Desafio de Musk é monetizar o Twitter sem perder usuários, diz especialista

Para Fabro Steibel, diretor do think tank ITS Rio, especializado em tecnologia, bilionário perceberá que modelo de gestão da Tesla não se aplica à plataforma social

Com Musk no comando, Twitter demite milhares de pessoas em áreas essenciais em questão de algumas semanas
20 de Dezembro, 2022 | 09:56 AM

Bloomberg Línea — O Twitter de Elon Musk tem sido cercado de questionamentos desde que ele assumiu o comando no fim de outubro. No mais recente capítulo de sua gestão, o bilionário promoveu uma enquete com usuários no domingo (18) à noite em que perguntava se ele deveria deixar a liderança da plataforma: seis em cada dez que responderam disseram que, sim, ele deveria deixar de ser o CEO.

A gestão de pouco menos de dois meses é marcada por demissões em massa em vários departamentos, reativação de contas que estavam suspensas, como a do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, e suspensão de outras, como as de alguns jornalistas, e novos modelos de serviços.

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Para Fabro Steibel, diretor-executivo do ITS Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio), think tank brasileiro dedicado a estudar o impacto e o futuro da tecnologia, a gestão de Musk deve ser marcada por um “grande aprendizado” do empreendedor sobre a rede social e como ela funciona, uma vez que o fundador e controlador da Tesla (TSLA) e da SpaceX não tem experiência na área.

“Diferentemente de empresas que trabalham com coisas objetivas como espaço e carros, o Twitter lida com coisas mais humanas. Há um certo e errado na forma de economizar combustível, mas o mesmo não acontece na moderação de conteúdo. O Twitter é colaborativo e precisa ter uma diversidade de vozes e de governança. Isso não é obrigação na Tesla”, disse o especialista à Bloomberg Línea.

Para o especialista, em meio a esse desafio de encontrar o modelo de gestão, Musk ainda terá que lidar com o risco de perda expressiva do número de usuários da plataforma.

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“Musk quer monetizar essas pessoas com uma espécie de paywall, só que boa parte da interação que acontece na rede social são das pessoas não logadas. Não está claro o quanto o paywall vai conseguir manter a mesma dinâmica, alcance e relevância do modelo anterior”, afirmou.

Depois da enquete sobre se deveria deixar de comandar a plataforma, Musk disse que o Twitter deveria restringir o direito a voto em decisões como essa apenas aos usuários pagantes do Twitter Blue. A decisão foi anunciada na noite de segunda-feira (19).

Leia a seguir os principais trechos da entrevista, editada para fins de clareza:

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Bloomberg Línea: Elon Musk tem feito cada vez mais restrições nas publicações do Twitter, como ao apagar um tuíte sobre o Mastodon, um concorrente. E acaba de promover uma enquete com usuários sobre se deveria sair do comando da rede social. O que isso significa?

Fabro Steibel: Musk quer uma rede sua para falar e tem tomado decisões parecidas com as de um jornal, com as de um veículo de mídia. Ele não permite que falem sobre a concorrência, retira pessoas que o criticam e toma decisões editoriais, e não institucionais.

A enquete depende do que ele vai fazer — me parece possível que ele queira se livrar do Twitter, porque ele tem sido prejudicado e está usando isso de bode expiatório para cair fora.

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Usuários estão procurando alternativas ao Twitter. Isso pode fazer com que aconteça uma migração em massa para outras plataformas? Como Musk poderia evitar isso?

Temos algumas alternativas que sempre estiveram por aí, como o Mastodon, que está na moda no momento. O Twitter, enquanto solução técnica, não é super avançado e é relativamente fácil de ser copiado, tanto é que as outras redes têm, de certa forma, o que o Twitter tem.

Os maior benefícios são a marca e a quantidade de usuários. Musk quer monetizar essas pessoas com o paywall, só que boa parte da interação que acontece na rede social são das pessoas não logadas. Não está claro quanto o paywall vai conseguir manter a mesma dinâmica, alcance e relevância do modelo anterior.

Outros já tentaram fechar [o acesso]. O modelo funciona em jornais, por exemplo, que aprenderam que é possível fidelizar os clientes que pagam por uma assinatura, mas a tendência é que a base seja limitada. Se você pensar no Twitter nos Estados Unidos, é provável que o paywall funcione. No Brasil, pode ser que não.

O que parece mais provável que aconteça?

Acho que todos querem ficar no Twitter. Na hora em que a rede social começa a ser odiada pelo CEO, é claro que isso aumenta a resistência, mas vimos isso na Meta. A aceitação do Mark Zuckerberg é ruim, mas ninguém deixa de usar o WhatsApp por causa disso.

Musk não afastaria o cliente em potencial do Twitter. Agora uma fragilidade do Twitter é depender que grandes pessoas falem. Se essas pessoas começarem a sair, seja por relevância ou dinheiro, de certa forma, como o Twitter vai ganhar? A relevância do Twitter está no passado, no que já foi construído; se isso for perdido, ele fica cada vez menor.

Sobre as demissões que foram feitas: elas podem atrapalhar a companhia?

Musk entra no Twitter com uma personalidade de ajuste de contas, de colocar tudo em dia. Todas as empresas de tecnologia estão ajustando funcionários, mas não é por isso que ele demite. Ele entra com uma missão de ‘passar a régua’, tanto é que alguns funcionários tiveram de voltar, é um choque.

Dessa forma, ele passa para o investidor que ajudou a financiar o negócio a ideia de que está comprometido a manter o valor da empresa e a lucratividade. O que ele talvez não esperasse é que precisasse dessas pessoas e dos departamentos dispensados para fazer o Twitter funcionar.

A hora em que você não tem um departamento ou reduz uma área como a de direitos humanos e a de moderação de conteúdo, você afeta a natureza do negócio. Seria o equivalente a reduzir uma equipe de itens essenciais como segurança e bateria na Tesla.

O que se pode esperar dos próximos passos da gestão do bilionário no Twitter?

Podemos esperar da gestão de Musk um aprendizado sobre o que é o Twitter, porque ele conhece a rede social como usuário, não como CEO. Diferentemente de empresas que trabalham com coisas mais objetivas como espaço e carros, o Twitter lida com coisas mais humanas. Há um certo e errado na forma de economizar combustível, mas o mesmo não acontece na moderação de conteúdo.

O Twitter é colaborativo e precisa ter uma diversidade de vozes e de governança. Isso não é uma obrigação na Tesla. O grande aprendizado de Musk vai ser gerir esse negócio que tem um aspecto social muito forte, diferentemente de seus outros negócios.

Afinal, o que levou Musk a comprar o Twitter na sua avaliação?

São duas as hipóteses principais. A primeira é que todo grande empresário geralmente tem uma voz: Jeff Bezos, da Amazon (AMZN), comprou o Washington Post, Mark Zuckerberg, da Meta (META), tem o Facebook e o Instagram, mas Elon Musk não tinha, ele só falava por meio do Twitter. E aí a ideia de estar por trás de um meio de comunicação é algo muito bom para os negócios.

Mas tudo indica que Musk comprou o Twitter também por acreditar em um modelo de liberdade de expressão e de regulação de conteúdo um tanto quanto ingênuo. Indica-se que a oferta foi feita por impulso, o que não é um problema para ele. Depois teve o drama judicial, mas ele se tornou o CEO.

- Com informações da Bloomberg News.

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Tamires Vitorio

Jornalista formada pela FAPCOM, com experiência em mercados, economia, negócios e tecnologia. Foi repórter da EXAME e CNN e editora no Money Times.