Eurasia: Lula terá espaço de manobra limitado no primeiro ano do mandato

Endividamento alto e baixo crescimento global limitam as ações do novo governo, embora haja oportunidades, aponta consultoria em análise sobre riscos globais

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Bloomberg Línea — O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terá “espaço de manobra” limitado no primeiro ano de seu terceiro mandato. É o que avalia a consultoria de risco político Eurasia, em relatório enviado a clientes e divulgado nesta terça-feira (3).

Para a consultoria, o presidente acaba de herdar um país mais endividado do que em seus dois primeiros mandatos (2003-2010), uma população mais velha e um eleitorado mais polarizado politicamente e mais impaciente, o que limita o espaço para erros na condução da economia.

“Lula tem espaço limitado de manobra, especialmente à medida que busca aumentar os gastos públicos em seu governo”, diz a consultoria especializada em riscos geopolíticos.

Segundo a Eurasia, Lula enfrentará um “trilema” ao longo deste ano: aumentar os gastos para investimento público sem elevar a carga tributária nem prejudicar a atividade econômica.

Em seu discurso ao Congresso no domingo (1º), Lula deixou claro que pretende retomar o papel do Estado como indutor da economia.

Disse que, no primeiro dia útil de governo, editaria medidas “para resgatar o papel das instituições do Estado, bancos públicos e empresas estatais no desenvolvimento do país” e para “planejar os investimentos públicos e privados na direção de um crescimento econômico sustentável, ambientalmente e socialmente”.

Para a Eurasia, isso significa que Lula pretende estimular o crescimento econômico com o investimento público em infraestrutura e energia, “não para expulsar o setor privado mas para buscar um equilíbrio melhor entre o Estado e o mercado após quatro anos de forte redução do investimento público no governo Bolsonaro”.

“A única maneira de manter esse difícil equilíbrio é por meio do crescimento econômico, o que sugere que Lula precisa de um cenário global favorável”, aponta o relatório.

Oportunidades

Apesar das dificuldades domésticas enfrentadas pelo novo governo, a consultoria avalia que o Brasil “não é o foco de nenhum dos principais riscos globais, mas é fortemente afetado por vários deles”.

O principal problema a ser enfrentado pelo novo governo será o choque inflacionário mundial. A Eurasia também aponta a continuidade da guerra na Ucrânia e a “instabilidade na elaboração de políticas” da China como grandes fatores de risco para o Brasil.

Ao mesmo tempo, a consultoria afirma que “o Brasil pode estar mais bem posicionado do que muitas economias emergentes para se aproveitar das oportunidades pelas tendências geopolíticas de 2023″.

A Eurasia aponta que os preços da energia e de produtos agrícolas devem subir destaca que o Brasil é produtor de ambos (veja mais abaixo). O país ainda deve se beneficiar das tendências de nearshoring (a preferência por relações comerciais com países mais próximos) e de friendshoring (o comércio com países aliados ou com relações amigáveis).

Inflação

O principal risco político apontado pela consultoria é o das ondas de choque inflacionário. O relatório aponta que o Banco Central brasileiro foi rápido na reação à “alta repentina” dos preços de combustíveis e alimentos do ano passado, elevando os juros para o patamar de dois dígitos. Isso indica que o Brasil também deve conseguir reduzir as taxas de juros mais rapidamente do que outros países.

No entanto, segue o relatório da Eurasia, como os bancos centrais das economias mais industrializadas “responderam tarde ao desafio inflacionário”, as condições financeiras globais continuarão apertadas.

“Isso não é bom sinal para economias emergentes mais endividadas como o Brasil. Nesse contexto, o custo da irresponsabilidade fiscal vai ser alto”, aponta a consultoria.

Rússia x Ucrânia

A Eurasia escolheu o comportamento do governo russo diante da continuidade da guerra com a Ucrânia como o principal risco a ser enfrentado pelo mundo em 2023. A consultoria avalia que, enquanto em 2022, a Rússia teve “o cuidado” de manter o conflito restrito às fronteiras dos dois países, em 2023, “Putin não tem condições de ser tão cuidadoso”.

Quase um ano depois de invadir a Ucrânia, a Rússia “não tem mais boas opções militares para ganhar a guerra”, segundo a consultoria. “Uma Rússia humilhada vai sair do papel de ator global para se transformar no Estado delinquente mais perigoso do mundo”, diz a Eurasia.

No Brasil, isso acontece “num momento muito sensível”, segundo a consultoria. É um momento “em que a nova administração vai estar focada em desenhar uma nova âncora fiscal e em consolidar uma nova estratégia para a Petrobras”.

De acordo com o relatório, o agravamento da guerra pode significar novo aumento dos preços dos combustíveis e pressionar o novo governo por novas desonerações fiscais, com impacto negativo sobre os cofres da União. Também pode levar a pressões por uma intervenção política “mais agressiva” na Petrobras.

China: risco e oportunidade

A Eurasia avalia que o atual momento político da China, com o relaxamento das políticas de “Covid zero”, pode ser bom para o Brasil no curto prazo. Mas há “riscos estruturais substanciais” na centralização política promovida por Xi Jinping no último encontro do Comitê Central do Partido Comunista Chinês, ocorrido em 2022.

No relatório principal divulgado nesta terça, em que descreve os riscos globais, a consultoria afirma que “Xi está praticamente sem restrições quanto à sua habilidade de impor sua agenda estatista e nacionalista”. O que também o deixa livre para “cometer grandes erros”.

Alguns deles já aconteceram, segundo a consultoria. Um foi a “armadilha” das novas políticas de combate ao coronavírus - buscar uma taxa zero de contaminações enquanto proibia o uso de vacinas fabricadas fora da China. Outro foi o anúncio de uma “amizade sem limites” com a Rússia, dando credibilidade à invasão da Ucrânia.

Para o Brasil, o maior benefício é que a postura de Xi aprofunda as tendências de friendshoring e nearshoring. A Eurasia observa que o setor privado vem buscando diversificar suas cadeias de produção diante do “cenário geopolítico mais desafiador”, o que as têm feito olhar para a América Latina.

“Além das vantagens do Brasil em energia, fatores como escala territorial, posição geográfica e afinidade cultural podem tornar o país um destino atrativo para esses investimentos”, diz o relatório. O texto observa, no entanto, que “muito vai depender da orientação política do governo Lula”.

Já o risco chinês está no fato de a China ser o maior parceiro comercial do Brasil. Qualquer movimento, portanto, pode ter influência direta na balança comercial brasileira.

“A disfunção do sistema chinês, aliada ao envelhecimento da população, acabará por afetar seu potencial de crescimento econômico e, consequentemente, seu apetite por matérias-primas fornecidas por países como o Brasil”, diz a Eurasia, no anexo sobre o Brasil.

Oportunidades da crise

Mas a Eurasia observa que fatores apontados como riscos para a economia global podem ser oportunidades para o Brasil. A principal delas é o mercado de energia.

A consultoria observa que a recuperação rápida da China e uma possível recessão mais branda do que o esperado nos Estados Unidos vão aumentar a demanda por petróleo, o que deve resultar em alta nos preços do barril por falta de oferta.

O mesmo desequilíbrio entre oferta e demanda deve acontecer com o gás, já que a Europa precisa reconstruir seu estoque de GNL sem a Rússia - que oferece um produto mais barato.

Para o Brasil, o cenário pode ser benéfico, observa a Eurasia. Segundo o relatório, embora sofra com a alta de preços dos combustíveis, o país é exportador de petróleo cru. Além disso, cresce a demanda mundial por energia limpa, também produzida pelo país.

“Essa capacidade pode ser atraente para indústrias intensivas em energia, especialmente as da Europa, que procuram realocar a produção. Preços globais de energia mais altos também aumentarão o custo de fertilizantes e, portanto, produtos agrícolas. Considerando que o Brasil é um grande exportador de produtos agrícolas, também tem a ganhar com os preços mais altos desses bens”, conclui a consultoria.

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