Do home office ao delivery: que mudanças da pandemia vieram para ficar?

Praticamente três anos após a covid-19 apavorar o mundo, estamos começando a ver que muitas das mudanças causadas pela pandemia serão permanentes

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Bloomberg Opinion — Alguns eventos mudam o curso da história, ou pelo menos a trajetória da economia global. Por exemplo, a Peste Negra, a invenção da máquina a vapor e a Segunda Guerra Mundial, e agora a covid-19. Há quase três anos, a Organização Mundial da Saúde declarou uma pandemia global que mudou o mundo como nós o conhecíamos.

Não se pode interromper a atividade econômica e social por mais de um ano e voltar ao normal. É difícil saber no momento, ou mesmo uma década depois, o que vai mudar para sempre. Em 2020, as pessoas pensavam que nunca mais poderiam ir ao escritório, sair de casa sem uma máscara ou jantar em um restaurante. Agora muitos de nossos comportamentos pré-pandemia voltaram, mas também estamos começando a ver o que dificilmente vai voltar a ser como era.

Mudanças que provavelmente não vão durar

Alguns de nossos hábitos ainda são diferentes de antes da pandemia, mas podem eventualmente reverter. Por exemplo, americanos e britânicos estão comendo menos em restaurantes do que em 2019. Pode ser que eles ainda temam a covid, ou a inflação encareceu o hábito, ou talvez as pessoas acabaram redescobrindo o prazer de cozinhar em casa. Mas o hábito de comer fora, que estava aumentando nos últimos anos, deve voltar. As pessoas gostam demais e não devem parar tão cedo.

Nosso modo de trabalho ainda está bastante diferente. Os americanos nunca tiveram tanto poder no mercado de trabalho. Entre os movimentos de demissão voluntária em massa e fazer o mínimo no trabalho - o famoso quiet quitting - e uma contínua escassez de mão-de-obra, os trabalhadores estão exigindo mais, inclusive mais flexibilidade sobre trabalho presencial.

Tirar tantas pessoas do escritório para suas casas durante a pandemia realmente mudou o trabalho. Antes da covid, cerca de 5% dos dias de trabalho ocorriam em casa; durante a pandemia, esse percentual chegou a 60%. E agora está em cerca de 30%.

No segundo semestre de 2022, cerca de 29,2% de todos os funcionários em período integral trabalhavam em casa parte do tempo, e 13,3% faziam trabalho totalmente remoto.

Neste momento, essa parece ser uma mudança permanente. Talvez até tão monumental como quando os trabalhadores saíram do ambiente rural e foram para as fábricas – uma mudança com grande impacto em nossa sociedade, cultura e economia. Portanto, de certa forma, parece natural que estejamos levando o trabalho de volta para casa.

Mas muitos chefes não gostam da ideia. Eles construíram a cultura da empresa e regimes de treinamento que dependem da interação pessoal. Suas preferências estão indo contra os trabalhadores que estão valorizando e exigindo cada vez mais a flexibilidade. E essa tensão é o motivo pelo qual o trabalho remoto pode não continuar quando o mercado de trabalho se retrair nos próximos anos e os trabalhadores tiverem menos poder.

No longo prazo, à medida que a tecnologia começar a fazer mais de nossos trabalhos – mesmo os administrativos –, o trabalho presencial será ainda mais valorizado. Se você pode fazer seu trabalho em casa, não só alguém provavelmente pode fazê-lo em outro país por menos dinheiro como também é provável que um computador consiga fazê-lo em breve.

Aparecer no escritório e contribuir de outras maneiras, como orientar funcionários menos experientes, será ainda mais importante. O resultado aumentará a pressão para estar no escritório, e quanto mais vezes você aparecer, melhor.

Uma mudança que pode ser permanente é que seu chefe terá mais tolerância com pessoas que trabalham de casa quando precisarem – para acompanhar um encanador, por exemplo, ou quando precisarem estar em casa para cuidar de um filho doente.

Mudanças que vão continuar por muito tempo

Mas há outras mudanças. Nós compramos muito mais on-line. O comércio eletrônico aumentou por anos, mas antes da pandemia representava apenas 11,9% do total de vendas. Esse percentual saltou para 16,4% em 2020 e só caiu para 14,8% desde então. Muitas pessoas se acostumaram com a conveniência das compras online, devido à disponibilidade de mais produtos.

Mesmo com o aumento das taxas de frete, esse hábito provavelmente veio para ficar, o que um dia significará que não haverá mais farmácias em cada esquina e menos lojas físicas.

Outra grande mudança é a inflação. A pandemia despertou a inflação e será muito difícil se livrar dela. A taxa de inflação está começando a cair e, neste ano, provavelmente cairá ainda mais. Mas há uma boa chance de que a inflação controlada não volte por muito tempo.

As pessoas estão agora se acostumando a uma inflação mais alta, o que significa que elas começaram a incluí-la em seu comportamento e expectativas. No longo prazo, a população mundial está envelhecendo e os países estão menos abertos ao comércio, e ambas as tendências pressionarão pelo aumento da inflação.

Mais inflação e menos comércio após a pandemia também significam taxas de juros mais altas. Nos EUA, o Federal Reserve não controla as taxas de juros; as taxas de longo prazo são estabelecidas no mercado global. Um recuo na globalização significaria que os estrangeiros comprariam menos títulos americanos para administrar suas moedas, reduzindo a demanda e aumentando as taxas.

E um período de inflação mais alta com mais incerteza em torno do futuro também aumentará as taxas, porque os investidores de renda fixa precisam ser compensados pela inflação e pelo risco de inflação. Tudo isso significa taxas mais altas.

Muitos efeitos da pandemia ainda não foram observados, incluindo o quanto os salários e a igualdade serão prejudicados por privar tantas crianças de uma escolaridade adequada por tanto tempo. Evidências do passado sugerem que isso pode significar salários mais baixos até a idade adulta, especialmente para as crianças mais pobres.

Uma outra grande mudança é a consciência do risco. Os americanos passaram os últimos 40 anos sendo felizes sem levá-lo em conta. As pandemias eram algo da época medieval, a política monetária poderia engendrar uma inflação baixa e estável com as taxas de juros, e mesmo que o mercado acionário caísse, sempre se recuperaria em um ou dois anos.

Qualquer coisa que quiséssemos comprar estava sempre disponível nas lojas. Agora enfrentamos um futuro diferente: um futuro em que entendemos que o risco está sempre presente em nossas vidas e que a economia está em constante mudança e não oferece garantias.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Allison Schrager é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre economia. É pesquisadora sênior do Manhattan Institute e autora de “An Economist Walks Into a Brothel: And Other Unexpected Places to Understand Risk”.

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