Bloomberg Opinion — O colapso das criptomoedas fez do blockchain uma palavra proibida. A mineradora de bitcoin (BTC) Riot Blockchain, outrora o carro-chafe do rebranding projetado para representar o zeitgeist dos investimentos, agora quer ser conhecida apenas como Riot Platforms após uma queda de quase 90% no preço das ações em 2022.
É um momento simbólico que atesta a mudança da conotação da palavra “blockchain” de boa para ruim no mercado de ações, no qual os investidores caíram na euforia equivocada e no fracasso da entrega de modelos de negócios viáveis. E se há uma aposta segura em 2023, é que a Riot não será a última empresa a mudar de rumo.
Dada a escala do colapso da exchange de criptomoedas FTX, é fácil ignorar como o grande buraco econômico de investimentos em cripto e blockchain consumiu tudo, pois as novas estreias na bolsa e a transformação de companhias existentes em empresas de blockchain ofereciam mais propagandas que substância.
A prevalência de mudanças de razões social que continham a palavra “blockchain” vai além da Riot – conhecida como Bioptix em sua mudança de escopo para criptoativos em 2017 – e deve alarmar o setor, pois nove empresas incluíram as palavras “blockchain ou NFT” em 2022, caso da empresa de anúncios digitais NFTY e a de tecnologia de baterias CryptoBlox Technologies.
Foi o número mais alto desde 2018, quando 24 empresas adotaram nomes relacionados a cripto, segundo dados compilados pela Bloomberg News. Há uma ampla semelhança com a adoção do termo “ponto-com” durante o boom de tecnologia dos anos 90.
Essas empresas normalmente são pequenas e voláteis. Nem todas sobreviveram a 2022. Algumas até viram sentido em tirar as referências a cripto de seu nome antes da Riot: a empresa de data center Applied Blockchain mudou seu nome para Applied Digital em novembro, quando começou a afastar seus clientes de fora do espaço cripto, que estava ficando afetado.
As ações de cripto, fomentadas pelo acesso ao capital fácil, tendem a espelhar as espreitas dos ativos digitais; uma pesquisa de 2021 que analisou um conjunto de empresas com novos nomes relacionados a blockchain ou cripto identificou uma tendência de queda da lucratividade a curto prazo e um aumento da volatilidade.
Além das associações de nomenclatura, existem questões empresariais fundamentais que são claras a partir de ações com uma história mais longa do que alguns meses de “transformação em cripto”.
Muitas ações que permitem que investidores surfem na onda cripto faliram ou foram seriamente afetadas. A desenvolvedora On-Line Blockchain, de Londres, que obteve um aumento de 394% no preço das ações quando acrescentou a palavra “blockchain” a seu nome em 2017, está agora alertando sobre a preocupação de continuar operando.
Mineradoras de cripto, como a Riot, mostram que a cunhagem de moedas digitais é uma indústria arriscada e de capital intensivo, exposta a ativos voláteis.
As máquinas de mineração cripto que outrora produziram dólares por dia estão gerando centavos e sendo descartadas com prejuízo devido aos preços altos de energia somados a uma dívida de vários bilhões de dólares.
Quanto à exchange Coinbase (COIN), que abriu capital em 2021, suas taxas de transação, outrora impressionantes, parecem agora irremediavelmente dependentes da mistura de uma especulação viciante do varejo e uma regulamentação benigna. A receita de 2021 da exchange, de cerca de US$ 8 bilhões, deve ter sido reduzida pela metade em 2022.
Outros modelos de negócios não se saíram melhor, independentemente de seus nomes. A abordagem extrema da MicroStrategy de comprar e manter (HODL, no jargão de cripto) bitcoin como uma suposta reserva de valor e hedge (proteção) de inflação se mostrou errada, já que o aumento das taxas expõe a falta de valor intrínseco da moeda digital.
A empresa, cujas ações estão 90% abaixo de seu pico de 2021, só agora está vendendo bitcoin com prejuízo, na esperança de baixar sua conta de impostos.
É uma estratégia que tem poucos praticantes: a Tesla (TSLA), de Elon Musk, que brevemente adotou a bandeira da visão equivocada do bitcoin como “ouro digital”, vendeu a maior parte de seu estoque em julho.
Quanto às visões corporativas de uma melhoria tecnológica profundamente enraizada nos pagamentos ou na canalização do setor financeiro, elas também fracassaram porque a volatilidade dos criptoativos os torna um meio de troca pobre e porque os livros contábeis mostram suas próprias questões de custo e utilidade.
A Intercontinental Exchange Inc. reduziu recentemente em US$ 1,1 bilhão o valor de sua participação na plataforma de pagamentos cripto Bakkt Holdings, que conta com parcerias focadas no consumidor como a Starbucks (SBUX) e a Mastercard (MA).
No que diz respeito à infraestrutura, a B3i Services, uma empresa de seguros em blockchain, entrou com pedido de insolvência no ano passado, enquanto o presidente da exchange australiana ASX pediu desculpas recentemente por um lançamento malfeito de uma blockchain multimilionária, que foi abandonada.
Os fãs de cripto esperam este seja apenas mais um inverno em um mundo conhecido por crescimento e surtos, com a primavera já no horizonte. Até mesmo a Riot Platforms afirma que espera se tornar “a plataforma mundial líder em infraestrutura direcionada ao bitcoin”.
A consolidação e a reestruturação já estão ocorrendo, e empresas como a BlackRock (BLK) e a Galaxy Digital Holdings estão emitindo empréstimos para o setor de mineração digital que está passando por dificuldades. Enquanto isso, os bancos centrais estão planejando suas próprias moedas digitais, que podem um dia ser a chave que libera formas mais saudáveis de ativos virtuais.
Mas os invernos estão ficando mais longos e os verões mais curtos. Muitas empresas de cripto atualmente possuem registros de cinco anos de desempenho volátil e destruição de valor, às vezes com baixo desempenho das próprias moedas digitais.
Seu futuro em um mundo de taxas de juros crescentes, em que investimentos muito mais seguros começarão a oferecer retornos decentes, não parece mais brilhante. Dado o duvidoso caso de negócios por trás de alguns nomes vistosos, os órgãos reguladores e investidores não vão baixar a guarda. A próxima tendência em blockchain é não falar essa palavra.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Lionel Laurent é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre a França e a União Europeia. Já trabalhou para a Reuters e a Forbes.
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