Ideias Bloomberg Línea — Na era digital, qualquer pessoa tem ferramentas à disposição para investigar e descobrir se uma empresa mente sobre seus posicionamentos ou suas ações sociais realizadas mundo afora. Ser desmascarado equivale a ver um simples castelo de cartas ruir. Basta um toque para derrubar as mais belas construções. Não há marketing que impeça isso.
Há alguns meses, no Cannes Lions, Yael Cesarkas, vice-presidente de estratégia da agência R/GA, falou sobre marketing de propósito. “Se as marcas quiserem se posicionar com relevância no mundo de hoje, precisam entregar valor na sociedade. E essa entrega acontece na empresa como um todo. É no nível do CEO, e não no nível do CMO”, ressaltou ele.
Mais recentemente, no Web Summit 2022, em Lisboa, Alain Sylvain, fundador e CEO da consultoria de estratégia e design Sylvain, mostrou uma pesquisa indicando que 87% dos consumidores querem produtos e serviços de marcas alinhadas com seus propósitos, enquanto 47% deixam de fazer negócios imediatamente quando as empresas não cumprem o que prometem.
O que se vê hoje é o risco de a empresa ser pega em uma espécie de “greenwashing” do propósito. O marketing cria “fogos de artifício”, pintando o logotipo nas cores do arco-íris, por exemplo, no mês do orgulho LGBTQIA+, sem de fato que a empresa esteja comprometida com a causa.
Nada disso convence o público mais. Fazer greenwashing é mais do que enfrentar uma crise de reputação no mercado. É perder dinheiro, credibilidade, relevância. A Geração Z, nascida entre a segunda metade dos anos 1990 até o início dos anos 2010, está se tornando especialista em descobrir promessas falsas. Em sete anos essa geração será a maior força de consumo do planeta.
Para uma empresa, não basta não fazer. É preciso agir proativamente. Companhias que se destacam criticam a si mesmas, escolhem bem as causas que fazem sentido aos seus negócios e servem ao público.
É importante que essas reflexões sejam debatidas em eventos que reúnem profissionais que criam, que executam e, principalmente, que financiam as novidades que movem mudanças no mercado.
O Web Summit, por exemplo, um dos maiores festivais de tecnologia do mundo, atingiu capacidade máxima neste ano, com mais de 70 mil pessoas de mais de 160 países em busca de aprendizado, negócios e networking. Havia 2.000 startups e 1.000 investidores presentes, que debateram temas que variaram desde publicidade a criptoativos, passando por mobilidade, inteligência artificial, dados, ética, e-commerce e muito mais em cerca de 400 palestras.
Essa edição do evento foi muito tocante para mim. Trabalho há mais de 25 anos com tecnologia e o seu impacto nos negócios. Durante a infância e a adolescência do mundo digital, a regra era inovar, empurrar a mudança, chegar ao resultado e enxergar o que aconteceu. Mas precisamos virar uma página.
Vivemos em um mundo pilotado por software. Economia, saúde, educação ou qualquer área é afetada pelas decisões de programadores e designers. Por isso, é fundamental que eles não finjam fazer algo sem intenção real nem façam qualquer coisa apenas porque a tecnologia permita.
Greenwashing e inovação a qualquer custo não cabem mais no mundo. A Geração Z entende muito bem a diferença entre discurso e prática, e cancela aqueles que não seguem o que dizem.
Uma área que pode beneficiar a vida de mais de um bilhão de pessoas é o design. No evento em Lisboa, Jane Geraghty, CEO global da empresa de design Landor & Fitch, mostrou que uma em cada 15 pessoas tem algum tipo de deficiência. Segundo ela, 80% dos problemas são gerados em razão de uma decisão de design ou de tecnologia que foi tomada.
A CEO foi incisiva ao dizer que os times de desenvolvimento de produto precisam incorporar a acessibilidade nas metodologias de trabalho desde o momento zero, e não deixar para fazer ajustes no final.
Se o apelo da ótica responsável, que deve eliminar o greenwashing e práticas que desrespeitam as pessoas, não convencer da necessidade de mudanças profundas na forma de agir como empresa, vale lembrar que a longevidade de uma empresa passa pela sua relevância e pela capacidade de se adaptar. E isso serve em qualquer contexto.
Em sua palestra, Julia Goldin, Global Chief Product & Marketing Officer da Lego, revelou os elementos de sucesso de quase um século da marca de brinquedos.
O primeiro é a relevância cultural: entender o momento do mundo, fazer parcerias e estar conectada com o pulso da sociedade.
O segundo é valorizar as comunidades, com novidades e ferramentas para que os fãs continuem engajados.
E o terceiro é o próprio produto, que abraçou a tecnologia e evoluiu com a ajuda de robótica, inteligência artificial e, agora, o metaverso. E todos os pontos são alinhados ao propósito maior da Lego: a importância de brincar.
Percebe? Não há atalhos. É preciso entender o momento do mundo, valorizar de verdade seu público e abraçar o melhor da evolução da tecnologia. O castelo precisa de camadas sólidas que se sustentem. E, nessa brincadeira, legado, empatia, responsabilidade são peças fundamentais que podem – e devem ser – encaixadas.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP, Bloomberg Línea e de seus proprietários.
*Marcelo Tripoli é CEO e fundador da consultoria de transformação digital Zmes.
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