5 pontos-chave do discurso de Lula que devem dar o tom do terceiro mandato

Presidente disse que Estado voltará a ter protagonismo na economia, defende reindustrialização e aumento de relevância na comunidade internacional

'O mundo espera que o Brasil volte a ser um líder no enfrentamento à crise climática'
01 de Janeiro, 2023 | 09:35 PM

Bloomberg Línea — Em seus primeiros discursos depois de tomar posse neste domingo (1º de janeiro), o primeiro direcionado ao Congresso, e o segundo, ao público presente na cerimônia externa, o agora presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse quais serão as prioridades de seu governo e quais propostas deve apresentar aos parlamentares no primeiro momento da gestão.

Lula deu ênfase à reconstrução da democracia, ao combate à fome, à volta do papel do Estado como indutor de crescimento e à defesa do meio ambiente.

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Veja abaixo os principais pontos:

1. Teto de gastos

Lula não falou muito sobre o teto de gastos, mas foi direto: chamou a âncora fiscal de “estupidez” e disse que ela será revogada em seu governo. No momento da fala no discurso ao Congresso, ele reclamava da falta de investimento público no SUS, quando ele disse: “O SUS é provavelmente a mais democrática das instituições criadas pela Constituição de 1988. Certamente por isso foi a mais perseguida desde então, e foi, também, a mais prejudicada por uma estupidez chamada teto de gastos, que haveremos de revogar”.

O teto foi criado em 2017, por meio de uma Emenda à Constituição, para proibir o aumento de gastos públicos acima da inflação por 20 anos. Só que o teto foi desrespeitado pelo governo de Jair Bolsonaro (PL). Segundo contas do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Ibre), o governo Bolsonaro estourou o teto em R$ 795 bilhões em seus quatro anos.

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O governo Lula ainda não disse que regime pretende propor para substituir o teto. Mas a PEC da Transição, promulgada em dezembro de 2022 para abrir espaço no Orçamento para reajustar o salário mínimo e pagar o Bolsa Família de R$ 600 em 2023, diz que o governo tem até setembro para propor um novo regime fiscal.

2. Reindustrialização

“O Brasil é grande demais para renunciar a seu potencial produtivo. Não faz sentido importar combustíveis, fertilizantes, plataformas de petróleo, microprocessadores, aeronaves e satélites. Temos capacidade técnica, capital e mercado em grau suficiente para retomar a industrialização e a oferta de serviços em nível competitivo. O Brasil pode e deve figurar na primeira linha da economia global”, disse o presidente.

Com a fala, Lula diz ao Congresso que pretende adotar medidas para reverter o já conhecido processo de desindustrialização por que passa o Brasil. Segundo a Pesquisa Industrial Anual Empresa (PIA), do IBGE, entre 2010 e 2020, 9.579 indústrias fecharam, o que significa um milhão de postos de trabalho a menos.

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Já a Confederação Nacional da Indústria (CNI) aponta que em 1985 a indústria de transformação representava 36% do PIB brasileiro. Em 2021, o setor representou 11% do PIB. Em 1995, a produção industrial brasileira era o equivalente a 2,77% da produção mundial, enquanto em 2021 passou a ser 1,28%.

Em sua fala ao Congresso neste domingo, Lula reforçou que seu governo assumirá a frente da tarefa de reindustrializar o país: “Caberá ao estado articular a transição digital e trazer a indústria brasileira para o século 21, com uma política industrial que apoie a inovação, estimule a cooperação público-privada, fortaleça a ciência e a tecnologia e garanta acesso a financiamentos com custos adequados”.

3. Combate à fome

Lula iniciou sua fala ao Congresso lembrando que, 20 anos atrás, quando tomou posse como presidente pela primeira vez, pretendia concretizar preceitos constitucionais, “a começar pelo direito à vida digna, sem fome, com acesso ao emprego, saúde e educação”. “Ter de repetir este compromisso no dia de hoje – diante do avanço da miséria e do regresso da fome, que havíamos superado – é o mais grave sintoma da devastação que se impôs ao país nos anos recentes.”

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Com isso, Lula se refere ao Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19 no Brasil, estudo divulgado em julho de 2022 pela Rede Penssan.

Segundo o levantamento, 33 milhões de pessoas estão em situação de insegurança alimentar grave. Considerando todas as pessoas que estão em alguma situação de insegurança alimentar, esse número sobe para 125,2 milhões de pessoas - ou 58% de toda a população brasileira.

O Brasil havia saído do Mapa da Fome, elaborado pela ONU, em 2014, mas voltou ao ranking com a pandemia de covid-19, que se iniciou em março de 2020.

Em seu discurso, Lula disse que trabalhará para resolver o problema por meio de programas sociais. O primeiro passo, disse ele, foi a promulgação da PEC da Transição pelo Congresso, que abriu espaço no Orçamento para o pagamento do Bolsa Família de R$ 600, além de R$ 150 a mais por filho.

“Nenhuma nação se ergueu nem poderá se erguer sobre a miséria de seu povo”, disse o presidente.

4. Aquecimento global

Lula também voltou a falar sobre a ideia de dar protagonismo ao Brasil no plano internacional por meio de políticas de combate à crise climática e de proteção ao meio ambiente.

“O mundo espera que o Brasil volte a ser um líder no enfrentamento à crise climática e um exemplo de país social e ambientalmente responsável, capaz de promover o crescimento econômico com distribuição de renda, combater a fome e a pobreza, dentro do processo democrático”, disse o presidente.

Segundo a ONG Imazon, a área desmatada da Amazônia Legal em 2022 foi a maior em 15 anos, chegando a 10,7 mil quilômetros quadrados de floresta.

A solução apresentada por Lula para resolver esse problema é reaproveitar pastagens degradadas e investir na geração de energia limpa. Com isso, disse ele, não seria necessário aumentar o desmatamento e nem travar a demarcação de terras indígenas, como fez o governo de Jair Bolsonaro (PL).

“Nossa meta é alcançar desmatamento zero na Amazônia e emissão zero de gases do efeito estufa na matriz elétrica, além de estimular o reaproveitamento de pastagens degradadas. O Brasil não precisa desmatar para manter e ampliar sua estratégica fronteira agrícola”. “Não vamos tolerar a violência contra os pequenos, o desmatamento e a degradação do ambiente, que tanto mal já fizeram ao país.”

Lula disse que vê nas demarcações de terras uma saída para conter o desmatamento. Segundo dados da ONG Mapbiomas, entre 1990 e 2020, as terras indígenas perderam apenas 1% de sua área de vegetação nativa, enquanto nas áreas privadas a perda foi de 20,6%. “Cada terra demarcada é uma nova área de proteção ambiental”, resumiu Lula.

5. Papel do Estado na economia

Lula também procurou deixar claro que, durante sua administração, é o Estado quem vai induzir o investimento para retomar o crescimento econômico.

“Os bancos públicos, especialmente o BNDES, e as empresas indutoras do crescimento e inovação, como a Petrobras, terão papel fundamental neste novo ciclo”, disse Lula.

Com isso, o presidente pretende se opor à política econômica de seu antecessor. Entre 2018 e 2020, a participação do BNDES no crédito para empresas caiu de 20,6% do estoque total de crédito para 15,7%. Já o Itaú e o Bradesco, juntos, subiram de 21,6% em 2018 para 22,7% em 2020.

Ao mesmo tempo, o BNDES destinou, em 2021, 26% de seus recursos a produtores rurais e 16% a industriais. Em 2009, o agronegócio recebeu apenas 5% dos recursos, enquanto a indústria ficou com 47%.

Lula quer mudar esse quadro: “Vamos impulsionar as pequenas e médias empresas, potencialmente as maiores geradoras de emprego e renda, o empreendedorismo, o cooperativismo e a economia criativa. A roda da economia vai voltar a girar e o consumo popular terá papel central neste processo”.

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Pedro Canário

Repórter de Política da Bloomberg Línea no Brasil. Jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero em 2009, tem ampla experiência com temas ligados a Direito e Justiça. Foi repórter, editor, correspondente em Brasília e chefe de redação do site Consultor Jurídico (ConJur) e repórter de Supremo Tribunal Federal do site O Antagonista.