Bloomberg — Grande parte dos investimentos dos Estados Unidos e da Europa na continente chinês têm sido direcionados a paraísos fiscais por meio de instrumentos offshore criados por empresas do país asiático, segundo pesquisas recentemente publicadas. Isso significa que a exposição estrangeira a ativos chineses é provavelmente muito maior do que apontam as estatísticas oficiais.
A participação de investidores americanos e europeus em ações e títulos emitidos por instrumentos offshore controlados por empresas chinesas, tais como o Alibaba Group e a Tencent, atingiu US$ 1,4 trilhão no final de 2020, segundo recentes estimativas do Projeto Global de Alocação de Capital baseado nas universidades de Columbia e Stanford.
O montante é quase três vezes maior do que o total que os investidores desses países detinham diretamente em empresas registradas na China.
Os dados mostram a amplitude dos laços financeiros entre a segunda maior economia do mundo e as principais do mundo desenvolvido, o que torna desafiador qualquer perspectiva de desvinculação.
Esses vínculos também demonstram que as empresas estrangeiras estão mais expostas à China do que se pensava anteriormente.
Governos dos EUA e da Europa precisarão prestar mais atenção aos riscos potenciais do investimento em empresas chinesas encaminhadas por meio de entidades offshore, sugeriram os pesquisadores.
“As somas implicadas, o envolvimento de investidores de varejo e fundos mútuos e a precariedade dos direitos dos acionistas previstos em estruturas de investimento desse tipo apontam claramente para uma necessidade de regulamentação”, disseram os pesquisadores.
Os dados também indicam que os esforços para regular os paraísos fiscais globais terão que levar em conta os interesses das empresas chinesas.
A quantidade de entidades offshore controladas pela China com investimentos americanos e europeus quase triplicou de 2016 a 2020, de acordo com o Projeto Global de Alocação de Capital.
“Tem havido muita atenção e esforço político na regulamentação das atividades dos paraísos fiscais. Nosso trabalho aponta para a crescente importância da China nessas jurisdições, e isso provavelmente tornará a coordenação global dos esforços políticos mais importante, mas também mais difícil de ser alcançada”, disseram os pesquisadores.
As empresas chinesas tendem a recorrer aos paraísos fiscais menos como um mecanismo de evasão fiscal e mais como um meio de contornar as restrições do governo chinês à propriedade estrangeira em alguns setores, e também porque os investidores estrangeiros muitas vezes vêem os tribunais estrangeiros como mais confiáveis do que os da China, disseram os pesquisadores.
Esses dados são o único recurso disponível publicamente que “examina” o investimento em empresas registradas em paraísos fiscais para onde o capital investido é finalmente destinado. A maioria das estatísticas oficiais analisa o investimento por residência, contando um investimento em uma empresa controlada pela China nas Ilhas Cayman como um investimento nas Ilhas Cayman.
Os pesquisadores descobriram que a propriedade norte-americana de ações e títulos emitidos por empresas chinesas era US$ 922 bilhões mais alta no final de 2020 do que mostravam os números do Tesouro dos EUA sobre investimentos na China.
“Sob essa visão mais abrangente, as carteiras dos residentes dos EUA estavam muito mais expostas à China até 2020, deixando esses investidores mais vulneráveis à queda subseqüente das ações tecnológicas chinesas”, disseram os pesquisadores.
A pesquisa também tem implicações para os balanços financeiros globais. A China é registrada nas estatísticas oficiais como um grande credor líquido para o resto do mundo, em parte porque suas empresas têm relativamente poucas obrigações para com investidores estrangeiros.
No entanto a posição credora da China é “muito menor” quando os passivos das empresas chinesas registradas fora da China são incluídos no cálculo, disseram os pesquisadores.
Os dados abrangem investimentos de residentes nos EUA, na zona do euro, no Reino Unido, no Canadá, na Suíça, na Noruega, na Dinamarca e na Suécia. O projeto está atrasado devido ao tempo necessário para a definição dos controladores finais das empresas registradas em paraísos fiscais.
Desde o final de 2020, é quase certo que o valor das participações dos investidores estrangeiros em ações e títulos chineses caiu. Desde então houve não só aumento da regulamentação e de quebras no setor de tecnologia mas também os controles rigorosos na pandemia e uma queda no setor imobiliário, fatores que levaram muitos compradores estrangeiros a vender suas participações.
O valor de todas as participações estrangeiras de ações e títulos do continente chinês caiu quase 20% em relação ao pico do final de 2021, de acordo com os últimos dados do Banco Popular da China.
“Seria correto prever que tenham ocorrido perdas e que as posições tenham encolhido devido aos preços mais baixos das ações de muitas empresas tecnológicas chinesas, como Alibaba e Tencent. Mas, mesmo nestes níveis de avaliação mais baixos, as posições incluindo as afiliadas offshore de empresas chinesas serão mais altas do que as posições que incluem apenas investimentos em companhias residentes na China”, disseram os pesquisadores.
Apesar da volatilidade do mercado, a China continuou a fazer esforços para abrir ainda mais seu mercado de títulos onshore a investidores estrangeiros e aprovou uma nova lei de derivativos que facilita a cobertura de investimentos. “Resta saber se os investidores estrangeiros confiarão nessas políticas”, disseram os pesquisadores.
- Com colaboração de Jin Wu.
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