Bloomberg Línea — Em 2022, o cenário de maior incerteza e juros em elevação no Brasil e no mundo dificultou a entrada de novas companhias na bolsa, que preferiram esperar por um momento mais benigno. O início da guerra na Ucrânia em fevereiro só exacerbou o sentimento de aversão ao risco.
Mas, depois de um hiato raro de um ano e meio no mercado de ofertas públicas iniciais de ações (IPOs, na sigla em inglês), banqueiros do mercado financeiro consultados pela Bloomberg Línea apontam para um cenário mais favorável em 2023, com janelas de captação a partir do segundo trimestre.
“Há uma demanda reprimida por parte dos investidores, estrangeiros e brasileiros. Para boas histórias, existe demanda para ofertas. Ainda há liquidez no mercado”, disse Roderick Greenlees, Global Head de Investment Banking do Itaú BBA (ITUB4).
Greenlees citou como exemplo para corroborar essa avaliação a recém-concluída oferta subsequente do Assaí (ASAI3), que captou R$ 2,7 bilhões. Segundo ele, a demanda de investidores locais e estrangeiros superou a casa de R$ 12 bilhões - o banco foi o coordenador líder da colocação. “Essa oferta foi um primeiro grande teste do mercado com o novo governo que vai tomar posse”, disse o executivo.
“Se tirar a parte tática da frente e olhar os fundamentos e as expectativas, os ventos estão muito favoráveis para a retomada do mercado. Caso o Banco Central sinalize que vai cortar os juros em algum momento de 2023, isso seria um gatilho adicional”, disse Gustavo Miranda, diretor de Investment Banking do Santander (SANB11).
Foram realizados cerca de 20 follow-ons (as ofertas subsequentes de empresas já listadas) neste ano, sem nenhum IPO. Dessas operações, 15 podem ser consideradas “legítimas”, segundo Greenlees, porque tiveram distribuição de fato para o mercado, para investidores profissionais e pessoas físicas.
Essas ofertas captaram cerca de R$ 50 bilhões, um terço do volume do ano anterior. Dois terços do valor vieram de uma única operação, o follow-on da Eletrobras (ELET3, ELET6) no meio do ano. Para efeito de comparação, a B3 registrou 71 ofertas em 2021, das quais 45 foram IPOs.
A última vez que uma companhia estreou com ações negociadas na bolsa brasileira foi em agosto de 2021. Isso significa que, no início de 2023, esse hiato vai completar 18 meses.
O ambiente mais desafiador levou dezenas de empresas a desistir de abrir capital em 2022. Parte delas, contudo, pode voltar em 2023, dado que já estão com a documentação preparada, bem como com os processos internos avançados, afirmou um especialista do mercado que pediu para não ser identificado.
Ofertas maiores no radar
Segundo Miranda, do Santander, a retomada deverá começar pelos follow-ons. Já os IPOs deverão vir em menor quantidade, ainda que em volume financeiro movimentado maior do que em 2021, dada a necessidade de maior participação do investidor estrangeiro.
“Os estrangeiros gostam e precisam de investimentos mais líquidos e ofertas que conseguem ser precificadas com maior velocidade. Com isso, o pipeline de empresas grandes que devem abrir a janela de IPOs após os follow-ons é mais ativo”, disse.
O Santander estima que haverá entre 30 e 40 ofertas (dentre IPOs e follow-ons) em 2023. “Os clientes veem o Brasil como um poço de oportunidade. Apesar de o custo de capital ter subido, as oportunidades ainda são muito interessantes”, afirmou Miranda.
Para o Itaú BBA, a estimativa é a de que serão realizadas entre 25 e 35 ofertas, com volume financeiro na faixa entre R$ 60 bilhões e R$ 80 bilhões, o que representaria uma alta de pelo menos 20% no ano. Seriam de 10 a 15 IPOs em um cenário considerado mais otimista, em sua maioria a partir do segundo trimestre se houver uma perspectiva fiscal considerada mais construtiva do novo governo.
“Os follow-ons são um processo mais fácil. Se o emissor estiver confortável com o preço de tela [para a ação], dado que é uma empresa listada, e acreditar que tem demanda, em conversa com o banco de confiança, consegue executar a oferta em um prazo relativamente curto”, afirmou o head de IB do BBA. “Já os IPOs dependem de um convencimento maior do mercado.”
“Serão IPOs de empresas de tecnologia, fintechs etc.? Não. Serão IPOs de empresas pequenas, de R$ 400 milhões, R$ 500 milhões, R$ 600 milhões, como vimos em 2021? Também acho que não”, disse Greenlees. Segundo ele, devem ser ofertas de empresas de setores tradicionais, como infraestrutura, energia, varejo e consumo; e transações maiores, da ordem de R$ 1,5 bilhão a R$ 2 bilhões.
“É importante que a operação seja grande para que haja liquidez depois do IPO em si”, disse.
“O mercado hoje está privilegiando empresas mais bem estabelecidas em seus respectivos mercados e gerando mais caixa”, afirmou Greenlees, citando que as de tecnologia, que dependem de injeções recorrentes de capital para crescer, devem encontrar financiamento no mercado privado.
O diretor de IB do Santander destacou o grande interesse de investidores institucionais por empresas de commodities, mas chamou a atenção para o fato de que são companhias que geraram muito caixa neste ano e que, por essa razão, não precisariam captar recursos tão cedo.
Empresas de saneamento e energia, em setores com alta previsibilidade dos negócios e crescimento, oferecem boas oportunidades, segundo ele.
Greenlees apontou que são empresas cujos negócios demandam muitos investimentos, o que justificaria a ida ao mercado para captação em um momento que não é o mais favorável.
Empresas candidatas, segundo fontes
Casos pontuais em outros setores teriam que ser de empresas grandes, segundo afirmou uma fonte do mercado: por “grandes” entende-se ofertas na casa de R$ 1,5 bilhão, dado que o cenário exigiria primeiro a realização de transações de empresas líderes de mercado e com operações já consolidadas.
Conforme apurou a Bloomberg Línea com fontes que pediram para não serem identificadas, empresas como Aegea Saneamento, BRK Ambiental e Prisma estão no pipeline para o ano que começa.
“Há um pipeline grande de empresas boas que já estavam se preparando, o que se soma a um fluxo recorde de estrangeiros em 2022. As outras opções dos investidores globais pioraram demais e o Brasil e o México são dois países que têm atraído o interesse desse investidor”, afirmou Fernando Ferreira, estrategista-chefe e head de research da XP (XP), durante evento no começo de dezembro.
Apetite do investidor estrangeiro
Isso significa que, diferentemente da última safra de IPOs, que teve participação de destaque do investidor pessoa física, desta vez, com a Selic nas alturas e o investidor local ainda impactado pelas perdas, o capital estrangeiro deverá ser mais significativo.
São investidores que buscam operações com volumes maiores: a expectativa é a de um ticket médio mais alto e um número menor de ofertas, de 20 a 30, segundo outra fonte do mercado.
Em evento recente, David Beker, chefe de economia e estratégia do Bank of America (BAC) para o Brasil, defendeu que o estrangeiro ainda está pouco alocado em Brasil e que, por eassa razão, tem espaço nos portfólios para comprar as ofertas. Vai depender, contudo, do setor, dado que o “gringo” prefere estar alocado em ativos de maior liquidez, disse.
Corte de juros: principal gatilho
“O mercado de capitais trabalha com tendência. Se o mercado entender que haverá uma queda nas taxas em 2023 e maior em 2024, o mercado em equities virá com mais força”, disse Greenlees.
O head de IB do Itaú BBA aponta que o juro real na casa de 8% ao ano, diante da taxa Selic atual de 13,75% ao ano e de uma inflação projetada pelo banco para algo na faixa de 4% a 5%, não deve se sustentar nesse patamar ao longo de ano. No BBA, a projeção é que a Selic recue para 12,50% ao fim de 2023.
Beker, do BofA, também aponta que a retomada das ofertas depende da viabilidade do corte de juros.
“Veremos uma piora importante da relação dívida/PIB em 2023. Um dos desafios é o funcionalismo público, que não tem aumento há bastante tempo. Primeiro, a nova equipe econômica precisa definir um arcabouço fiscal. Com isso sinalizado, expectativas mais longas tendem a se reancorar”, disse.
Dados os estímulos fiscais já contratados para 2023, como os R$ 145 bilhões em despesas fora do teto de gastos previstas na PEC da Transição, e as incertezas em relação à política fiscal, muitas casas jogaram para 2024 as expectativas de corte da Selic antes estimadas para 2023. Foi o caso, por exemplo, da XP.
No relatório Focus do Banco Central mais recente, as expectativas de mercado apontam para uma taxa de 12% ao ano da Selic em dezembro de 2023, ante 11,75% ao ano anteriormente.
“O BC está confortável em manter os juros estáveis por um período mais longo. É possível que ele inicie o corte em meados de 2023 – estimamos em junho –, mas os riscos aumentaram”, disse Beker.
Segundo ele, embora veja oportunidades na bolsa brasileira, o investidor estrangeiro está mais receoso com o Brasil e tem questionado mais o cenário fiscal. “Temos incertezas, um novo governo entrando e é muito difícil ter alta convicção no momento.”
Mas a perspectiva é favorável para o mercado brasileiro pelo fato de o processo monetário ter se encerrado há mais tempo, ainda que os juros futuros tenham subido com as sinalizações do novo governo. Mas, na comparação com outras economias como a americana, a diferença é evidente, dado que ainda estão behind the curve no processo de conter as expectativas de inflação, destacou Greenlees.
Cautela com o cenário
O otimismo com a retomada das ofertas de ações no curto prazo, no entanto, não é consenso no mercado. Isso porque o cenário de juros elevados deverá continuar pressionando os ativos de risco e manter o investidor brasileiro em aplicações mais conservadoras, de renda fixa.
Uma fonte do mercado que pediu para não ser identificada destacou o cenário mais pessimista para 2023, com poucas chances de IPOs no início do ano, dada a avaliação divergente de que a preparação das empresas candidatas ainda não está em estágio avançado.
Mas, caso o cenário macro fique construtivo e a Bolsa entre em um rali, o segundo trimestre, em especial no fim de março e em abril, podem oferecer janelas para empresas acessarem o mercado.
O principal gatilho para uma volta dos IPOs seria uma melhor visibilidade no campo fiscal no Brasil, segundo essa fonte.
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