Bloomberg Línea — A retomada do turismo e da demanda por viagens é um dos fatores que podem sustentar a valorização das ações de companhias aéreas nos próximos meses. Mas há nuvens carregadas no horizonte. A ameaça da vez vem do aumento de custos, que podem subir mais ainda diante da reivindicação da categoria de trabalhadores do setor, cujo principal sindicato que representa pilotos e comissários decidir entrar em greve a partir da próxima segunda-feira (19) em momento de negociações de reajuste salarial.
Investidores reagiram ao novo fator de risco para os resultados das companhias. Na B3, o papel da Gol (GOLL4) liderou a lista das quedas do Ibovespa na quinta-feira (15), desabando 6,49% para R$ 6,48, enquanto o da Azul (AZUL4) encerrou com desvalorização de 3,24%, para R$ 9,85. Já a ação da CVC (CVCB3), maior operadora de turismo do país, caiu 4,58% para R$ 3,96.
Caso se concretize a paralisação de pilotos e comissários, o setor de turismo é apontado como um dos mais prejudicados, pois está na alta estação das viagens de férias e de fim de ano.
O decisão de greve ocorre em um momento de recuperação das receitas das companhias aéreas, após os prejuízos bilionários acumulados durante os primeiros anos da pandemia.
Neste ano, o setor viveu uma explosão dos custos devido à disparada dos preços do querosene da aviação, que resultou em um aumento de mais de 50% em 12 meses.
Nesse contexto, um eventual aumento salarial tende a provocar mais uma pressão sobre os custos das empresas aéreas e as margens de lucros.
Na tarde de quinta, o SNA (Sindicato Nacional dos Aeronautas) informou que a categoria dos pilotos e comissários aprovou a deflagração de greve, após a realização de uma assembleia. O sindicato afirma que a paralisação terá início a partir de segunda-feira (19), das 6h às 8h, e continuará todos os dias no mesmo horário, nos aeroportos de São Paulo, Rio de Janeiro, Campinas (SP), Porto Alegre, Brasília, Belo Horizonte e Fortaleza.
No ano passado, os representantes dos trabalhadores e das empresas fecharam um acordo horas antes do início de uma paralisação.
O que dizem as empresas
Em nota, o O SNEA (Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias) informou que sua última proposta era de reajuste de 100% do INPC no salário, diárias nacionais, seguro de vida e vale alimentação, além de garantir a data base 01/12 e as cláusulas financeiras e sociais da Convenção Coletiva enquanto as negociações estivessem em curso. “Até o momento, o SNEA não recebeu nenhuma contraproposta do SNA”, ressaltou.
O sindicato patronal citou que “o preço das passagens foi fortemente afetado nos últimos anos por conta de pandemia, conflitos na Europa, desvalorização do real frente ao dólar e aumento do preço do petróleo. O querosene de aviação (QAV) aumentou 118% na comparação com o ano de 2019 e hoje representa mais de 50% dos custos, que por sua vez têm uma parcela de cerca de 60% dolarizada”.
A entidade disse ainda que “se mostrou aberto ao diálogo” desde a primeira reunião de negociação e que “acredita que as categorias profissionais podem defender seus interesses por todos os meios legítimos, desde que esgotada a via negocial e observada a legalidade”.
Gol informou, em nota, que não vai comentar e, por se tratar de um assunto setorial, se posiciona por meio da nota do SNEA. A Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas) indicou também o SNEA para tratar o tema. A assessoria da Azul afirmou que não vai se manifestar sobre o assunto. A operação brasileira da chilena Latam enviou a seguinte nota à reportagem:
“A Latam Airlines Brasil está em negociação com o Sindicato Nacional dos Aeronautas desde o início de setembro para construção do Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) e aguarda convocação de assembleia pelo sindicato para votação pelos tripulantes da Latam. Entendemos que o movimento de greve convocado para o dia 19/12 está relacionado à negociação do Sindicato das Empresas Aéreas (SNEA) e não da negociação do ACT da Latam”.
A malha aérea para a alta temporada soma 163,3 mil voos de dezembro a março de 2023 em todo o país, segundo levantamento da Abear com dados da Anac. Esse número não inclui a operação da Azul, que não faz parte da entidade. Juntas, Abaeté, Gol, Latam, Rima e Voepass aumentaram em 12,6% a oferta de voos, em relação à alta estação anterior, segundo a Abear.
Governo monitora a paralisação
Em entrevista à Bloomberg Línea, o Secretário Nacional de Aviação Civil, Ronei Glanzmann, disse que o governo federal monitora as operações nos aeroportos e alerta para um possível aumento de atrasos e cancelamentos de voos, a depender da adesão dos trabalhadores à paralisação.
“Esperamos que, como nos anos anteriores, os dois lados cheguem a um acordo. O entendimento é o que encorajamos aos dois sindicatos. É uma negociação privada. A data-base dos aeronautas coincide sempre com o início da alta temporada, o que dá um maior poder de negociação à categoria”, disse Glanzmann.
Além da Secretaria Nacional de Aviação Civil, ligada ao Ministério da Infraestrutura, a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) também acompanha o assunto, segundo Glanzmann.
“Há um protocolo para casos de greve. Caso a situação se agrave, podemos acionar o Ministério do Trabalho para exercer o papel moderador nas negociações. A AGU [Advocacia-Geral da União) também pode ingressar com um ação na Justiça Federal, pedindo uma liminar, uma antecipação de tutela, já que se trata de um serviço essencial para a população”, afirmou o Secretário Nacional da Aviação Civil.
Ele disse ainda que historicamente o setor no Brasil não registrou um problema grave e severo com paralisação de pilotos. “Em 99% das vezes, eles acabam se entendendo. Não há baderna nem tumulto nos aeroportos”, observou Glanzmann.
A mudança de comando no governo federal, segundo o Secretário Nacional da Aviação Civil, não deve impactar o cenário nem criar uma exceção no setor. Durante a campanha eleitoral, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, do PT (Partido dos Trabalhadores), adotou defendeu ganhos reais para reajustes salariais das categorias profissionais.
No começo do mês passado, Bloomberg Línea informou que as negociações de reajuste entre os dois sindicatos caminhavam para um impasse. O SNA defende um reajuste salarial de 5%, enquanto a última oferta do SNEA foi de repassar apenas a variação do INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), sem ganho real.
“No auge da pandemia, tivemos até 400 aviões no chão. O setor sofreu bastante. A Latam acabou de sair de recuperação judicial, a Gol recorreu a um aporte do grupo de sócios, a Azul fez captação no mercado. Já os profissionais da aviação tiveram de sobreviver com salários reduzidos”, lembra o Secretário Nacional de Aviação Civil.
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