Multimercados: o que esperar após retorno médio de 17% em 2022

Fundos multimercados tiveram saída líquida recorde de R$ 87,6 bi apesar de retorno superar o de demais classes de ativos no último ano

Segundo a Anbima, patrimônio líquido da indústria cresceu 7%, para R$ 7,4 trilhões ao fim de 2022
05 de Janeiro, 2023 | 07:33 PM

Bloomberg Línea — Os fundos multimercados sofreram resgates recorde em 2022, com saídas líquidas de R$ 87,6 bilhões, rompendo uma sequência de seis anos consecutivos de captação líquida positiva.

O movimento aconteceu em meio à alta dos juros promovida pelo Banco Central de forma a conter o aumento desenfreado dos preços. Isso porque é difícil competir com uma Selic a 13,75% ao ano, em que produtos de renda fixa mais conservadores permitem retornos elevados e baixo risco.

Os resgates vieram independentemente do bom retorno, com os multimercados macro – que têm flexibilidade para exposição a juros, câmbio e bolsa – se destacando dentre as demais classes de ativos, com ganho médio de 17% em 2022.

O retorno chegou a quase 30% na subclasse “long and short neutro”, segundo os dados consolidados pela Anbima, a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais, e divulgados nesta quinta-feira (5).

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Para critério de comparação, fundos de ações livres tiveram perdas de 7%, enquanto os de investimento em ações no exterior caíram 13,9%. Já os fundos de renda fixa simples subiram 11,7%, em média, até dezembro. No período, o CDI, principal benchmark de renda fixa, teve variação de 12,1%, enquanto o Ibovespa subiu 4,7%.

“Esses fundos tiveram uma performance bastante interessante, apesar de no ano terem tido captação líquida negativa. Isso demonstra a aversão ao risco dos investidores nos últimos meses, muito em função de um período pré-eleitoral e, lá fora, de discussões de inflação e guerra”, afirmou Pedro Rudge, vice-presidente da Anbima, em entrevista a jornalistas.

De acordo com a Anbima, a indústria de fundos de investimentos como um todo sofreu uma saída líquida (aportes menos resgates) de R$ 162,9 bilhões em 2022 – a maior desde o início da série histórica, iniciada em 2002. Em 2021, a captação líquida havia sido positiva em R$ 412,5 bilhões.

Rudge destaca a aversão ao risco, com investidores preferindo instrumentos mais conservadores, além do ambiente de inflação mais alta, que resulta em uma menor poupança no fim do mês. Juros mais altos também reduzem a disponibilidade de capital, com a preferência dos consumidores por quitar dívidas.

Já o patrimônio líquido da indústria cresceu 7%, para R$ 7,4 trilhões ao fim de 2022.

Depois dos multimercados, os fundos de ações tiveram o segundo pior resultado do ano, com resgates totalizando R$ 70,5 bilhões. Em 2021, quando a taxa básica começou o ano em 2% (e encerrou em 9,25% a.a.), esses fundos captaram R$ 5,4 bilhões.

Maior concorrência na renda fixa

Apesar de a renda fixa ter ganhado mais destaque na carteira dos investidores diante da Selic nas alturas, a preferência tem recaído sobre títulos privados e públicos em detrimento de fundos de investimento. Isso fez com que os fundos de renda fixa sofressem resgates de quase R$ 50 bilhões em 2022 – a maior queda dentre os demais tipos de fundos quando comparado a 2021.

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No ano anterior, a captação havia sido positiva em R$ 232,7 bilhões.

Além de uma forte saída de recursos desses fundos no mês de dezembro (resgates de R$ 123,3 bilhões), Rudge chama a atenção para o aumento no estoque de títulos públicos e privados, que têm pago taxas atrativas e contam, em grande maioria, com o benefício fiscal, competindo com os fundos de investimento.

“Nosso entendimento é que parte desse dinheiro que está saindo dos fundos [de renda fixa] está indo para os títulos de renda fixa isentos de IR. Dada a magnitude da taxa de juros, esses títulos ganham uma atratividade muito grande – e quando você tem a possibilidade de isenção do imposto sobre o ganho de capital, eles ficam ainda mais atrativos”, disse o executivo.

O que esperar para 2023?

Em um ano que já começa volátil, com troca de governo e temores sobre o fiscal no âmbito doméstico, além de preocupações sobre inflação, crescimento e juros, a volatilidade deve continuar afastando investidores de ativos de risco.

Para Rudge, ter uma maior previsibilidade em relação à possibilidade de corte de juros é fundamental para permitir uma maior clareza sobre o rumo da indústria de fundos. “Há poucos meses, o principal indicador era o arrefecimento da inflação, mas agora entrou em cena o componente de incerteza política e fiscal, fazendo com que o mercado e os investidores precifiquem um cenário de aumento dos juros”, disse.

“Para que esse movimento de saída de recursos de fundos vire e comece a ter fluxo positivo, precisamos antes ter um arrefecimento dos ânimos e melhor previsibilidade do que vai ser a solução ou, pelo menos, o equilíbrio fiscal que o governo vai propor.”

Na avaliação do vice-presidente da Anbima, é importante que o governo sinalize a importância de um equilíbrio das contas para passar a imagem de que é fiscalmente responsável. “Talvez tenhamos, a partir de agora, uma maior clareza sobre o que o governo realmente quer, dado que a transição acabou. Tenho expectativa de um arrefecimento, de uma melhora dessa sinalização.”

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Mariana d'Ávila

Editora assistente na Bloomberg Línea. Jornalista brasileira formada pela Faculdade Cásper Líbero, especializada em investimentos e finanças pessoais e com passagem pela redação do InfoMoney.