Bloomberg Línea — A crise que tem afetado o mercado de startups no mundo, com a queda brusca nos investimentos de venture capital e ondas de demissões em unicórnios, tem um lado positivo na visão de Linda Rottenberg, CEO da Endeavor, uma das principais organizações que promovem o empreendedorismo no mundo.
Segundo a executiva, o atual período de “vacas magras” tende a afastar do mercado empreendedores e investidores mais aventureiros e que entraram no mercado de venture capital aproveitando a fase favorável dos últimos anos, com abundância de capital no mundo.
Em entrevista exclusiva à Bloomberg Línea, Linda Rottenberg avaliou que a tendência “de todo mundo se tornar um investidor de risco” vai desaparecer.
“Fiquei nervosa em 2021 [quando o investimento de venture capital estava em alta]. Não gosto de momentos em que todo mundo pensa que é um investidor de risco. Eles sempre vão embora quando as coisas ficam difíceis. Agora veremos quem são os verdadeiros empreendedores e investidores”, afirmou a CEO, em conversa por videoconferência a partir de seu escritório em Nova York.
“Este vai ser um ano difícil, mas o empreendedorismo é difícil. Se fosse fácil, todo mundo faria. É aqui que veremos os verdadeiros CEOs e os verdadeiros modelos de negócios”, completou.
O ano de 2022 tem sido marcado pela queda dos investimentos de venture capital no Brasil e no mundo. Somente no terceiro trimestre, o valor total aportado em startups caiu para US$ 87 bilhões globalmente, menos da metade da quantia de US$ 190,1 bilhões investida no mesmo período do ano passado, que foi recorde, de acordo com a consultoria KPMG.
A queda tem relação direta com o aumento das taxas de juros mundo afora - o que estimula a migração de capital para ativos mais seguros, como títulos do Tesouro dos Estados Unidos -, e com a perspectiva de desaceleração acentuada da economia global.
A menor disponibilidade de capital tem levado startups unicórnios (aquelas avaliadas em um US$ 1 bilhão ou mais) a reestruturar suas operações e cortar funcionários para tentar manter as contas equilibradas. Entre elas estão startups renomadas da América Latina, como Loft, Kavak, Olist, QuintoAndar, Ebanx, Creditas, Facily, Bitso, entre outras, que receberam rodadas de capital de valor alto nos últimos cinco anos.
Apesar da fase das dificuldades do setor, a chefe global da Endeavor disse que continua otimista em relação ao mercado da América Latina.
“Minhas perspectivas para a América Latina daqui para frente são tremendamente altas. O mundo agora está vendo o tamanho do mercado e eles veem o talento. Isso não vai desaparecer”, afirmou.
“Uma vez que a empresas atinge o status de um bilhão de dólares, ela nunca mais volta. Mesmo que uma empresa passe por momentos difíceis ou faça um down round, essa barreira psicológica do status bilionário você nunca consegue tirar”, diz, se referindo às rodadas que avaliam a empresa num valor menor do que o anterior.
Fundadores de unicórnios em conselho
Linda Rottenberg cofundou o movimento global de empreendedorismo Endeavor em 1997 e é CEO global do grupo desde então. A organização sem fins lucrativos faz o trabalho de selecionar negócios promissores de rápido crescimento e promove a integração e o aprendizado entre os empreendedores e entre estes e mentores experientes.
A executiva também supervisiona o Endeavor Catalyst LP Funds, braço de investimentos de venture capital do grupo que coinveste em empreendedores da Endeavor em rodadas de capital social de Série A até E. Atualmente, o Catalyst tem US$ 250 milhões de ativos sob gestão.
Com o passar dos anos, Rottenberg levou a Endeavor para Chile, Argentina e depois no Brasil, Uruguai, México, Colômbia, Peru e Equador. Hoje a rede está presente em 41 países.
No conselho da Endeavor estão os fundadores de unicórnios da América Latina como Sergio Furio, da Creditas, Cesar Carvalho, da Gympass, Robson Privado, do MadeiraMadeira, e David Vélez, CEO do Nubank, que investe na Catalyst.
Na entrevista à Bloomberg Línea, Rottenberg lembrou que, quando a Endeavor começou, quase não havia venture capital na América Latina. Anos mais tarde, startups da região começaram a levantar rodadas Seed e de Série A e surgiram empresas de investimentos de risco como Kaszek, Monashees e Valor Capital, que fazem aportes nessas empresas.
Rottenberg disse que a região verá cada vez mais empreendedores locais se tornando investidores em startups em estágio inicial (early stage) na América Latina porque são pessoas que conhecem o mercado e se sentem à vontade com o ambiente com volatilidade.
‘Caos é amigo do empreendedor’
“Tempos difíceis são sempre tempos difíceis. O caos é amigo do empreendedor. Este é um ótimo momento para ser um empreendedor e nunca houve um momento melhor para a América Latina”, disse a executiva.
Quando questionada sobre os chamados down rounds, em que startups são avaliadas a números mais baixos do que os de rodadas anteriores, Rottenberg afirmou que os empreendedores toparam avaliações muito altas quando se esperava que crescessem a todo custo. Agora, eles estão sendo instruídos a buscar lucratividade.
“Geralmente sou otimista. Vejo correções, mas elas não supercorrigem”, disse Rottenberg, acrescentando que a região nunca voltará aos dias em que não havia capital de risco.
Nessas rodadas, investidores podem colocar cláusulas para diluir a participação de fundadores e funcionários. No entanto Rottenberg disse que os fundadores conversam entre si e que investidores assim nunca mais serão vistos como os principais financiadores pelos empreendedores.
Down round não é o fim
“Se tiver que fazer uma rodada para baixo, não significa o fim da empresa. Se você puder garantir que os funcionários recebam novas opções, pode ser uma oportunidade de redefinir o patrimônio e investir nos funcionários. Espero que os financiadores criem novos planos de ações com a nova rodada para proteger o talento”, disse.
Rottenberg disse acreditar que haverá negócios de M&A (fusões e aquisições) na América Latina e que algumas pessoas que deixarem as empresas abrirão suas próprias startups.
“O crédito é uma opção, a dívida de risco é outra opção (para além de equity) e, às vezes, as empresas levantaram dinheiro no ano passado que não precisavam necessariamente. Acho que as pessoas estão esperando para ver o que está acontecendo com a Ucrânia, o que está acontecendo com a inflação. Assim que houver um pouco mais de certeza, prevejo que no primeiro e segundo trimestres de 2023, começaremos a ver mais dinheiro entrar no sistema”, disse.
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