Bloomberg Línea — A escolha do senador Jean-Paul Prates para comandar a Petrobras (PETR4, PETR3), em informação que acaba de ser anunciada pelo presidente eleito Lula (PT) na tarde desta sexta-feira (30), não foi exatamente uma surpresa para quem acompanha o mercado de óleo e gás.
Prates estava entre os cotados desde a reta final da campanha eleitoral, em que foi um dos responsáveis pelas propostas do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva para esse setor estratégico.
O político de 54 anos é filiado ao PT (Partido dos Trabalhadores) do Rio Grande do Norte, o estado líder em produção de energia eólica no Brasil e governado pela legenda desde 2019. Advogado, natural do Rio de Janeiro, Prates foi secretário de energia e assuntos internacionais na gestão potiguar. Ele foi o primeiro suplente da senadora Fátima Bezerra, reeleita governadora do estado em outubro.
Desde a vitória de Lula nas urnas em 30 de outubro, as ações da Petrobras passaram a sofrer rebaixamento de recomendação e redução de preço-alvo por parte de corretoras e bancos.
Os relatórios apontam maiores riscos de intervenção do acionista controlador (União) nos planos estratégicos da estatal de capital misto, bem como uma reviravolta nas prioridades para os próximos cinco anos da empresa, que se tornou a maior pagadora de dividendos do país.
Com a previsão de correção de rota nos negócios, as ações preferenciais da Petrobras, as mais negociadas do Ibovespa, despencaram do patamar de R$ 37 para R$ 24 nos últimos dois meses.
No próximo dia 19 de janeiro, a petroleira promete pagar a segunda e última parcela dos R$ 43,7 bilhões em remuneração aos acionistas, apesar das críticas do comando petista ao tamanho dessa distribuição.
No último dia 3 de novembro, a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, questionou, no Twitter, a política de remuneração da estatal aos acionistas, descrita por ela como “uma sangria que retira da empresa sua capacidade de investimento e só enriquece acionistas”.
Os analistas do setor compartilham o consenso de que, sob o terceiro mandato de Lula, a Petrobras deverá reduzir o percentual de distribuição do lucro (payout), a partir do momento em que o novo CEO tomar posse.
É uma data que depende ainda de uma tramitação legal, já que o CEO indicado participou ativamente da campanha eleitoral, e a Lei das Estatais exige uma quarentena para assumir a função. A expectativa dos bancos é que a Petrobras só mude oficialmente de CEO em março.
No último dia 1º de dezembro, a Petrobras divulgou aos analistas a projeção de um investimento total para US$ 78 bilhões em cinco anos, ante US$ 68 bilhões no plano anterior. O plano estratégico, divulgado pela atual administração, esbarra, no entanto, na discordância do governo eleito em relação às prioridades destacadas. Prates terá como uma de suas primeiras missões revisar esse plano.
Preços dos combustíveis
Um dos principais desafios apontados pelos analistas para o futuro CEO da Petrobras é evitar medidas consideradas “populistas” para baixar os preços dos combustíveis, como decretar o fim da paridade dos preços da gasolina e do diesel em relação às cotações do mercado internacional.
O tema é estratégico para o novo governo devido ao seu impacto nos índices de inflação e, consequentemente, nas expectativas do mercado sobre o timing do início do ciclo de cortes dos juros, atualmente em 13,75% ao ano.
O presidente eleito tem repetido que a ordem é aliviar o custo de vida das famílias para incentivar o consumo, impulsionando o PIB brasileiro, em um momento de previsões pessimistas dos analistas de baixo crescimento em 2023 devido ao cenário projetado de recessão global.
A alta forte dos preços dos combustíveis no Brasil em 2022, especialmente no primeiro semestre, refletindo as preocupações com o futuro da demanda em meio à crise energética na Europa com a Guerra da Rússia contra a Ucrânia, foi apontada por analistas políticos como um dos principais focos de desgaste da popularidade da gestão do presidente Jair Bolsonaro.
A desoneração do produto, com prejuízo para o caixa dos estados com a arrecadação do imposto ICMS, foi uma das saídas temporárias aprovadas no Congresso no meio do ano para conter a disparada dos preços nos postos.
Redução do gás é outra prioridade
Baixar o preço do gás de cozinha na Petrobras é listado no meio político de Brasília como uma das primeiras medidas do novo governo. O próximo CEO da estatal terá, no entanto, que enfrentar interesses de um setor com problemas de competição, principalmente no Nordeste, reduto eleitoral do PT.
Em agosto, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) condenou as empresas Nacional Gás Butano Distribuidora, Revendedora de Gás da Paraíba e Frazão Distribuidora de Gás por formação de cartel no mercado de distribuição e revenda de GLP (gás liquefeito de petróleo), utilizado principalmente como gás de cozinha, em estados do Nordeste.
Um dos argumentos usados pelos petistas na defesa de uma redução artificial nos preços do botijão de gás é a relação entre poder aquisitivo do salário mínimo e compra de combustíveis. Segundo o Dieese, o salário mínimo tem capacidade de comprar 180 litros do óleo. Em 2021, era possível adquirir 241 litros; e, em 2020, 305 litros.
Os analistas também esperam uma maior influência das instâncias sindicais no processo de tomada de decisões da Petrobras. Hoje um representante dos servidores tem direito a um assento no conselho de administração da petroleira.
Refinarias e energias renováveis
Outra tarefa na mesa do futuro CEO é suspender o plano de venda de cinco refinarias, uma medida de desinvestimento acertada com o Cade em 2019. O mercado considera o plano favorável, pois os recursos com as vendas têm sido usados para a redução do endividamento da companhia.
O PT é contra as vendas, pois considera o setor estratégico para ser gerido pela iniciativa privada, além de alegar a defesa da soberania para manter as atividades de refino sob o estado.
Projetos de construção de novas refinarias devem ser desengavetados, segundo analistas. Com a Operação Lava Jato, que começou em 2014 a investigar denúncias de corrupção envolvendo diretores da Petrobras com empreiteiras, a estatal suspendeu alguns desses projetos, principalmente no Nordeste (Ceará e Maranhão).
Outro ponto de atenção do mercado para a nova gestão da Petrobras é o foco em fontes de energia limpa, como a solar e eólica. O tema foi um dos principais motes da campanha de Lula, que criticou a política ambiental de Jair Bolsonaro, responsabilizando-a pela fuga de investidores estrangeiros diante do noticiário sobre avanço de desmatamento e queimadas na Amazônia e uso de combustíveis fósseis.
No começo de novembro, um relatório do Banco do Brasil apontava o cenário em que a Petrobras deveria reduzir o volume de pagamento de dividendos para investir mais em fontes renováveis de energia, uma tendência do setor.
O aumento de estímulos fiscais para a produção de energia solar e a instalação de aerogeradores de energia eólica no mar compõem a lista de demandas das empresas do setor. Prates já apresentou um projeto de lei que inclui o hidrogênio como fonte de energia na matriz brasileira e fixa metas para inserção nos gasodutos brasileiros. A “Lei do Hidrogênio” (PL 725/2022) prevê que, até 2032, será adicionado um percentual mínimo de 5% de hidrogênio na rede de gasodutos e 10% até 2050, quando a participação do hidrogênio verde (limpo) deve ser de 80%.
Atualmente, os estados no Nordeste, como Ceará, Pernambuco e Bahia, tentam atrair investimentos de empresas como a australiana Fortescue, a francesa Qair Internacional e a paulista Unigel, de olho no potencial do hidrogênio verde para contribuir no processo de descarbonização da economia, diante dos alertas científicos sobre a piora dos indicadores ambientais. A Petrobras tem um histórico de envolvimento em desastres ambientais e, nas últimas décadas, focou mais no pré-sal do que em energia limpa, área já explorada pelo setor privado e seus pares.
“Dado que grande parte de sua matriz energética é limpa, o Brasil tem grande potencial para produzir e exportar hidrogênio verde, e é possível observar que o governo e as empresas começam a dar atenção a essa fonte de energia no país”, escreveram os analistas Vicente Falanga (Bradesco BBI) e Ricardo França (Ágora Investimentos) em recente relatório sobre a “Lei do Hidrogênio”.
Na avaliação dessa dupla de especialistas, Petrobras, Raízen (RAIZ4), sociedade entre Cosan (CSAN3) e Shell, a colombiana Ecopetrol e a Vibra (VBBR3), ex-BR Distribuidora, são as empresas mais bem posicionadas para se tornarem protagonistas da cadeia de fornecimento de hidrogênio.
Financiamento
O novo CEO vai assumir a Petrobras no momento em que os bancos brasileiros dedicam cada vez mais atenção e recursos ao setor de energia limpa. Em 2022, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) decidiu, por exemplo, financiar os parques eólicos na Bahia. Uma participação do BNDES de R$ 690 milhões foi concedida a quatro sociedades de propósitos específicos controladas pela Casa dos Ventos, que diz ser a detentora do maior portfólio de projetos eólicos e solares do Brasil.
A Dow, gigante norte-americana de produtos químicos, plásticos e agropecuários, tem contrato com a Casa dos Ventos para a aquisição de energia eólica destinada ao abastecimento de parte da demanda da unidade no município mineiro de Santos Dumont. Com prazo de 15 anos, o acordo prevê ainda a possibilidade de a Dow fazer um investimento financeiro em parque eólico.
Outra companhia com interesses nesse segmento é a Vestas, fabricante dinamarquesa de turbinas eólicas onshore e offshore, que também tem acordo com a Casa do Ventos para um projeto eólico no Rio Grande do Norte. A Casa dos Ventos é o maior cliente da Vestas na América Latina.
Além do BNDES, o Santander Brasil (SANB11) é outro banco que mira esse setor. Em julho de 2020, a estratégia de negócios do Santander levou a operação brasileira do banco espanhol a lançar uma linha de crédito para o financiamento de painéis fotovoltaicos.
A transição energética tende a originar mais negócios no Brasil. No Congresso, que empossa novos parlamentares em fevereiro, tramitam diversos projetos de lei prevendo benefícios para a adoção de energia limpa, um dos temas favoritos do futuro ministro de Minas e Energia, o senador Alexandre Silveira, do PSD de Minas Gerais, aliado do colega de partido e presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Silveira tem experiência com o setor de transporte. Foi diretor-geral do DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) e também já exerceu o cargo de delegado de polícia.
Repercussão
Entidades do setor se manifestaram sobre a indicação de Prates para o cargo de CEO. “O indicado possui largo currículo acadêmico e experiência consolidada no setor, aliada à grande capacidade de diálogo amplamente demonstrada no exercício de seu recente mandato como Senador da República representando o Estado do Rio Grande do Norte”, observou nota do IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás), representante da indústria de petróleo e gás.
O IBP se colocou à disposição do indicado para “apoiar as futuras ações da maior empresa brasileira direcionadas ao progresso do setor que há décadas gera riquezas e milhões de postos de trabalho, funcionando também como importante vetor de progresso tecnológico e de impulso para as economias regionais”.
Representante dos trabalhadores do setor destacou a “visão crítica” do indicado à atual política comercial da Petrobras e seu perfil nacionalista.
“Jean Paul Prates vem participando das lutas em defesa da Petrobras, além de ter uma visão crítica sobre o Preço de Paridade de Importação (PPI), implementado no governo de Michel Temer, em outubro de 2016″, afirma nota da FUP (Federação Única dos Petroleiros).
O PPI vincula o preço dos combustíveis à variação do dólar, ao preço do barril do petróleo no mercado internacional e aos custos de importação dos derivados.
A FUP defende a revisão do acordo de venda de ativos firmado entre o Cade e a Petrobras, em junho de 2019, uma ideia defendida em alas do partido de Lula. O orgão antitruste exigiu a privatização de oito refinarias e da TBG (Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil).
A entidade sindical contesta ainda a venda da Lubnor (Refinaria Lubrificantes e Derivados do Nordeste) e suas estruturas portuárias, no Ceará, à empresa Grepar Participações, por US$ 34 milhões, argumentando que a cifra está 55% abaixo da estimativa de valor de mercado. A FUP também questiona na Justiça a venda da refinaria Reman, no Amazonas, ao grupo Atem e a Rlam, na Bahia, ao fundo árabe Mubadala. As empresas não comentam questões judiciais.
“Prates entende que a Petrobras é também um instrumento de mudança social, além de ter vasta experiência nas áreas de petróleo e gás e de energia renovável e meio ambiente”, citou a FUP.
(Atualiza às 18h10 com notas de entidades e analistas)
Leia também
Empresas aéreas esperam alta de custo após reajuste de querosene