Bloomberg Línea — O trabalho do Banco Central (BC) para levar a inflação ao consumidor de volta à meta não chegou ao fim e deve continuar dando o tom dos mercados em 2023 - leia-se juros altos por mais tempo, o que impacta as estratégias de alocação de investidores de todos os perfis.
Os sinais mais recentes vieram da divulgação do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) de dezembro nesta terça-feira (10) pelo IBGE, que apontou a aceleração dos preços em dezembro acima das estimativas de economistas do mercado financeiro.
A Bloomberg Línea reuniu as projeções e avaliações de dez bancos e consultorias especializadas para a inflação no Brasil.
No consenso do mercado medido pelas projeções do Boletim Focus, do Banco Central, a Selic encerrará dezembro em 12,25% ao ano, ou 150 pontos base abaixo do patamar atual de 13,75%. Não faz muito tempo, as estimativas apontavam para a Selic na casa de 11% ao fim deste ano.
O conjunto de avaliações mostra que a maior parte dos bancos atribuiu a alta em dezembro à recomposição dos preços depois das promoções da Black Friday, em novembro, o que influenciou a inflação da categoria de bens industriais. A maior demanda na temporada de compras de fim de ano também fez subir os preços dos grupos de vestuário, despesas pessoais e cuidados pessoais.
No entanto a avaliação é a de que o cenário ainda é desafiador por causa das pressões inflacionárias e que a convergência da inflação para a meta deve ser demorada.
No universo das dez instituições consultadas, as projeções para o IPCA em 2023 variam no intervalo de 4,5% a 5,9%, muitas acima do teto da meta do Banco Central (4,75%), o que sugere que o BC não pode baixar a guarda, apesar de comentários recentes do novo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de que a taxa juros estaria em “um patamar fora de propósito” em termos reais.
“A dinâmica da inflação subjacente ainda é desafiadora, dadas as pressões ainda disseminadas sobre a inflação básica e de serviços em um cenário de aperto no mercado de trabalho, a expectativa de deterioração do mix de políticas macro e micro e uma expansão fiscal considerável em 2023″, disse Alberto Ramos, economista-chefe do Goldman Sachs para América Latina, em relatório a clientes.
Pressões sobre combustíveis
Um dos pontos de incerteza sobre a inflação é a possível volta da cobrança de impostos sobre a gasolina e o etanol, a partir de março. Os bancos ressaltam que a medida pode provocar uma alta dos preços no ano.
Em um de seus primeiros atos após a posse, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) editou uma medida provisória prorrogando a desoneração de PIS/Confis e Cide sobre combustíveis. A prorrogação vale até 28 de fevereiro no caso da gasolina e do etanol e até 31 de dezembro para o diesel, o biodiesel e o gás liquefeito de petróleo (GLP) – o popular gás de cozinha.
“A principal questão sobre o headline do IPCA provavelmente é o aumento potencial dos impostos sobre a gasolina. O governo adiou recentemente a volta da cobrança de impostos de janeiro para março, com efeito potencial de cerca de 14% sobre o preço da gasolina na bomba e +75 bp [pontos base] no IPCA”, afirmaram Vinicius Moreira e Cassiana Fernandez, economistas do J.P. Morgan, em relatório.
Outra questão a ser observada é a incerteza fiscal. O governo Lula promete apresentar no primeiro semestre uma nova proposta de um arcabouço fiscal para o país para substituir a atual regra do teto de gastos. Enquanto isso não ocorre, o aceno com o aumento das despesas gera dúvidas sobre a sustentabilidade da dívida pública. Com isso, a avaliação é que pode haver pressões no câmbio e estímulos à demanda, levando o BC a manter os juros elevados por mais tempo.
“Entendemos que mudanças no arcabouço fiscal e, consequentemente, aumento dos prêmios de risco podem dificultar a convergência da inflação para o centro da meta no horizonte relevante de política monetária”, disseram os economistas Leonardo Paiva e Luiza Paparounis, do BTG Pactual (BPAC11).
Confira a seguir os principais trechos dos comentários dos economistas consultados pela Bloomberg Línea, editados para fins de clareza, e as projeções de cada um para o IPCA:
Daniel Karp e Felipe Kotinda, Santander
Projeção para o IPCA 2023: 5%
“Apesar da enorme surpresa de alta – 0,62% m/m [mês vs. mês] contra o consenso de 0,45% e a previsão de 0,40% do Santander –, não vemos a leitura de dezembro como particularmente desfavorável, já que a maior parte da surpresa se concentrou na recuperação dos preços dos bens industriais após as vendas da Black Friday (portanto, em teoria, um movimento pontual). O IPCA encerrou 2022 em 5,8% a/a [ano vs. ano] (3,7% 3MMA-Saar) [média móvel de 3 meses da taxa anual ajustada sazonalmente].
Pelo lado positivo, a inflação de serviços continuou desacelerando em termos de tendência, atingindo 2,8% 3MMA-saar, com seu núcleo atingindo 4,9% 3MMA-saar.
Por enquanto, ainda projetamos uma rápida desaceleração do IPCA (tanto forte quanto núcleo) para o patamar de 5%, mas ainda acreditamos que a convergência para o centro da meta (3,0% no médio prazo) será difícil e demora para acontecer.”
Julia Passabom e Luciana Rabelo, Itaú Unibanco
Projeção para o IPCA 2023: 5,7%
“A leitura do IPCA de dezembro veio acima do esperado e, com isso, a inflação fechou 2022 em 5,8%. A desinflação de industriais segue em curso, embora com comportamento errático e influenciado pela devolução dos descontos da Black Friday.
A queda de preços de commodities em reais e a normalização no nível de ociosidade da indústria e estoques indicam que inflação do grupo deve seguir perdendo força adiante. A abertura de serviços, embora oscilando na ponta, segue mostrando trajetória de desinflação lenta e gradual.
No curto prazo, o tom das revisões deve ser altista, com surpresa no dado de hoje e coleta de preços de combustíveis na bomba mais forte na primeira semana do ano.”
Leonardo Paiva e Luiza Paparounis, BTG Pactual
Projeção para o IPCA 2023: 5,9%
“A despeito de entendermos que parte da surpresa decorre de itens voláteis, a aceleração na média dos núcleos de 0,33% m/m para 0,66% m/m, enquanto a difusão geral acelerou para 69,0%, patamar observado em maio/22, sinaliza que apesar da melhora recente na dinâmica inflacionária, alguns vetores de atenção do BCB seguem pressionados.
Para 2023, ainda esperamos reversão das desonerações tributárias de 2022, mas agora em março dada a extensão da desoneração por 60 dias.
Além disso, entendemos que mudanças no arcabouço fiscal e, consequentemente, aumento dos prêmios de risco podem dificultar a convergência da inflação para o centro da meta no horizonte relevante de política monetária.
Como vetores positivos, ressaltamos que a melhora nos gargalos produtivos e as perspectivas melhores para a próxima safra devem resultar em uma trajetória de inflação mais baixa para bens industriais e alimentos in natura.
Atualmente, esperamos que o IPCA encerre 2023 com uma alta de 5,9%. Para 2024 projetamos um IPCA de 4,0%, 100 bps acima da meta de inflação de 3,0%.”
Alberto Ramos, Goldman Sachs
Projeção para o IPCA 2023: 5,6%
“A inflação no grupo de Alimentos e Bebidas se firmou desde novembro, conforme esperado, mas abaixo das estimativas. Os grupos de Bens Domésticos, Vestuário, Despesas Pessoais, Comunicações e Cuidados Pessoais também registraram leituras mensais mais altas impulsionadas pela normalização dos preços após os descontos/promoções de preços da Black Friday de novembro.
No geral, a dinâmica da inflação subjacente ainda é desafiadora, dadas as pressões ainda disseminadas sobre a inflação básica e de serviços em um cenário de aperto no mercado de trabalho, a expectativa de deterioração do mix de políticas macro e micro e uma expansão fiscal considerável em 2023 (possivelmente até além de 2023) e uma tendência ascendente renovada das expectativas de inflação para 2023-24.
Além disso, a inflação pode se mostrar inercial/fixa devido à intensificação dos mecanismos retroativos de fixação de preços e salários (com reajuste de contratos salariais incorporando ajustes de custo de vida). Em nossa avaliação, as condições atuais desafiadoras justificam uma calibração conservadora da política monetária por um período de tempo razoável.”
Luiza Benamor, Tendências Consultoria
Projeção para o IPCA 2023: 5%
“Para 2023, a expectativa é de arrefecimento da inflação de serviços, no contexto de dissipação das pressões oriundas do forte retorno do setor no pós-pandemia. Em 12 meses, a variação dos serviços totais manteve-se estável em relação à prévia do mês, apresentando alta de 7,6%, enquanto demonstrou aceleração na métrica que exclui o item passagens aéreas (7,31%, ante 7,27% no IPCA-15).
A média dos núcleos ficou em 0,61% (7,57% em termos anualizados), acelerando em relação às variações registradas no IPCA-15 (0,41% e 5,05%, respectivamente). No tocante ao índice de difusão, houve um aumento para 68,97% (de 65,67% na prévia), demonstrando elevada disseminação do aumento de preços.
Ainda que a expectativa seja de desaceleração no ano, a variação ainda significativa dos núcleos demonstra que o processo de convergência à meta de inflação segue desafiador.”
David Beker e Natacha Perez, Bank of America
Projeção para o IPCA 2023: 4,8%
“A inflação medida pelo IPCA aumentou 0,62% em dezembro (ante 0,41% em novembro), acima da expectativa do mercado de 0,45%. Com esta leitura, a inflação anual desacelerou para 5,78% a.a. em dezembro (ante 5,90% a.a. em novembro), em linha com nossa projeção de 5,8% a.a. para a inflação no final de 2022.
Os preços monitorados foram os únicos responsáveis pela desaceleração anual (-3,8% a.a., ante 16,9% em 2021), com alta dos preços livres (9,4% ante 7,7%), com a aceleração da inflação de alimentos e serviços.
Nesse sentido, o núcleo médio da inflação acelerou 9,1%, ante 7,5% em 2021. O presidente do BCB deve prometer também atingir a meta em 2024, já que a equipe do banco já projeta inflação acima do topo da meta, em 5%. Esperamos que a desaceleração do IPCA, iniciada no segundo semestre de 2022, continue adiante e chegue a 4,8% ao final de 2023.
Esperamos IPCA em 4,8% em 2023, ante 5,8% em 2022, e mais próximo do limite superior da faixa de tolerância da meta de inflação (3,25% ± 1,5%).
A atividade continua desacelerando, criando um ambiente que permitiria cortes nas taxas. No entanto, o impacto da incerteza fiscal sobre as expectativas de inflação (desancoradas para 2023, 2024 e 2025) deve postergar o ciclo de flexibilização para mais adiante no ano.
Permanecemos com nossa estimativa de 10,50% para a taxa Selic no final de 2023, mas os riscos são de alta.”
Solange Srour, Rafael Castilho e Francisco Lima Filho, Credit Suisse
Projeção para o IPCA 2023: 5,8%
“A inflação medida pelo IPCA foi de 0,62% em dezembro, acima da expectativa média do mercado de 0,44%. Com isso, o IPCA acumulado em 2022 foi de 5,79%, tornando 2022 o segundo ano consecutivo com inflação acima do limite superior da meta de inflação.
O resultado de dezembro ficou acima do esperado principalmente por conta de alimentação em domicílio e produtos industrializados. A inflação aumentou nas três categorias de preços livres e preços administrados.
Os núcleos da inflação aceleraram no mês de 0,23% a.m. em novembro para 0,87% a.m. em dezembro, acima da trajetória compatível com a meta de inflação do banco central, enquanto nos três meses dessazonalizados e anualizados, a mediana dos núcleos foi de 5,1% . O índice de difusão passou de 58,2% em novembro para 69,4% em dezembro.
No geral, as principais surpresas foram em produtos industriais e serviços. A alta da inflação nessas categorias foi consequência do retorno dos preços após o fim das promoções da Black Friday em novembro e maior demanda devido ao final do ano.
Mantemos nossa projeção de inflação para o IPCA em 2023 em 5,8%, com viés de alta. Por enquanto, não estamos incorporando a retomada dos impostos federais sobre combustíveis, que podem voltar em março para gasolina, etanol e gás natural.”
Leonardo Porto, Citi Brasil
Projeção para o IPCA 2023: 4,5%
“Olhando para frente, a desaceleração doméstica esperada juntamente com o declínio constante da inflação desde que o IPCA atingiu 12,1% em abril/22 deve facilitar uma redução contínua da inflação de serviços (atualmente em 7,6% nos últimos 12 meses), dado o hiato do produto mais favorável e componentes inerciais.
Assim, continuamos esperando que a inflação medida pelo IPCA retorne ao intervalo da meta neste ano (em 4,5%) condicionados à nossa premissa de que a redução do imposto sobre o combustível será mantida ao longo deste ano.
Reconhecemos que o processo contínuo de (des)ancoragem das expectativas de inflação é o principal risco para o nosso cenário, mas ainda vemos nossa expectativa de crescimento abaixo do consenso e suas implicações para a formação de preços eventualmente dominando a dinâmica da inflação.”
Vinicius Moreira e Cassiana Fernandez, J.P. Morgan
Projeção para o IPCA 2023: 5,6%
“A principal questão sobre o headline do IPCA provavelmente é o aumento potencial dos impostos sobre a gasolina. O governo adiou recentemente a volta da cobrança de impostos de janeiro para março, com efeito potencial de cerca de 14% sobre o preço da gasolina na bomba e +75 bp no IPCA.
Por enquanto, assumimos que esse imposto será reintroduzido em março, mas apenas metade de seu impacto potencial chegará à bomba, provavelmente compensado por uma nova política de preços no atacado.
Mas reconhecemos o elevado nível de incerteza sobre esta hipótese dadas as condições políticas, a falta de clareza remanescente sobre as políticas a serem seguidas pelo atual governo e as oscilações nos preços do petróleo.
Essas mudanças levam nossa previsão de IPCA para 2023 de 5,2% para 5,6%. Continuamos vendo uma desinflação estrutural ao longo do ano, com o núcleo do IPCA caindo de 9% no ano passado para 5,3% neste ano.”
Carlos Pedroso e Mauricio Nakahodo, MUFG Brasil
Projeção para o IPCA 2023: 5,4%
“Para este ano, esperamos o IPCA em 5,4%, ainda muito acima da meta central de 3,25%, e do teto da meta de 4,75%, com aumentos de preços em torno de 5% e 6% espalhados por produtos e serviços, em vez de qualquer grande volatilidade nos preços como observado durante este ano.
Tal cenário já considera a retomada do imposto PIS/Cofins sobre combustíveis em março deste ano. Note que ainda não incorporamos o aumento da alíquota do ICMS sobre os combustíveis. Apesar do acordo entre o governo federal e os estados de que o combustível não é um bem essencial e, portanto, a alíquota pode ir além de 18%, ainda não há uma definição sobre a alíquota a ser cobrada.
Do lado positivo, considerando o contínuo afrouxamento das medidas de restrição à covid na China, há espaço para uma normalização completa da cadeia de suprimentos industrial, aliviando assim a pressão de preços industriais.”
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