O que o pedido de IPO desta startup de delivery diz sobre o futuro do negócio

Entregas rápidas são um dos serviços mais demandados da nova economia, mas enfrenta ainda o desafio de se tornar rentável e parar de queimar caixa das empresas

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Bloomberg Línea — Nos dois primeiros anos da pandemia, negócios de delivery rápido cresceram e receberam dinheiro de investidores em ritmo sem precedentes, mas o setor agora vive outro momento. Com um negócio que queima muito caixa e em uma situação adversa em que o capital fica escasso e mais caro, startups do business de entregas passaram a ter que conviver com o fim do “almoço grátis”.

Pressionadas, startups cortaram custos e tiveram seus valuations impactados. O exemplo mais recente é a Instacart, startup americana de entrega de supermercado, que reduziu seu valuation interno em 20%, para cerca de US$ 10 bilhões, segundo duas pessoas familiarizadas com o assunto disseram ao The Information. Ainda assim, banqueiros trabalham para um IPO neste ano.

Teria sido a segunda vez no ano que a Instacart reduziu seu valuation, agora quase 75% menor do que a avaliação de US$ 39 bilhões do começo de 2021. Ainda segundo o The Information, o novo valuation do Instacart pode dar uma direção do que a empresa pode captar quando fizer sua estreia na bolsa.

Nos Estados Unidos, a DoorDash (DASH), que também é uma empresa de delivery rápido e é listada na NYSE, viu suas ações caírem em cerca de dois desde o começo do ano passado.

O corte do valuation da Instacart acontece em um momento em que a Merqueo, empresa colombiana do mesmo setor, pediu registro de IPO na Nasdaq - última na terça-feira (27). Até o momento, a Merqueo não informou quanto pretende levantar na sua oferta pública inicial nem a faixa de preço pretendida para a ação.

O IPO, movimento que praticamente secou nos Estados Unidos em 2022, é um dos principais meios para capitalização de startups, mas só se aplica para aquelas já em estágio avançado, com modelo de negócios validado e a caminho da rentabilidade, ainda mais nos tempos atuais.

A Merqueo é uma startup que já teve sua rodada Série C e que já captou cerca de US$ 80 milhões. Com operações também no Brasil, compete com gigantes do delivery latino-americano como o iFood - avaliado em US$ 5,4 bilhões depois da compra do controle total pela Prosus -, a Rappi (com última avaliação de US$ 5,25 bilhões) e entrantes como a mexicana Justo e a Jokr.

A Jokr, que tem sede em Nova York e começou a operar no México, opera no Brasil com a Daki, que, segundo pessoas familiarizadas com o assunto, recentemente recebeu uma nova rodada de investimento com valuation maior. A empresa tem o status de unicórnio, ou seja, tem avaliação de US$ 1 bilhão ou mais, desde 2021.

A Merqueo, que havia anunciado uma expansão dos negócios para o México, disse em junho passado que estava deixando as operações no país.

Em 2022, a startup recebeu US$ 22 milhões do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Um ano antes, recebeu US$ 50 milhões em uma rodada Série C liderada por IDC Ventures, Digital Bridge e IDB Invest, com participação do MGM Innova Group, Celtic House Venture Partners e Palm Drive Capital.

No documento à SEC, o equivalente à comissão de valores mobiliários do mercado americano, a Merqueo se apresentou como uma “empresa emergente em crescimento”.

“Investir em nossos títulos [mobiliários] envolve um alto grau de risco”, disse no documento.

O que esperar do IPO da Merqueo

Atualmente, o CEO da Merqueo é Felipe Ossa, ex-diretor administrativo da Domicilios.com, que foi adquirida pelo iFood e pela Delivery Hero.

Ossa era COO (executivo-chefe de operações) e há cinco meses substituiu Miguel McAllister, que cofundou a Merqueo com José Calderón (da RobinFood) em 2016, no cargo de diretor executivo da empresa.

O brasileiro Saulo Brazil, que era diretor das operações no Brasil na Merqueo, subiu à posição que era de Ossa. Brazil foi cofundador e CEO do Delivery Center, empresa que atuou no serviço de entregas de lojas de shopping centers no mercado brasileiro, fruto de investimentos da Multiplan (MULT3) e da brMalls (BRML3), dois dos maiores grupos de administração de shoppings do país.

No Brasil, a Merqueo começou a operar em julho de 2021 e tinha o plano de dobrar o tamanho até o fim de 2022, ampliando o número das chamadas dark stores (pontos que servem apenas para despacho das entregas, sem atendimento ao público) em São Paulo para entregas em até 60 minutos.

Modelo de negócios se sustenta?

No Brasil, o Magazine Luiza (MGLU3) também lançou serviços de entrega dentro de uma hora por meio do Magalu Entregas em 2021, enquanto a Americanas (AMER3) oferece o Americanas Entrega no mesmo modelo. O Rappi oferece o Rappi Turbo e o iFood aposta no Entrega Express.

Em relatório em janeiro de 2022 sobre modelos de e-commerce baseados em entrega ultrarrápida, analistas do Goldman Sachs disseram reconhecer a conveniência para consumidores urbanos, mas afirmaram acreditar que o preço associado (as taxas de entrega variavam entre R$ 5 a R$ 20) limitavam o mercado endereçável, especialmente no ambiente macro corrente.

Em entrevista à Bloomberg Línea, Luiz Alberto Marinho, especialista em varejo e marketplace e diretor da consultoria Gouvêa Malls, disse acreditar na importância desse serviço de delivery, embora perceba que ainda haja muito o que avançar em e-commerce de alimentos no país.

“Há uma série de questões com o hábito do brasileiro, enquanto nos EUA isso cresceu mais rápido. Para que esses mercados possam crescer nesse segmento da venda digital de alimentos é preciso ter uma logística muito afinada. E esse é um negócio em que você precisa de escala, de capilaridade, para poder diluir custos e fazer com que esse negócio possa funcionar”, disse.

Segundo Marinho, muitas dessas empresas de entregas operam “no vermelho”. Mesmo o iFood no Brasil ainda não é rentável com as entregas de supermercado, conforme a Prosus divulgou em último relatório sobre a plataforma.

“É necessário uma base de clientes grande para depois começar a vender mais coisas para essas pessoas. Se você já tem uma base grande de clientes, você acaba atraindo essas pessoas para sua plataforma”, afirmou Marinho.

Ele acredita que com o IPO nos EUA, a Merqueo busca se capitalizar para fazer os investimentos necessários. “Esse é um mercado que para ser um player relevante, precisa de investimento. É claro que esse dinheiro tem algum risco porque está entrando em um mercado muito desafiador, mas não tem jeito, é o tudo ou nada”.

IPOs como meio de capitalização

O executivo da consultoria disse acreditar que tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil os IPOs serão uma forma fundamental para buscar recursos e viabilizar as operações.

“O mercado de IPO vai voltar. No Brasil, sabemos que há várias empresas que recuaram por causa do momento de incerteza do pós-pandemia e de indefinições econômicas e políticas.″

O mercado colombiano, país de origem da Rappi, tem uma cultura relevante no delivery, segundo Marinho, e o valuation a ser obtido obtido no IPO da Merqueo será uma sinalização do quanto o mercado ainda aposta no segmento, E do quanto conquistará de confiança dos investidores.

“Em termos de mercado, não acho que haja muita dúvida de que esse é bastante promissor. A dúvida é quanto o operador vai saber carregar”, disse.

Guilherme Zanin, analista da Avenue, corretora voltada para brasileiros com sede nos EUA, afirmou que empresas no mercado americano e brasileiro não têm realizado IPOs devido ao momento econômico com elevação da taxa de juros para combater a inflação.

“É natural que os agentes econômicos façam escolhas entre ativos com potenciais retornos e aloquem seus recursos em renda fixa”, disse. “Dito isso, esse momento econômico mais conturbado tende a trazer menos IPOs e é mais raro ver empresas buscando capital.”

Zanin disse que, quando uma empresa faz um IPO, busca um valuation elevado, com um preço acima da média, para que investidores comprem o negócio acreditando que possa crescer mais e que a empresa consiga levantar mais recursos para poder investir nos negócios.

“Quando o momento está mais complicado, a empresa consegue levantar menos recursos, pois tem dificuldade para encontrar compradores e naturalmente acaba com valuation depreciado.”

Ao ingressar em bolsa americana, a Merqueo terá uma competição por investidores em um mercado em que já existe o Uber Eats e, segundo se espera, em breve a Instacart.

Ou seja, a Merqueo vai tentar angariar recursos de investidores que talvez não estejam tão dispostos a tomar risco.

“Na nossa visão provavelmente será um valuation bem depreciado porque o momento não está propício para uma empresa de um mercado emergente que é mais suscetível à crise”, disse.

Miguel Armaza, cofundador e sócio-gerente da Gilgamesh Ventures, disse à Bloomberg Línea que não acredita que o pedido da Merqueo, mesmo se concretizado, marque o início de uma onda de IPOs para startups de delivery ou de qualquer outra categoria. “Acho que vai demorar um pouco mais até começarmos a ver empresas maiores abrindo o capital com frequência”, disse.

A Merqueo está atualmente em período de silêncio e não pode atender a imprensa.

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