ao Carf, o governo espera ter receita de R$ 60 bilhões em 2023, dos quais R$ 35 bilhões viriam das medidas extraordinárias de redução de litigiosidade e R$ 15 bilhões viriam de medidas permanentes - seria, portanto, receita permanente.

As medidas ligadas ao Carf:

Volta do voto de qualidade: uma das principais medidas é voltar com o chamado voto de qualidade no Carf.

É o voto de desempate em discussões colegiadas do Carf. Por regra regimental, fica sempre a cargo dos presidentes das câmaras julgadoras. Vigorou até 2019, quando foi extinto pelo Congresso e sancionado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

A reclamação de então era que o voto de qualidade era sempre a favor da Fazenda, e nunca do contribuinte - nas câmaras superiores, órgão máximo do Carf e que só julga as causas mais “caras”, a proporção de vitórias do governo era de 90%, segundo estudo da FGV.

Só que o fim do voto de qualidade também estabeleceu que, em caso de empate, a decisão seria sempre a favor do contribuinte.

Isso deu agilidade ao Conselho - o número de processos pendentes de julgamento caiu 10% entre dezembro de 2021 e outubro de 2022. E também aumentou o valor dos processos em discussão, de R$ 600 bilhões, de dezembro de 2015 a dezembro de 2019, para R$ 1 trilhão em outubro de 2022 - alguns advogados, no entanto, apontam que o aumento do estoque tem mais a ver com a paralisação do Carf durante a pandemia.

Porta do Judiciário aberta: a regra anterior também proibia a Fazenda de ir ao Judiciário em caso de derrota no Carf. Isso também acabou com a nova medida provisória, e agora todos podem ir ao Judiciário depois do fim do processo no Carf.

Recursos mais caros: o governo também dificultou o recurso de contribuintes ao Carf, em caso de derrota nas delegacias regionais de julgamento da Receita, as DRJ, primeira instância para contestar autuações.

Processos que discutem até R$ 1 mil serão extintos já depois da decisão da DRJ, independente de quem saiu vitorioso. Segundo o governo, isso resultará na redução de mais de 70% dos processos que entram no Carf, mas que representam menos de 2% do valor total em discussão.

Renegociação de dívidas: foram criados programas de renegociação de dívidas tributárias, cuja estimativa de receita é de R$ 35 bilhões para 2023, como já mencionado, segundo o documento divulgado pelo governo.

Para pessoas físicas e micro e pequenas empresas, o governo vai oferecer entre 40% e 50% de desconto sobre as dívidas totais (tributo, multa e juros) e até 12 meses para pagar. Isso será aplicado para dívidas de até 60 salários mínimos.

No Carf, essas dívidas significam mais de 30 mil processos que discutem R$ 720 milhões. Nas delegacias de julgamento da Receita, a primeira instância para discussão das autuações, o programa atinge um universo de mais de 170 mil processos, com R$ 3 bilhões em discussão.

Para dívidas maiores de 60 salários mínimos, o programa prevê o desconto de 100% nos juros e multas e os contribuintes poderão usar prejuízos fiscais e base de cálculo de impostos negativa para quitar entre 52% a 70% do débito. Essa parte só se aplica a dívidas irrecuperáveis ou de difícil recuperação, conforme explicação do secretário da Receita, Robinson Barreirinhas.

Os programas de refinanciamento fiscal são criticados pelos técnicos da Receita. Segundo estudos divulgados pelo sindicato da categoria, o Unafisco, os chamados Refis desestimulam o pagamento de impostos por grandes devedores, que esperam novas oportunidades de negociação, e só atingem 1% do total de pessoas jurídicas com débitos tributários.

Haddad disse, no entanto, que “não é Refis”. Depois, o secretário da Receita, Robinson Barreirinhas, disse que a diferença é que o Refis se aplicava a todos os contribuintes com dívidas acima de um determinado valor. O programa novo se inclui, segundo Barreirinhas, no conceito de “transação” da legislação tributária. Isso significa que as dívidas terão de ser analisadas, e apenas créditos irrecuperáveis e de difícil recuperação podem ser inscritos no programa.

Fim do recurso de ofício: a medida provisória que trata do Carf também acabou com o recurso obrigatório da Procuradoria da Fazenda em caso de derrotas em processos que discutem até R$ 15 milhões. Isso representa quase mil processos, ou R$ 6 bilhões em discussão que impediam a discussão de grandes teses. Antes, a Procuradoria da Fazenda era obrigada a recorrer de todas as derrotas.

Revisão dos contratos

A ministra do Planejamento, Simone Tebet, anunciou ainda uma medida de reavaliação dos gastos do governo Bolsonaro.

Segundo ela, foi assinada uma medida determinando a todos os ministérios que reavaliem “a necessidade da continuidade dos contratos assinados na gestão passada”. “Não significa que eles vão cancelar os contratos. Eles vão ter a discricionariedade de decidir se vai manter, reavaliar ou cancelar”, explicou a ministra.

Também foi determinado a todos os órgãos da administração pública federal que suspendam o pagamento de restos a pagar (RAP) ainda não iniciados para avaliar a necessidade e legalidade da manutenção. Isso envolve um universo de R$ 100 bilhões, segundo a ministra.

“Restos a pagar” é o jargão burocrático para se referir às despesas que a União já assumiu compromisso de pagar, mas não efetuou o gasto até 31 de dezembro do ano em que o compromisso foi assumido.

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