Bloomberg Opinion — Fazer previsões é tolice, em parte porque os possíveis dados são tão numerosos que mesmo os modelos mais complexos não explicam a ampla gama de possibilidades. Ou, como disse certa vez Ian Wilson, ex-executivo da General Electric (GE), “nenhuma sofisticação vai compensar o fato de que todo o conhecimento que temos é sobre o passado e todas as decisões são sobre o futuro”.
E ainda assim, às vezes não precisamos olhar além dos padrões climáticos atuais para ver que há uma tempestade a caminho. Se os últimos anos nos ensinaram alguma coisa, certamente foi pegar os riscos e duplicá-los.
Isso era verdade no cenário geopolítico. Em dezembro do ano passado, mais de 120 mil soldados russos se reuniram em torno de três lados da Ucrânia e os serviços de inteligência estavam avisando que a ameaça do presidente russo Vladimir Putin não era um blefe. Os tambores de guerra estavam rufando, mas poucos imaginavam a escala da carnificina que se seguiria ou o impacto que ela teria.
Isso também era verdade na economia do Reino Unido.
No final do ano passado, os problemas nas cadeias de abastecimento globais e o aumento dos preços da energia já haviam colocado a inflação em uma trajetória ascendente.
O Brexit também estava se tornando real: as famílias britânicas já estavam pagando US$ 7,08 bilhões em contas mais altas de alimentos no final de 2021, de acordo com pesquisas da London School of Economics.
Em outras palavras, apesar da conversa fiada de Boris Johnson, os sinais de uma economia em queda estavam claros, colocando o Reino Unido no caminho certo para ser o país desenvolvido com o crescimento mais lento em 2023.
E isso era verdade na política britânica. No final do ano passado, o futuro de Boris Johnson parecia instável, mas não terminal. Relatos de uma reunião social em Downing Street cheia de bebidas em um momento em que o resto do país estava em lockdown por causa da covid geraram um descontentamento público.
É claro que as notícias ruins nunca param de chegar; novos relatos apareciam e, por fim, o mau julgamento de Johnson, seu estilo caótico de gestão e sua dissimulação desgastaram a paciência dos cidadãos e até mesmo de seus leais apoiadores. Enquanto isso, duas estrelas em ascensão no Partido Conservador – Rishi Sunak e Liz Truss – se preparavam para uma corrida pelo cargo de primeiro-ministro.
Depois houve o breve, mas tumultuado, mandato de Truss como primeira-ministra. Os sinais de seus cargos anteriores e de sua campanha – além dos relatos das pessoas que a monitoraram de perto por anos – sugeriam que ela não era adequada para o cargo.
Suas promessas eram o tipo de generalizações que as pessoas dizem apenas a um pequeno grupo seleto, como são chamados os 170 mil eleitores do Partido Conservador, mas que não são cumpridas no mandato. Tão unânimes eram os pontos de vista que me perguntei se talvez, como Margaret Thatcher, ela pudesse nos surpreender. A surpresa foi tanta que os Conservadores nunca vão querer repeti-la.
Mesmo assim, um risco não se materializou. Muitos pensavam que a morte da rainha Elizabeth II deixaria a monarquia por um fio e que o apoio público diminuiria. É cedo, mas essa transição fala do poder de preparação e das instituições que podem se adaptar aos tempos enquanto permanecem enraizadas em seu senso de propósito.
O que isso nos diz sobre o ano à frente?
Os sinais de alerta mais óbvios estão nos setores de saúde e habitação da Grã-Bretanha, que representam problemas de longa data agravados para o governo e para as perspectivas de crescimento econômico. Quanto mais se ouve falar da imigração, maior a possibilidade de estes problemas maiores não serem abordados.
Um otimista poderia dizer que também há sinais de um pensamento mais esclarecido. O transtorno da pandemia e a agitação do ano trouxeram à tona os perigos da complacência e despertaram uma oportunidade geracional para um novo olhar sobre tudo, desde as relações da Grã-Bretanha ao redor do mundo até seu modelo e instituições de saúde.
A liderança dos principais partidos políticos tornou-se mais centrista e focada no crescimento econômico, na execução de políticas e no restabelecimento da confiança na vida pública. O líder do Partido Trabalhista Keir Starmer tem um plano para a maior descentralização do poder na história da Grã-Bretanha.
É mais fácil derrubar do que construir, é claro. Se precisarmos duplicar nossa percepção dos riscos que nos esperam, provavelmente devemos reduzir pela metade a perspectiva de que essas oportunidades serão aproveitadas. Isso ainda seria algo a ser comemorado.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Therese Raphael é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre o setor de saúde e a política britânica. Foi editora da página editorial do Wall Street Journal Europe.
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