Bloomberg Opinion — Jeff Bezos, fundador da Amazon (AMZN), há muito é obcecado com a ascensão da empresa – e sua queda.
Em 2013, Bezos disse ao programa 60 Minutes que as empresas têm vida curta, “mesmo a mais brilhante e mais importante”. Em sua carta final aos acionistas como CEO em 2021, com a Amazon avaliada em mais de US$ 1,5 trilhão, ele citou um livro do biólogo evolucionista Richard Dawkins para sugerir que a gigante do comércio eletrônico está em um estado constante de “evitar o fim “.
A ideia parecia absurda no meio da pandemia. As vendas online da Amazon haviam explodido, já que as pessoas evitavam ir às lojas. Consumidores inquietos, animados pelos auxílios, estavam em uma onda de compras. Entre 2019 e 2021, as vendas da Amazon cresceram 57%, ultrapassando os US$ 222 bilhões; as vendas de assinaturas, que incluem o serviço Prime de seus membros premiados, aumentaram 65%; e sua participação nos gastos de varejo do consumidor aumentou, ultrapassando seu maior rival, o Walmart (WMT).
A empresa acabou se tornando mais um serviço que uma loja online. O que teríamos feito sem a entrega online? Sem a Amazon? Ao mesmo tempo, os varejistas que ficaram para trás no comércio eletrônico foram forçados a correr atrás do prejuízo – e rapidamente. Quase todos, desde marcas de luxo a lojas de departamento, entraram para o e-commerce.
O Walmart, por exemplo, ampliou a disponibilidade de produtos online, abriu seu marketplace para vendedores internacionais, abriu o caminho para a coleta de produtos em casa e para a retirada na loja e aumentou o atendimento de pedidos online fora de suas lojas. Nos primeiros nove meses da pandemia, suas vendas online cresceram ao dobro da taxa da Amazon, embora em uma base muito menor, segundo dados da empresa de pesquisa de tecnologia de varejo YipitData.
Hoje, a Amazon não parece mais invencível. Este ano, a maior empresa de e-commerce do mundo perdeu em algum momento um trilhão de dólares em valor de mercado, uma vez que o crescimento das compras on-line diminuiu drasticamente e sua previsão para o importantíssimo quarto trimestre foi decepcionante.
As assinaturas do Prime se estabilizaram após o aumento durante a pandemia. E a empresa está no meio de seu maior corte de funcionários – cerca de 10 mil cargos entre a divisão de dispositivos e varejo.
Os consumidores agora pressionados pela inflação são mais cautelosos com o que fazem com seu dinheiro e estão menos dispostos a gastar em itens como um fatiador de abacate de US$ 20 ou algumas varinhas que removem as histaminas de um copo de vinho por US$ 25. Em vez de comprar por impulso, as pessoas estão gastando mais no mercado e com outras necessidades – a vantagem do Walmart.
Os preços da Amazon ainda são geralmente mais baixos que os do Walmart, mas este cobre ofertas o ano todo, e a assinatura anual do Walmart+ de US$ 99 é equivalente ao Prime, de US$ 139. Basta fazer algumas contas básicas para ver que um pacote de papel higiênico pode acabar sendo mais barato no Walmart que na Amazon.
A dramática mudança de sentimentos aliada a uma concorrência online mais agressiva fez com que a Amazon ficasse para trás na batalha pelo dinheiro dos consumidores, já que o Walmart aproveita sua vantagem de ser o maior supermercado dos EUA. Enquanto estivermos em um ambiente inflacionário, a liderança do Walmart no setor de supermercados e o aumento do custo do Prime colocam a Amazon em segundo lugar, de acordo com Tom Forte, analista sênior de pesquisa da D.A. Davidson.
A empresa de pesquisa Insider Intelligence estima que o Walmart irá gerar cerca de US$ 39 bilhões em vendas online de supermercado este ano e ampliar sua liderança sobre a Amazon até 2024.
Parte disso é que muitos consumidores preferem buscar pedidos recorrentes de supermercado em uma loja em vez de pagar uma taxa de entrega ou sobretaxa – uma clara vantagem para o Walmart, que tem lojas a uma curta distância de 90% dos americanos.
A Amazon e sua unidade Whole Foods também oferecem uma seleção mais restrita de alimentos e suprimentos domésticos disponíveis para entrega do que o Walmart. E apesar do medo e otimismo do setor que se seguiu à compra da Whole Foods pela Amazon em 2017, o gigante de e-commerce ainda não conseguiu se adaptar às lojas físicas.
Mais amplamente, o negócio de varejo predominantemente online da Amazon não cativou o consumidor. Após dois anos de restrições da pandemia, as pessoas estão ansiosas para voltar às lojas físicas, muitas das quais reconfiguraram drasticamente seus espaços para melhor atender os clientes.
A Target (TGT) e o Walmart parte das operações de loja para o atendimento online, transformando algumas áreas em espaços para embalagem ou pontos de coleta de pedidos. Empresas como Aldi e Foot Locker adicionaram estandes de autoatendimento e pagamento rápido pelo smartphone para manter as lojas higiênicas com sistemas sem contato.
Quanto mais dólares as pessoas gastam nas lojas, menos elas gastam na Amazon. Dito isso, a Amazon só pode crescer com os gastos com comércio eletrônico, como aponta Juozas Kaziukenas, CEO da empresa de inteligência de dados de comércio eletrônico Marketplace Pulse.
As vendas de e-commerce ficaram torno de 14% das vendas totais no varejo nos últimos 18 meses, no meio termo entre o auge da pandemia e o nível pré-pandemia, segundo dados do Census Bureau. Até mesmo a joia da coroa da Amazon, o Prime, está mostrando sinais de estagnação, crescendo apenas 5% entre 2021 e 2022, de acordo com a Consumer Intelligence Research Partners. Com uma estimativa de 168 milhões de membros nos EUA, a Amazon tem pouca escolha a não ser buscar crescimento entre consumidores na China, Índia e México, onde se deparou com uma grande concorrência.
Em sua fortaleza de e-commerce, a Amazon se encontra na posição incomum de perseguir a inovação. Este mês, a empresa lançou o Inspire, um serviço estilo TikTok que permitirá aos consumidores comprar mercadorias a partir de um feed personalizado de fotos e vídeos, provando que é páreo para o Google (GOOG), o Facebook e o Instagram da Meta (META). Aqui, o TikTok tem a vantagem natural, seguindo os passos do aplicativo Douyin na China.
Não é segredo que a vantagem competitiva da Amazon é que ela é mais uma empresa de tecnologia do que uma varejista. Sua receita operacional de 2021 da Amazon Web Services, a plataforma de nuvem da empresa, de US$ 18,5 bilhões, foi mais que o dobro de seus negócios de varejo na América do Norte, de US$ 7,3 bilhões.
A Amazon teve mais sucesso no “varejo” como anunciante ou marketplace online do que na venda de produtos. Mais da metade de suas vendas online foi feita por terceiros – pequenas empresas que pagam para vender no site da Amazon. Ao administrar um mercado no qual os terceiros vendedores fazem o trabalho braçal de vender mercadorias online, a Amazon cobra taxas para anunciar, armazenar e entregar os produtos – um negócio de US$ 103 bilhões.
Quando se trata do mundo do varejo puro, a Amazon pode muito bem estar fazendo a transição de inovadora para ultrapassada, segundo alertado há muito por Bezos. Não há muitos varejistas que tenham a sorte de evitar esse destino por mais de algumas décadas. A indústria varejista é implacavelmente competitiva e, como aos consumidores possuem mais opções do que nunca, até mesmo gigantes como a Amazon podem perder a coroa.
Ainda assim, é difícil imaginar como seria o varejo sem a influência da Amazon. A Amazon é sinônimo de compras online. Anos depois de encontrar sucesso colocando vendedores uns contra os outros no mercado para abaixar os preços, o Walmart e outras empresas fizeram o mesmo. A Amazon reimaginou como poderia ser a mensalidade das lojas com o Prime. Antes dela, entrega rápida era algo inimaginável. Agora é apenas uma parte das compras na internet.
Não está claro se 2022 ficará na história da Amazon como um tropeço ou o começo do fim. Brian Oslavsky, CFO da empresa, disse aos investidores que o crescimento moderado das vendas da empresa se deve em parte ao aperto monetário dos consumidores e à “normalização” do negócio depois de um período de vendas em alta. De qualquer forma, a Amazon moldou o varejo moderno. A questão agora é se ela pode continuar liderando o setor.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Leticia Miranda é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre bens de consumo e indústria varejista. Foi repórter de negócios na NBC News e repórter de varejo na BuzzFeed News.
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