Presença de Bolsonaro na Flórida vira dor de cabeça para Biden após ataques

Funcionários do governo americano avaliam se podem fazer algo para estimular o ex-presidente a deixar os EUA, segundo a Bloomberg News

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Bloomberg — A presença do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nos EUA se transformou em um dilema diplomático para o presidente americano Joe Biden depois que seus apoiadores invadiram prédios do governo em Brasília no domingo (8).

Um ex-assessor disse na segunda-feira que Bolsonaro foi hospitalizado perto de Orlando, Flórida, com dores abdominais, depois de ser visto na área nos últimos dias, inclusive em um supermercado Publix e um restaurante KFC.

O conselheiro de segurança nacional Jake Sullivan disse na segunda-feira (9) que os EUA não receberam um pedido de extradição de Bolsonaro do Brasil. Com silêncio de Brasília, a equipe de Biden não avalia essas opções. No entanto, funcionários do governo estão considerando se podem fazer alguma coisa para estimular Bolsonaro a deixar os EUA, de acordo com pessoas familiarizadas com as conversas ouvidas pela Bloomberg News.

As discussões sobre as opções estão em um estágio inicial e incluem pedir que ele saia ou explorar motivos para cancelar seu visto, disseram as pessoas. Elas pediram para não serem identificadas porque nenhuma decisão foi tomada.

Milhares de apoiadores de Bolsonaro invadiram o Congresso, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Palácio do Planalto, sede da Presidência, no domingo, um incidente com fortes paralelos com a insurreição de 6 de janeiro de 2021 no Capitólio dos EUA por apoiadores do ex-presidente Donald Trump. Bolsonaro e Trump são aliados políticos que perseguiram agendas populistas e nacionalistas e endossaram as candidaturas de reeleição um do outro.

Ambos também alimentaram suspeitas sobre os sistemas eleitorais de seus países e se recusaram a ceder após suas derrotas. Bolsonaro chegou aos Estados Unidos em 30 de dezembro ainda como presidente, se ausentando da posse de Luiz Inácio Lula da Silva.

O senador Renan Calheiros pediu ao ministro Alexandre de Moraes na segunda-feira que ordene o retorno imediato de Bolsonaro ao país. O senador disse que Bolsonaro precisa explicar seu suposto incentivo aos manifestantes que invadiram Brasília. Ele pediu ao tribunal que emita uma ordem de prisão caso o ex-presidente se recuse a cooperar com a investigação.

Moraes, que preside uma investigação de supostos atos contra a democracia brasileira, já emitiu vários mandados de prisão contra apoiadores de Bolsonaro.

Incerteza sobre visto de Bolsonaro

Um desafio para as autoridades americanas que buscam apressar a saída de Bolsonaro é descobrir como ele entrou nos EUA. Há incerteza sobre qual visto ele obteve dentro do governo, disseram as pessoas familiarizadas com o assunto. Ele possivelmente usou seu passaporte diplomático, mas também poderia ter usado um passaporte pessoal e estar visitando a Flórida com visto de turista.

Sua presença no estado – e imagens dele visitando restaurantes e mercearias locais – foram inicialmente objeto de zombaria online. Mas a permanência de Bolsonaro na Flórida tornou um tema sério após o motim de Brasília, impulsionado por reivindicações infundadas entre seus apoiadores de que a eleição brasileira foi fraudada.

Bolsonaro condenou a destruição de patrimônio público e foi ao Twitter para dizer que “depredações e invasões de prédios públicos como vimos hoje, como os atos praticados pela esquerda em 2013 e 2017, não estão dentro das regras”.

Os protestos tiveram ecos do ataque de 6 de janeiro ao Capitólio nos EUA. Steve Bannon, o ex-estrategista de Trump que defendeu falsas alegações de fraude nas eleições presidenciais de 2020 nos EUA antes da insurreição, usou seu podcast War Room e postagens no site de mídia social Gettr para divulgar a ideia de que a eleição brasileira foi roubada e para apoiar o manifestantes.

Bannon postou no Gettr em 30 de outubro depois que Lula derrotou Bolsonaro “esta eleição foi roubada em plena luz do dia”. Bannon chamou os manifestantes de “Lutadores da Liberdade Brasileiros” no Gettr e disse: “Lula roubou a eleição, os brasileiros sabem disso”.

Bannon já tinha feito declarações anteriores de apoio a Bolsonaro e sua família. Depois que Trump perdeu, Bannon aconselhou o filho de Bolsonaro, Eduardo, e sugeriu que o Brasil de Bolsonaro era uma personificação do estilo de nacionalismo de direita que Trump tentou impor nos EUA. “De muitas maneiras, o movimento do Brasil é realmente muito mais avançado do que nos Estados Unidos”, disse Bannon à Bloomberg na época.

Reação no Congresso americano

Alguns deputados democratas instaram Biden a extraditar Bolsonaro, aumentando a pressão sobre o governo. Os deputados Joaquin Castro, do Texas, e Alexandria Ocasio-Cortez, de Nova York, classificaram as ações dos apoiadores de Bolsonaro como terrorismo doméstico.

“Os EUA devem parar de conceder refúgio a Bolsonaro na Flórida”, disse Ocasio-Cortez em um tuíte. “Quase dois anos depois do dia em que o Capitólio dos EUA foi atacado por fascistas, vemos movimentos fascistas no exterior tentando fazer o mesmo no Brasil.”

Governos americanos anteriores agiram rapidamente para responder a tais pedidos de extradição de ex-presidentes da América Latina, quando eles ocorreram. Em 2018, os EUA extraditaram o ex-presidente do Panamá Ricardo Martinelli, que posteriormente foi absolvido das acusações de espionagem e peculato.

“Ainda não recebemos nenhum pedido oficial do governo brasileiro relacionado a esse assunto”, disse Sullivan. “Se e quando o fizermos, lidaremos com isso e se e quando tivermos qualquer informação a fornecer, faremos isso.”

Bolsonaro ainda não enfrenta acusações criminais no Brasil, o que significa que o governo Lula não tem base para um pedido de extradição. Isso pode mudar à medida que a investigação sobre os tumultos prossegue. Sua hospitalização ocorre após várias cirurgias desde que foi esfaqueado no abdômen enquanto fazia campanha em 2018.

Embora se recusasse a falar sobre Bolsonaro individualmente, o porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price, disse que as pessoas que viajam para os EUA com o conhecido visto A, reservado a funcionários do governo e diplomatas, têm 30 dias para mudar seu status de imigração se deixarem o o cargo enquanto nos EUA.

“Caberia ao titular do visto tomar essa ação”, disse Price. “Se um indivíduo não tem base para estar nos Estados Unidos, esse indivíduo está sujeito a remoção pelo Departamento de Segurança Interna.”

Questionado se os EUA estavam esperando o governo de Lula entrar em contato, Sullivan disse: “Não quero que você tome isso como uma implicação”.

“Os Estados Unidos tomam medidas sobre vistos o tempo todo, por todos os tipos de razões”, disse Sullivan. “Neste caso particular, neste indivíduo em particular, novamente, tenho que proceder com extrema cautela em termos de como falar sobre isso por causa das questões legais e precedentes envolvidas.”

-- Com colaboração de Josh Wingrove.

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