Bloomberg — Para minha coluna de final de cada ano, muitas vezes relembro os dados, histórias e gráficos que nos dizem sobre energia e clima – e que ano que foi 2022. Recapitular com um grupo seleto de gráficos é um desafio, mas alguns temas devem continuam ao longo dos próximos meses.
A história mostra um pico na demanda de hidrocarbonetos; as previsões mostram outra coisa. A energia é altamente concentrada e altamente distribuída. As crises são abundantes – mas são também as respostas.
E em todos os lugares temos vislumbres do futuro, tanto de novos problemas quanto de novas soluções.
O choque do passado
Em março, escrevi que a invasão da Ucrânia pela Rússia foi um choque do passado, uma convergência de guerra, comércio internacional, dependência e soberania que seria familiar a qualquer historiador do século XX. A história nos lembra que mesmo tendências globais e aparentemente inerradicáveis podem mudar rapidamente durante as crises.
A ligação entre o petróleo e o Produto Interno Bruto (PIB) é um exemplo útil. Antes do choque de preço do petróleo de 1973, o peso do combustível no PIB global vinha aumentando constantemente – ou seja, as economias precisavam de mais petróleo para cada unidade de produção econômica ao longo do tempo.
Graças às respostas a esse choque de preços, o peso do petróleo no PIB atingiu o pico naquele ano, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). No resto do mundo, atingiu o pico apenas cinco anos depois.
A mudança é difícil, mas velhos choques podem prometer novos caminhos.
Combustíveis fósseis
A Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) diz que estamos na “primeira crise global de energia do mundo“, afetados por uma série de choques profundos e amplos. A conclusão sobre o que isso significa é surpreedente: o consumo de combustível fóssil está chegando a um pico definitivo.
Esse pico está se aproximando mesmo no cenário conservador da AIE, que mantém as configurações de políticas predominantes na economia global e não leva em consideração quaisquer avanços tecnológicos.
Preste atenção e você poderá ver a tendência que já leva a esses picos – em especial no setor de energia. A geração de energia a carvão teve seu pico de crescimento na última década (apesar de um salto excepcional pós-covid). A energia movida a gás também atingiu o maior nível de crescimento durante o mesmo período. As energias eólica e solar, por outro lado, continuam crescendo.
A IEA espera 460 terawatts-hora de nova geração de energia eólica e solar este ano, quase a mesma energia que a França consumiu de todas as fontes em 2019. No ano que vem, a empresa de pesquisa de energia limpa BNEF espera um consumo de cerca de 650 terawatts-hora de energia eólica e solar – mais energia do que toda a consumida pelo Brasil em 2019.
Alta concentração
A maior parte do crescimento na geração de energia é altamente concentrada geograficamente, de acordo com o relatório anual Power Transition Trends da BNEF. Assim, de 2012 a 2021, os 10 principais mercados de energia eólica foram responsáveis por 89% de toda a nova capacidade instalada.
A energia solar é apenas um pouco mais difusa, com os 10 principais mercados responsáveis por 85% de todas as instalações, no mesmo período. Para o carvão, a China e a Índia representaram 78% de toda a nova capacidade de geração de energia nos últimos 10 anos.
Mas veja os dados de outra maneira e a energia solar é um mercado em expansão: uma década atrás, 55 países construíam projetos solares em volumes comerciais de mais de 1 megawatt; no ano passado, 112 países estavam fazendo o mesmo. A energia eólica, por outro lado, não chegou a atingir mais países.
O caso da Austrália
Escrevo sobre a Austrália com frequência porque, como a Califórnia , é um cartão postal do futuro da energia. A nação está progredindo na implantação de energia renovável enquanto permanece decididamente ligada aos mercados globais de energia – apesar de não estar fisicamente conectada a eles (pelo menos ainda não).
E em junho deste ano, o mercado de eletricidade da Austrália parou de funcionar. Com a demanda por gás natural em alta, o operador da rede nacional limitou os preços do gás para proteger os consumidores. Em seguida, limitou os preços de energia (que chegaram a US$ 15.000 por megawatt-hora no mercado à vista) em US$ 300/MWh, um nível no qual muitos geradores perderiam dinheiro a cada megawatt-hora vendido.
Com tantos geradores desligados por razões econômicas e oferta insuficiente para atender à demanda, o operador da rede suspendeu todo o comércio spot (à vista) – deixando o país sem mercado.
Soluções de ontem
Termino com outra lição da história.
Desde 1950, a geração de energia nos Estados Unidos aumentou mais de 12 vezes, de 300 terawatts-hora por ano para mais de quatro mil. Seus principais recursos, no entanto, seguiram caminhos muito diferentes ao longo dessas décadas. O carvão atingiu o pico e caiu; a energia nuclear subiu e se estabilizou; o petróleo quase desapareceu. Hoje, o gás e as energias renováveis estão crescendo.
Essas tendências não fazem parte apenas do mercado de trabalho. A ascensão do carvão ocorreu porque a energia movida a petróleo era bastante poluente e cara – e o gás era visto como escasso e mais adequado para usos industriais. O carvão foi uma solução para problemas espinhosos em uma década, apenas para se tornar um problema próprio décadas depois.
É possível que o sistema que construímos agora possa seguir o mesmo caminho. Uma nota de advertência, talvez, mas não necessariamente ruim: resolver o problema da superabundância de energia de carbono zero criaria novas soluções e novas oportunidades.
Nathaniel Bullard é colaborador sênior da BloombergNEF e da Bloomberg Green. Ele é um parceiro de risco da Voyager, um investidor em tecnologia climática em estágio inicial.
Veja mais em Bloomberg.com
Leia também:
Como a mudança climática afeta os rios, as geleiras e as chuvas pelo mundo
Título ligado à proteção da Amazônia ganha força entre investidores ESG