As consequências do Brexit para os britânicos não serão facilmente revertidas

É possível se recuperar de eleições desastrosas muito mais facilmente do que de referendos desastrosos

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Bloomberg Opinion — No pós-guerra, três referendos nacionais foram realizados na Grã-Bretanha. Dois deles pediram ao povo britânico para responder a uma pergunta simples sobre uma questão complicada. Em 1975, a questão era se a Grã-Bretanha deveria aderir à Comunidade Econômica Europeia. Cerca de 2 em cada 3 votantes disseram que sim. Em 2016, foi se a Grã-Bretanha deveria permanecer na União Europeia. Pouco menos de 52% dos eleitores votaram não.

Até mesmo os defensores mais ferrenhos da saída da Grã-Bretanha da União Europeia (UE) sentem muita dificuldade para citar um resultado do Brexit que fez do país um lugar melhor.

O ex-presidente do Banco da Inglaterra, o banco central do país, Mark Carney observou que, enquanto em 2016 a economia da Grã-Bretanha tinha 90% do tamanho da economia da Alemanha, agora tem apenas 70%. Para muitas pessoas, incluindo empresários e agricultores, o Brexit foi um desastre. As pesquisas indicam que 56% dos britânicos acham que o Brexit foi um erro.

Da mesma forma, um número cada vez maior de americanos considera que eleger um narcisista ignorante, agressivo e obcecado por celebridades como presidente dos Estados Unidos (no mesmo ano do Brexit, aliás) não foi algo sensato. As eleições de meio de mandato mostram que a marca de Donald Trump ficou manchada e que seu domínio sobre o Partido Republicano pode estar se esvaindo.

No entanto, enquanto o Brexit e a eleição de Trump causaram graves choques tanto na Grã-Bretanha quanto nos EUA, parece que os danos do Brexit serão piores e mais longevos. Isso deveria servir como um lembrete de que os referendos são uma maneira terrível de resolver grandes questões.

Os quatro anos do governo Trump foram ruins. Ele inflamou o discurso político e divisões já severas no país e mentiu tão descaradamente que a confiança nos políticos ficou seriamente afetada. Além disso, ao se recusar a respeitar os resultados de uma eleição presidencial e clamar pela fúria popular contra as instituições que fundamentam qualquer democracia, incluindo um Poder Judiciário independente e a imprensa livre, ele minou a confiança não só nos políticos mas no próprio sistema democrático.

Ainda assim, a eleição de um mau candidato para o mais alto cargo de um país não é inédita, e uma democracia liberal robusta pode sobreviver ao erro. Não importa o que você pense do presidente Joe Biden, pelo menos ele restaurou certa calma na política. A preocupação entre os americanos liberais de que o fim da democracia americana estava próximo não é tão aguda quanto há um ano. Os aliados americanos também estão um pouco menos nervosos em relação à democracia mais poderosa do mundo.

Embora os nomeados por Trump tenham inclinado a Suprema Corte rumo a uma extrema direita que parece descompassada com a maioria dos americanos, as principais instituições democráticas sobreviveram ao choque de sua presidência. E desde que ele não tente um novo mandato em 2024, boa parte dos danos que ele causou é reparável.

O mesmo não pode ser dito do Brexit. A escolha da Grã-Bretanha de não só deixar a UE mas também o mercado único europeu continuará prejudicando a economia britânica nos próximos anos.

A promessa de que esse retrocesso será mais do que compensado por novos acordos comerciais fantásticos com os Estados Unidos, o Japão e outros países distantes da Europa está provando ser um sonho impossível. Como resultado, a maioria das pessoas na Grã-Bretanha estará em pior situação e o país continuará atrás de seus vizinhos no futuro próximo.

O ex-primeiro ministro Harold Macmillan certa vez afirmou que a Grã-Bretanha do pós-guerra e pós-imperial só poderia permanecer uma potência significativa dentro da Europa. É por isso que ele queria que seu país entrasse para a Comunidade Econômica Europeia em 1961. Embora a Grã-Bretanha só tenha conseguido isso em 1973 devido à oposição do líder francês Charles de Gaulle, Macmillan se mostrou correto.

Apesar das frequentes fricções com Bruxelas, a Grã-Bretanha desempenhou um papel importante dentro da Europa como um poder firmemente democrático que equilibrou finamente o estatismo da França e os ingênuos sonhos federalistas da Alemanha.

O referendo de 2016 destruiu esse equilíbrio e condenou a Grã-Bretanha a ser uma potência muito menos significativa. Esse é o problema dos referendos. Ao contrário das eleições com resultados infelizes, eles não podem ser facilmente desfeitos. Ao povo britânico foi feita uma pergunta injusta. Ficar ou sair foi uma escolha absurda. A pergunta não foi em que condições a Grã-Bretanha deveria partir, que tipo de país eles queriam como resultado e qual deveria ser a relação futura com a UE.

Quando Winston Churchill sugeriu a realização de um referendo na Grã-Bretanha em 1945 para decidir se deveria ou não estender seu governo de coalizão em tempo de guerra, o líder do Partido Trabalhista Clement Attlee recusou. A ideia de um referendo era “simplesmente não britânica” em sua opinião. Na verdade, disse ele, era “um instrumento do nazismo”.

Margaret Thatcher, que adorava Churchill, e cuja própria política era um desafio a tudo o que o socialista Attlee tinha defendido, chamou os referendos de “um dispositivo de ditadores e demagogos”.

Ambos estavam certos.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Ian Buruma é professor de direitos humanos na Bard College. Seu livro mais recente é “The Churchill Complex”.

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