Startups mais preparadas podem ir às compras em 2023, dizem investidores

Depois de um ano de ‘pé no freio’, empresas que souberam se preparar devem se diferenciar ainda mais das que continuaram queimando caixa, dizem fundos à Bloomberg Línea

2023 será um ano em que melhorar a eficiência da operação e reduzir a dependência de capital de investidor será fundamental, dizem investidores e fundadores
07 de Janeiro, 2023 | 12:50 PM

Bloomberg Línea — Depois de um 2022 de “pé no freio” e de reavaliação do portfólio de startups, investidores de capital risco disseram à Bloomberg Línea que esperam um ano duro, ainda com muitas incertezas sobre a recessão dos Estados Unidos e sua intensidade e aonde os juros, que ditam o rumo da economia, vão parar.

Nesse cenário desafiador, investidores ouvidos pela Bloomberg Línea afirmaram que as empresas precisam contar com dinheiro em caixa para sobreviver por um horizonte de pelo menos dois anos.

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Depois de um 2021 eufórico em que as startups captaram muito, houve aquelas que conseguiram passar por 2022 sem aporte. Mas, segundo os fundos, as que estiverem melhor preparadas em 2023 poderão se beneficiar comprando as que vão ficar sem dinheiro e não terão outra opção a não ser a venda.

Para Renato Valente, sócio da Iporanga Ventures, 2023 será um ano de pouco capital disponível para investimento em tecnologia, mesmo que os fundos ainda tenham “dry powder”, ou seja, que tenham captado recursos anteriormente para poder fazer suas rodadas. Para os capitalistas de risco, anos de contração representam os melhores “vintages”, ou seja, as melhores safras de investimento.

O Pitchbook considera que o mercado de ações continua “inóspito” para empresas financiadas por venture capital, mas há uma longa fila de empresas que esperam, e precisam, realizar um IPO em 2023. É o caso da colombiana Merqueo, que decidiu buscar dinheiro em uma oferta pública inicial, segundo um pedido de listagem na Nasdaq enviado à SEC, a comissão de valores mobiliários dos Estados Unidos.

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“Temos escutado bastante dos empreendedores e dos investidores que 2023 é um ano de construir muita coisa, é hora de inovar, pensar fora da caixa e ser criativo. É um ótimo ano para investir”, disse Valente.

“Do lado do investidor, apesar de estar todo mundo um pouco receoso, é a hora em que os preços baixam e que limpa um pouco o mercado de aventureiros. Só vem quem realmente quer construir algo de muito valor e que vai empreender não importa que cenário venha”, afirmou.

A Iporanga está lançando um fundo com foco em serviços financeiros e Blockchain para investir na América Latina e está otimista com a agenda de 2023 do Banco Central do Brasil, com Pix, Open Banking e real digital.

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Jonathan Kim, sócio da RGS Partners, disse que não é possível dizer quando o inverno das startups vai ser superado e mesmo empresas que estão bem posicionadas no mercado hoje podem ver a situação piorar nos próximos meses se não forem cautelosas em suas estratégias.

“É importante estar preparado para cenários diversos - e adversos - desde já. A queima de caixa, por exemplo, se tornou um dos principais fatores para potenciais compradores declinarem uma transação, portanto um planejamento financeiro bem executado é ainda mais essencial às empresas que vislumbram um M&A [uma operação de fusão e aquisição]”, disse.

Para Kim, estar aberto para negociar outras formas de pagamento também é crucial. “As condições dificilmente serão as ideais em um futuro próximo.”

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As recomendaçoes de founders

Mariano García-Valiño, CEO da healthtech Axenya, avaliou que é importante que a captação de recursos faça parte da estratégia da empresa.

“Construa o que você precisa para financiar a próxima etapa, nem mais nem menos. Certifique-se de testar as hipóteses em pequena, minuciosa e microscópica escala, se possível – a maioria das ideias estará errada, por isso não invista muito dinheiro até saber o que está fazendo”, aconselhou.

Bernardo Ribeiro, cofundador da insurtech Azos, recomendou que os empreendedores devem priorizar frentes de negócios mais rentáveis e não testar tudo. “Ser mais diligente no que seguir reduz a quantidade de opções na mesa e aumentam as chances de nossas apostas vingarem.”

Em 2023, várias empresas devem se deparar com necessidades de financiamento ancoradas em valuations não realistas para o momento, segundo Márcio Tabatchnik Trigueiro, sócio da Igah Ventures.

“Empreendedores e investidores pragmáticos entenderão que é melhor dar um passo atrás do que arriscar tudo. Será importante controlar a vaidade.”

Como tendências para 2023, Leo Monte, head do Torq e diretor de inovação da Sinqia, disse enxergar espaço para novos modelos e tecnologias emergentes, como Blockchain, Open Finance, finanças descentralizadas (DeFi), Web 3 e criptomoedas.

Paulo Passoni, que foi managing partner do SoftBank para a América Latina, publicou em seu LinkedIn que acredita que empresas que vão conseguir chegar à bolsa neste ano com um valuation acima dos de 2021 serão raras.

“Os múltiplos estavam tão errados em 2021 que para ‘crescer e atingir esses múltiplos’ em quatro anos será apenas para os 20% melhores. Os 20% piores não vão mais existir. No meio dos 60% haverá uma mistura de venda estratégica, valuations menores e dinâmicas estranhas no cap table.

Múltiplos de valuation ficam mais baixos quando o custo de oportunidade é mais alto, o que depende dos juros. Quando a taxa é mais baixa, o múltiplo das startups é mais alto.

Para Passoni, as implicações desse quadro é que as ofertas secundárias devem, em média, ocorrer com descontos de 40% em relação a 2021. Ele também disse acreditar que “a marcação a mercado deve produzir retornos marginais adequados ajustados ao risco (se o nível for de 20% ou 30% dependerá da política de cada casa)”.

“A remuneração baseada em ações mudará para ‘RSU’/Baixo preço de exercício (ações restritas, também conhecidas como títulos restritos, que não são totalmente transferíveis até que certas condições sejam atendidas), caso contrário, aqueles que a receberem não as irão valorizar.”

Efeitos para as que não se prepararem

Outro investidor disse à Bloomberg Línea em condição de anonimato que todas as empresas deveriam estar fazendo ajustes. “Independentemente se tem down round ou não, muitas empresas que consomem capital precisam de mais dinheiro para sobreviver. O melhor runway [tempo até o dinheiro acabar] que você pode ter hoje, dada a incerteza sobre conseguir levantar capital ou não, é ajustar a estrutura para ser lucrativo, para não precisar de capital de ninguém nunca mais.”

Para esse investidor, quem está fazendo demissões em massa e cortes de custos deveria ser aplaudido.

“Os múltiplos hoje são mais baixos do que em 2021, mas as empresas que crescem bastante compensam isso. Uma coisa é a empresa parar de crescer por dois anos enquanto está fazendo o ajuste e o potencial de crescimento ainda ser o mesmo.”

“As empresas que estão fechando não lidaram com o inverno como se ele fosse longo. Estamos vendo muitas oportunidades de fazer M&A porque há muitas empresas ficando sem caixa”, disse esse investidor. “Ainda veremos muita empresa fechando”, disse.

Para Carlos Simonsen, da Upload Ventures, quando muitas empresas têm seu evento de liquidez postergado, a “liberação de talento” no mercado é benéfica para o ecossistema. “Há pessoas que sabem como escalar uma empresa.”

Miguel Armaza, cofundador e general Partner da Gilgamesh Ventures, disse esperar que 2023 seja um ano ativo para empresas em estágio inicial - early stage - levantarem dinheiro, mas desafiador para empresas que precisam captar da Série B em diante, dado que os investidores em estágio de crescimento continuam sendo extremamente seletivos devido à incerteza dos mercados.

“Independentemente disso, a atividade provavelmente aumentará um pouco e as startups em estágio avançado - late stage - mais atraentes poderão garantir rodadas e se beneficiar de uma mentalidade nova para a qualidade. Também esperamos ver um bom número de aquisições, reestruturações e, infelizmente, algumas startups de alto perfil fechando suas portas”, disse.

Armaza acredita que os valuations permanecerão muito abaixo daqueles de 2021, mas a atividade de VC na América Latina em 2023 “ultrapassará significativamente o mercado de 4 a 5 anos atrás, com uma forte combinação de fundos locais e internacionais reconhecendo o potencial da região”.

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Isabela  Fleischmann

Jornalista brasileira especializada na cobertura de tecnologia, inovação e startups