Bloomberg Línea — A Copa do Mundo do Catar, que se encerra no domingo, é o maior evento esportivo do planeta. A audiência somada dos 64 jogos deve chegar a 5 bilhões de pessoas, segundo projeções da Fifa, a entidade que rege o futebol no mundo. Não à toa, marcas pagam milhões de dólares para se associar ao evento, seja por meio das cotas oficiais ou regionais do torneio ou de patrocínio para seleções nacionais.
Um dos desafios é transcender a mera exposição da marca em uma vitrine global, algo que proporciona retorno para os negócios, e buscar meios de construir uma conexão dos torcedores com o evento ou a seleção. Isso representa uma oportunidade de que essa relação se torne algo maior, que não pertence à empresa. É o que afirmou Eduardo Tracanella, sócio e diretor de Marketing do Itaú Unibanco (ITUB4), em entrevista à Bloomberg Línea diretamente de Doha, no Catar.
O Itaú é um dos patrocinadores da seleção brasileira de futebol desde 2008 e acaba de renovar o acordo com a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) até 2026, ano da próxima Copa do Mundo, que será disputada em três países: Estados Unidos, México e Canadá.
Tracanella, que é um dos responsáveis pela estratégia de marketing e comunicação do maior banco do país, contou ainda sobre como tem sido executado o plano de uso crescente de plataformas sociais, como o ambiente mais adverso na economia e nos mercados afeta a sua área e dos planos para a seleção brasileira, que incluem a Copa do Mundo feminina no próximo ano, na Austrália.
Veja a seguir a entrevista com Eduardo Tracanella, editada para fins de clareza:
O Itaú patrocina a seleção brasileira masculina desde 2008 e acaba de fechar contrato até 2026. O que há de diferença nas estratégias nos últimos anos?
Do ponto de vista de patrocínio, tem uma evolução natural acontecendo. Tem a ver com o uso de tecnologia e com a possibilidade da distribuição de conteúdos por redes sociais e de conseguir disseminar narrativas. Mas também há um entendimento da nossa parte de como conseguimos cada vez mais cumprir o nosso papel de patrocinador. Nós acreditamos que não basta só considerar o patrocínio um asset financeiro que vai trazer retorno objetivo para a marca e para o negócio. Assumimos uma responsabilidade também de fazer com que esse asset patrocinado seja cada vez melhor.
Patrocinamos também, por exemplo, o Rock in Rio, que aconteceu há pouco tempo. O objetivo era fazer o melhor possível e, com isso, a marca obviamente ganha. Aqui na seleção não é diferente. Nós assumimos há algum tempo o papel do patrocinador que construiria o elo entre a torcida e a seleção brasileira. Toda a nossa estratégia de marketing de comunicação tem como objetivo a construção dessa conexão emocional e a aprendizagem, e não só a aprendizagem, com a história de cada Copa.
Isso vai fazendo com que tenhamos de construir essa história de um jeito diferente. Cada Copa é um aprendizado. E quando termina a Copa, nós sabemos que vamos construir uma história para a próxima. Então do ponto de vista de marketing é uma oportunidade incrível para nós.
Aqui na Copa do Mundo do Catar, a cada esquina tem uma história, uma oportunidade de criar essa narrativa. Como vocês criam o elo emocional? O torcedor brasileiro não tem um só perfil: é desde a menina de cinco anos com os pais até um senhor de 82 anos que viu muitas Copas.
A nossa estratégia precisa ter, pelo menos hoje, duas camadas. Tem uma camada que fala com todo mundo. E obviamente que nesse “todo mundo” temos segmentações possíveis, mas não muito específicas. E tem outro layer da nossa estratégia, que é responsável pela conexão cada vez maior com o público jovem e com o objetivo de fazer com que a nossa marca seja cada vez mais sempre contemporânea.
Na Copa acontece exatamente isso. Temos uma evolução natural da nossa estratégia em Copa do Mundo, porque existe um mainstream, em que a gente, por exemplo, tem uma música “Mostra sua força Brasil”, e entregamos essa música para a sociedade, para o brasileiro. Nós dizemos isso porque o objetivo é que essa música não seja do Itaú. Mas, sim, das pessoas. Tem a ver com aquele elo emocional, aquela conexão que eu comentei.
Mas temos também ações específicas e desdobramentos específicos dessa estratégia, que tem como objetivo uma conexão maior com o público jovem. Então aí eu acho que é uma combinação de conteúdo mas também de uso de meios. E estamos falando um pouco do TikTok.
Como é que fazemos para que essa estratégia que alcança todo o mundo chegue também ao TikTok, de um jeito que faça sentido, que seja relevante, que essa linguagem seja pertinente ao meio? Estamos cada vez mais trabalhando dessa forma, com esse objetivo.
Você mencionou o termo “jovem” algumas vezes. Fazendo uma linha do tempo, como foi a virada de chave para que o Itaú entendesse que, talvez até em razão em parte da competição com fintechs, precisava renovar a linguagem para conseguir fazer uma conexão com esse público?
Falamos muito sobre isso. Quando você olha a empresa Itaú Unibanco, a história é pautada por muita transformação, muita mudança, muita necessidade de adaptação. São quase 100 anos, daqui a dois anos a empresa faz 100 anos. Imagina as histórias pelas quais já passamos, os ciclos que tivemos que enfrentar.
Estou dizendo isso porque tem algo que é intrínseco, que faz parte do DNA da companhia e está ligado a transformação, adaptação e evolução. Essa mudança, essa necessidade de transformação, está acontecendo mais uma vez. Só que agora talvez seja a mais intensa que vivemos - não vivi todas.
Mas eu acho que agora tem um certo paradigma que está mudando absolutamente a relação das pessoas com as marcas de forma geral. Hoje, a escolha de uma marca não se dá mais só do ponto de vista racional. Tem a ver com identificação, com propósito e com uma experiência cujo referencial não é mais só o próprio segmento em que você atua. Tem a ver com colocar o cliente cada vez mais no centro.
E isso não diz respeito só ao nosso mercado, o segmento financeiro. Diz respeito ao mundo e à sociedade. As pessoas têm cada vez mais referenciais de marcas e de prestações de serviço, que são especiais, que colocam as pessoas no centro e proveem uma experiência diferente.
E daí entra o marketing...
Quando vamos para a comunicação para marketing da marca, é uma mudança brutal que também que está acontecendo no Itaú. Essa questão da linguagem é algo que é super importante que temos trazido no cerne de todas nossas conversas e da nossa estratégia. O desafio aqui é o seguinte: como é que eu não deixo de ser quem eu sempre fui?
Tem um legado, tem algo que nós construímos e que queremos continuar trazendo no que diz respeito ao posicionamento, à linguagem. Mas, ao mesmo tempo, como evoluímos para conseguir se conectar com os novos tempos e, quem sabe, estar muitas vezes à frente dele?
Como pegar uma marca quase centenária, a mais valiosa do Brasil [segundo o estudo BrandZ, da Kantar], e que precisa continuar tendo valor nos próximos 30 anos? Fazer com que ela se adeque ou evolua junto com os novos tempos? É um desafio para quem cuida de marcas e para quem gosta e faz marketing.
E como vocês decidiram fazer?
É um processo, sem dúvida gradual, que acontece o tempo todo e vai acontecer daqui pra frente. Eu acredito que nós vamos ser bem diferentes, com uma estrada totalmente paralela ao negócio e à estratégia de marketing que sempre tivemos. E eu acho que cada vez mais essa contaminação, esse endosso cruzado do novo e do sempre, é algo que dá certo e é o que vai fazer a diferença.
Como é a estratégia para entrar em novas mídias, por exemplo, em canais que vocês não tinham explorado anteriormente?
Temos uma baita humildade. As pessoas às vezes olham de fora e pensam no Itaú como a marca forte em um segmento forte, uma marca líder. Para o nosso negócio é verdade também. Mas estou dizendo isso porque o primeiro passo é aprender. Ninguém sabe fazer direito ainda esses novos meios porque estão nascendo. Então, estamos abertos e com curiosidade para sempre aprender.
Tem a ver com capital humano também. Para mim, portanto, no fundo, o que eu percebo é que o nosso time de marketing é cada vez mais diverso, no sentido mais amplo da empresa.
Tem pessoas de fato que trazem experiências, conhecimentos diferentes e somam trazendo isso. Nós temos, por exemplo, na nossa equipe, pessoas que são TikTokers e, naturalmente, são pessoas que vão influenciando a nossa atividade na plataforma. E isso vale para diversos outros meios.
Temos hoje um time tocando o nosso projeto de games e esse time é composto só por gamers. Pense quantos gamers não existem dentro de uma companhia com 100 mil pessoas.
Estamos muito em busca também de olhar para dentro do banco, identificar pessoas que têm perfis importantes para nos ajudar na navegação para outros caminhos, outras direções.
Esse investimento e essa busca por profissionais demandam capital. E o mundo está em uma situação não tão favorável assim como há um ou dois anos em termos econômicos e financeiros. Como enxergam isso a partir do marketing e como lidam com essa situação adversa?
Neste momento, é a busca por eficiência o tempo todo. Sempre foi o driver da área de marketing do banco e continua sendo. De fato, temos que fazer mais com menos.
São tempos de fazer escolhas. O que sempre fizemos que devemos continuar fazendo e o que não faz mais sentido fazer, para que possamos fazer novas coisas, como, por exemplo, a incursão muito potente do banco na geração de conteúdo e distribuição, principalmente via redes sociais, no mundo digital.
Precisamos deixar algumas coisas pra trás para construir outras. Esse é o nosso desafio.
E a partir desse cenário, como é que vocês escolhem, por exemplo, os eventos com os quais o Itaú vai se vincular?
Temos sempre um olhar primeiro para nossa estratégia, para tudo. Na área de marca, quais são as plataformas que fazem parte da narrativa que queremos construir, que precisamos construir para a marca Itaú e como elas se conectam. No fundo, uma marca cada vez mais precisa entender qual a história que ela está contando, porque a partir disso você consegue construir os capítulos e as temporadas da série de um jeito que faça sentido.
Por que estou te dizendo isso? Porque hoje temos uma plataforma de marca ligada ao esporte e, dentro do esporte, diria que temos basicamente duas vertentes.
Uma vertente está mais ligada à capacitação, ao trabalho de base, e ela não tem tanta visibilidade, é mais nichada. E tem a nossa a nossa direção muito conectada com o futebol, em que a seleção entra como hero da história. Essa foi uma escolha que nós fizemos, e você trouxe um um ponto que é bem interessante logo no começo, quando você falou do nosso patrocínio e que ele é transversal.
Falamos de patrocinar todas as seleções brasileiras, masculinas e femininas, de todas as idades, todos que que existem no futebol mundial. E aqui sabemos que, até determinado pedaço dessa história, estamos falando de inclusão num país como o nosso.
E tem outro pedaço, que é o de alta performance, que é esse que vivemos aqui em Doha, que é o da seleção brasileira. Essa seleção precisa de coisas diferentes do Itaú do que as outras. Portanto, as nossas escolhas vão se dando muito a partir disso. Onde podemos ser relevantes e fazer a diferença? Qual o nosso papel enquanto patrocinador para cada uma das histórias que queremos contar?
No ano que vem, tem Copa do Mundo feminina na Austrália. Chegou a hora de, como patrocinador, o Itaú fazer um esforço enorme para fazer com o brasileiro se conecte emocionalmente também com o futebol feminino. Se pedimos para o Brasil mostrar sua força na torcida no futebol masculino nesta Copa, nos propomos a fazer a mesma coisa em relação à Copa feminina no ano que vem.
Que estratégias vocês pensam em adotar para essa Copa no ano que vem, para que tome essa relevância proporcional a que a país tem com a seleção masculina?
Posso dizer que são histórias diferentes. Não adianta pegar uma fórmula que dá certo para o futebol masculino, que já tem investimento muito grande há muito tempo e visibilidade maior, e simplesmente exportar para a estratégia para a seleção feminina e a Copa da Austrália.
De novo é olhar o que vai fazer diferença na estratégia do ano que vem. Tem muita coisa que tem que ser pensada especificamente para esse desafio, porque tem a ver com um desafio da sociedade. É um tema que nós discutimos em todos os âmbitos da sociedade. Portanto, como podemos colocar essa discussão também no centro da nossa estratégia para a Copa feminina?
O que eu sinto, até conversando com o time da Fifa que cuida do futebol feminino no mundo, é que precisamos contar histórias em torno do futebol feminino mundial.
Precisamos de mais Martas, de mais heroínas e, nesse caso, acho que é uma oportunidade enorme para dar amplitude também para conteúdos que estão ligados a atletas específicas, não só do Brasil, mas do mundo. Deveria, por exemplo, ser lançado o álbum de figurinhas da Copa feminina.
Porque aí você começa a dar cara a cada uma das jogadoras. Você começa a vincular o público mais jovem e que tem filhos pequenos. Eu tenho um menino de seis e uma menina de dez anos que completaram dois álbuns. Cheios de figurinha repetida porque foi uma febre, né? Não só no Brasil, no mundo.
Temos que começar também a partir de vínculos que já existem, de atalhos para construção de um vínculo diferente com a seleção de futebol feminino.
Leia também
Copa do Mundo 2022: quanto a seleção brasileira perdeu ao ser eliminada
Copa do Mundo cria dilema para chefes sobre jogos no horário de trabalho