Bloomberg — O conselho de administração da Tesla (TSLA) enfrenta uma pressão crescente para provar o quanto está preparado para uma eventual perda de Elon Musk, o errático CEO por trás da alta vertiginosa e da queda dramática das ações da empresa - de 70% desde o pico há pouco mais de um ano.
Karen Róbertsdóttir, uma acionista que é conhecida pelo ativismo societário e fica em Reykjavik, na Islândia, apresentou uma resolução para os investidores da Tesla votarem em maio sobre se o conselho deve preparar e manter atualizado um relatório de risco de pessoas-chave.
No passado, a acionista liderou um movimento de pressão para que a Tesla a interrompesse a compra e a aceitação de bitcoin nas vendas de carro, sob alegação do impacto ambiental decorrente da atividade de mineração do criptoativo. Seria uma contradição para uma empresa que vende justamente um carro que dispensa combustível fóssil e uma redução de risco por causa da volatilidade da moeda digital.
Vários outros acionistas que queriam apresentar propostas para a assembleia – pelo menos uma das quais também era relacionada a Musk – estão frustrados com os planos apresentados em reuniões anuais da Tesla, dizendo que os diretores estão sendo poupados de pressão.
Se a moção de Róbertsdóttir for colocada em votação, isso daria aos investidores uma maneira tangível de forçar a Tesla a ser mais transparente sobre uma preocupação crescente desde Musk adquiriu o Twitter.
Os conselheiros da montadora aprovaram um plano de compensação sem precedentes anos atrás para Musk, o que possibilitou ao CEO aceitar o acordo de US$ 44 bilhões para comprar o Twitter no momento em que as ações da rede social e da montadora estavam começando a despencar.
A pressão do Twitter sobre as finanças pessoais de Musk – ele recentemente se tornou a primeira pessoa a perder US$ 200 bilhões em patrimônio líquido em um ano – e sua venda de quase US$ 40 bilhões em ações da Tesla em meio a meses de tuítes impulsivos prejudicaram vários investidores proeminentes da fabricante de carros elétricos.
Acusações de omissão
Um dos acionistas acusou o conselho de oito membros de omissão em meio à queda de cerca de 70% das ações desde novembro de 2021, enquanto outro teve um debate com Musk por causa da compra do Twitter.
Os representantes de relações com investidores da Tesla e o presidente do conselho, Robyn Denholm, não responderam a vários pedidos de comentários. A fabricante de carros elétricos desfez sua equipe de comunicação em 2019.
As ações da Tesla caíam 2,58% por volta das 16h30 (horário de Brasília), nesta quinta-feira (5). Os papéis perderam mais de 70% do valor desde que Musk divulgou, no início de abril, que havia adquirido uma participação inicial no Twitter.
Róbertsdóttir compartilhou uma cópia da proposta que ela apresentou à Tesla por meio da Sumtris ehf, a empresa islandesa de responsabilidade limitada que ela lidera como CEO. Ela convocou a montadora, que tem apenas três executivos nomeados e nenhum COO, para documentar processos e procedimentos para sucessão de pessoas-chave e mitigar o impacto financeiro que sua perda teria.
“A Tesla é frequentemente citada como um exemplo de uma empresa que tem o chamado risco de pessoa-chave, devido à proeminência de seu CEO e à falta de um plano ou estratégia de sucessão pública claros para amenizar os impactos de sua perda”, ela escreveu. “Atualmente, os acionistas da Tesla podem ter pouca confiança de que esse risco tenha sido amenizado.”
Ação na Justiça
É possível que, na época em que a Tesla realizará sua reunião anual, os investidores descubram por meio de um juiz de Delaware se a decisão do conselho de conceder um pacote de remuneração executiva potencialmente no valor de US$ 55 bilhões a Musk foi marcada por conflitos de interesse e divulgações impróprias.
Diretores, incluindo Denholm e James Murdoch, foram pressionados durante o julgamento sobre a questão em novembro a responder se o pagamento era excessivo para um CEO de meio período, que agora dirige outras quatro empresas. James Murdoch, o filho do barão da mídia Rupert Murdoch, disse que Musk identificou um possível sucessor nos últimos meses, embora não tenha dito quem era.
Não está claro se uma resolução dos acionistas sobre a remuneração entrará na agenda da reunião anual da Tesla em 16 de maio. A empresa anunciou o calendário do evento na página 57 do relatório trimestral (10-Q) de 60 páginas em outubro e estabeleceu um prazo até 22 de dezembro para a apresentação de resoluções por parte de seus acionistas.
Pode haver poucas outras propostas de acionistas neste ano, depois que os investidores votaram em oito em 2022.
A Tulipshare, uma plataforma de investimento com sede no Reino Unido para investidores de varejo, planejou entrar com uma medida de pagamento para que a remuneração de Musk seja vinculada a métricas ambientais, sociais e de governança (ESG), mas estava entre vários acionistas que perderam a divulgação do prazo limite da Tesla 10 semanas atrás.
“Como o novo proprietário de uma das maiores redes de mídia social do mundo, Musk não tem absolutamente nenhuma desculpa para essa mudança”, disse Antoine Argouges, fundador e CEO da Tulipshare. “Em vez disso, a Tesla optou por fazer o mínimo necessário.”
A Tesla costuma usar outros meios além de apenas registros regulatórios para fazer anúncios sobre eventos, incluindo reuniões anuais.
Nesta semana, emitiu um documento 8-K - o equivalente a um fato relevante no mercado brasileiro -, um press release e um tuíte sobre os planos para um Investor Day em 1º de março. Em um tuíte de sua conta verificada em março do ano passado, a empresa disse que pediria aos investidores que autorizassem um segundo desdobramento de ações em dois anos, e então seguiu a postagem com um 8-K.
‘Informação escondida’
Meredith Benton, fundadora de uma empresa de consultoria focada em ESG que está envolvida no ativismo de acionistas há 20 anos, disse que nunca viu uma empresa anunciar uma data de reunião anual como a Tesla fez.
“Não conheço ninguém que tenha apenas arquivado”, disse o fundador da Whistle Stop Capital, referindo-se à forma como a Tesla informou o prazo para a apresentação da propostas dos acionistas.
“A equipe de relações com investidores da Tesla sabe muito bem quais investidores têm preocupações com a empresa e poderia ter informado as pessoas como cortesia. Um comunicado de imprensa 8-K teria sido mais apropriado.”
Vários especialistas em governança corporativa disseram que a Tesla fez o que a SEC (Securities and Exchange Commission), o equivalente da comissão de valores mobiliários dos EUA, exige legalmente ao divulgar a data de sua reunião anual em seu 10-Q.
“Não tenho muita simpatia pelas reclamações dos ativistas”, disse Jill Fisch, professora da Universidade da Pensilvânia que dá aulas de direito corporativo. “Se a mudança na reunião anual aconteceu na divulgação de valores mobiliários, a Tesla cumpriu suas obrigações.”
Outros foram mais receptivos às queixas dos acionistas.
“É o tipo de coisa que um conselho que sabe que estará sob pressão dos acionistas tenta fazer para evitar perguntas incômodas”, disse Brian Quinn, professor de direito corporativo da Boston College Law School.
“É uma estratégia de curto prazo, mas não impedirá os acionistas insatisfeitos quando os ativistas inevitavelmente vierem convocar o conselho da Tesla. Suspeito que esse dia não esteja longe.”
James McRitchie, de Elk Grove, Califórnia, é dono de um Tesla Model S e é acionista desde 2012. Ele apresentou sete propostas ao longo dos anos, inclusive para a montadora alterar o seu conselho e adotar um padrão de votação de maioria simples. Para este ano, ele planejava entrar com uma resolução para divulgação de gastos políticos, mas perdeu o prazo de entrega.
A Tesla divulgou as datas de prazo de reunião e o arquivamento em uma seção do 10-Q sob o título “outras informações”, observou McRitchie. “Quanto mais enterrado você consegue que isso?”
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