XP vai da Farofa da Gkay às estações de esqui de Aspen na busca pelo cliente

Com queda de 50% das ações no ano e menor captação do varejo, plataforma mira públicos distintos em campanhas de marketing que incluem até roda-gigante

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Bloomberg Línea — A euforia do mercado voltado para o investidor de varejo ficou para trás no ambiente de taxas de juros de dois dígitos e crescentes incertezas econômicas no Brasil e no mundo. Para a XP Inc. (XP), empresa que capitalizou como poucas esse fenômeno no país, o momento é de desaceleração do crescimento e das captações e de queda da ordem de 50% das ações no ano (veja mais abaixo).

Diante do quadro adverso, a empresa fundada por Guilherme Benchimol tem adotado ações de marketing que têm como alvo um público mais amplo de diferentes perfis de renda e regiões.

No início do mês, a XP estava na lista dos patrocinadores da Farofa da Gkay, uma festa de aniversário promovida pela influenciadora paraibana Gessica Kayane em um hotel em Fortaleza, no Ceará, que alimentou por muitos dias o noticiário especializado de fofocas e redes sociais.

O patrocínio aconteceu em um momento em que a plataforma de investimentos tem reforçado sua presença no mercado nas regiões Norte e Nordeste.

No Ceará, a XP realizou recentemente uma seleção para contratar até 20 assessores de investimentos. Paulo Pereira, líder regional da XP no Nordeste, disse à imprensa local que a plataforma quer chegar a todas as cidades cearenses com mais de 100 mil habitantes e alcançar 60 assessores.

Do Nordeste para o Sudeste, o grupo também tem se associado a eventos ou instalações de lazer para os clientes de varejo. A Rico, corretora da XP voltada para esse perfil de investidor, acaba de fechar um contrato de naming rights com a maior roda-gigante da América Latina, com 91 metros de altura, recém-inaugurada próxima ao Parque Villa Lobos, na zona oeste de São Paulo. Clientes da chamada Roda Rico ganham descontos na compra dos ingressos de uso do equipamento.

Do Colorado à Amazônia

As incursões mais recentes da XP na promoção da marca e no relacionamento com clientes incluem também ações voltadas para a alta renda, de private banking e wealth management.

No começo do ano, a XP levou clientes e executivos para assistir ao Super Bowl, a final da NFL (a liga de futebol americano) na Califórnia, disputada entre Los Angeles Rams e Cincinnati Bengals.

Em agosto, a XP divulgou ter se tornado patrocinadora de eventos nas montanhas de Aspen e Snowmass, no estado de Colorado, nos Estados Unidos, com o objetivo de estreitar a relação com clientes e sua rede de assessores. Com o patrocínio de valor não divulgado, a empresa expôs sua marca em bandeiras em atividades de esqui e deu acesso a eventos e descontos em passeios turísticos.

Para diversificar sua base de clientes pelo país, a plataforma tem mobilizado recursos para a instalação dos chamados Espaço XP, que ela descreve como “hub de experiências” para fortalecer o relacionamento da empresa com os seus clientes.

Em abril, por exemplo, abriu um espaço em Manaus, no Amazonas, em área de 250 metros quadrados voltada para eventos como workshops e atividades de educação financeira, todos os meses.

“Queremos fortalecer ainda mais nossa marca e expandi-la em bases nacionais em praças estratégicas, levando a todos os nossos clientes uma experiência única. É um espaço para que as pessoas se sintam à vontade e sem pressa para irem embora”, disse Lisandro Lopez, diretor de Marketing da XP, em nota divulgada em agosto.

Pablo Spyer, influenciador conhecido pelo bordão “Vai, Tourinho” e sócio da XP há mais de um ano, tem sido escalado pela empresa para participar de eventos com potenciais clientes.

No ano passado, um projeto idealizado por Spyer de instalar uma escultura de um touro dourado em frente à sede da B3, no centro histórico de São Paulo, provocou polêmica por ser considerada propaganda irregular e por falta de licença das autoridades para ocupar a calçada. A peça teve que ser removida para um galpão. Benchimol reagiu em rede social e classificou a medida como um “absurdo”.

Captação no varejo desacelera

Os resultados financeiro da XP têm sido afetados pelo ambiente macroeconômico adverso, com taxas de juros mais elevadas, atualmente na casa de 13,75% ao ano.

A captação líquida no segmento do varejo desacelerou 20% no terceiro trimestre na comparação com os três meses anteriores e 25% na base anual, para R$ 32 bilhões.

A ação da XP tem perda acumulada de 47,53% neste ano na Nasdaq. O índice Nasdaq Composite, por sua vez, tem queda de 32,58% desde o começo de 2022.

Quando estreou na Nasdaq em dezembro de 2019, a XP tinha valor de mercado de US$ 14,9 bilhões. O valor passou para US$ 8,4 bilhões no fechamento desta terça-feira (20).

O banco americano Goldman Sachs avaliou, em relatório, que as margens de lucro da XP devem ficar pressionadas nos próximos anos, com risco maior de menores receitas. O analista Tito Labarta reduziu suas estimativas para os lucros do grupo dado que a rentabilidade tanto nos mercados de renda fixa como variável pode ser prejudicada no ambiente de maior competição do setor.

“Cortamos nossas estimativas para o lucro líquido da XP em 2% e 7% em 2023 e 2024, respectivamente”, apontou o relatório do Goldman Sachs, que manteve sua recomendação de compra para o papel, mas rebaixou o preço-alvo para 2023 de US$ 40 para US$ 35. A ação encerrou a US$ 15,08 na terça (20).

O analista explicou que, apesar dos desafios, a ação da XP está sendo negociada em um valor atrativo com o múltiplo Preço Lucro (P/L) em 10,3 vezes, abaixo do nível histórico de 31,1 vezes.

‘Crise de identidade’

Um experiente publicitário do mercado que não quis se identificar, pois o assunto não é público, disse à Bloomberg Línea que a estratégia de marketing da XP pode ser considerada como “agressiva” e “disruptiva”, refletindo o discurso geralmente adotado de confronto aos bancos incumbentes tradicionais, em que a plataforma é apresentada como uma alternativa mais “democrática e inclusiva”.

Com mensagem dirigida a públicos de diferentes níveis de renda, origens sociais e geográficas, o risco dessa abordagem para a XP é que ela enfrente uma espécie de “crise de identidade” ao ampliar demais seu foco de público-alvo, “como se fosse o Banco do Brasil, que explora do agro ao BB Estilo”.

Há questionamentos também de alguns investidores sobre as estratégias em um momento em que o mercado está mais atento às métricas de despesas e de eficiência da operação.

Procurada pela Bloomberg Línea, a XP não quis comentar o assunto.

Mas a visão da XP sobre o caminho para que clientes consumam um número maior de produtos e serviços foi expressada no documento de apresentação dos resultados do terceiro trimestre.

“Acreditamos que investimentos sejam um serviço baseado em confiança e relacionamento, enquanto outros serviços transacionais não demandam esse vínculo tão forte com o cliente”, escreveu o CEO da XP, Thiago Maffra, na carta com os resultados.

“Assim, nossa estratégia passa por construir credibilidade, conquistar a confiança do investidor e, consequentemente, lhe oferecer acesso a um ecossistema completo de soluções financeiras, alinhado aos seus objetivos de longo prazo”, concluiu o executivo a esse respeito.

Do futebol ao beach tennis

A XP tem reforçado também seu apelo no futebol, de forma indireta (em vez de patrocínio, por exemplo), por meio de sua atuação na assessoria a clubes brasileiros que estão se transformando em SAF (Sociedade Anônima de Futebol) para levantar recursos com investidores e renegociar suas dívidas.

Os negócios são conduzidos pela área de investment banking da XP, liderados pelo executivo Pedro Mesquita.

O caso mais notório foi justamente o pioneiro, com o Cruzeiro, em que o ex-jogador Ronaldo, craque da seleção brasileira e duas vezes campeão do mundo, assumiu a SAF montada pelo clube mineiro que o revelou no começo dos anos 1990.

Neste ano, o primeiro sob nova direção, o Cruzeiro conquistou o direito de voltar a disputar a Série A do Campeonato Brasileiro, depois de três temporadas na segunda divisão do futebol nacional.

Outra incursão da XP envolve um dos esportes mais associados ao público da Faria Lima, o beach tennis. A empresa montou uma arena na avenida que empresta nome ao bairro. O espaço funciona como um complexo de entretenimento e de relacionamento com clientes, com áreas ao ar livre e gastronomia.

A principal atração são as quadras de beach tennis, modalidade que se tornou uma febre entre os profissionais do mercado financeiro e explorada também pelo BTG Pactual (BPAC11).

Segundo o publicitário ouvido por Bloomberg Línea, iniciativas como essa reforçam o recall (lembrança) da marca, ainda que eventualmente possam ser alvos de brincadeiras e memes.

Ele citou o case do colete acolchoado preto com a marca do grupo, que passou a ser entregue como brinde a clientes e virou alvo de memes em redes sociais.

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