Bloomberg Opinion — Grandes extensões de permafrost - camada da crosta terrestre permanentemente congelada - estão derretendo à medida que as regiões polares da Terra esquentam, descongelando vírus e bactérias antigas que permaneceram congeladas por dezenas de milhares de anos. Por trás das manchetes sensacionalistas sobre “vírus zumbis”, há uma ciência fascinante – e um alerta.
No mês passado, os cientistas anunciaram que haviam retirado uma amostra de tundra da Sibéria, extraído um vírus que havia sido congelado por 50 mil anos e mostraram que ele ainda era capaz de infectar seu hospedeiro normal – as amebas. Não era apenas um vírus novo para os cientistas, mas também um membro de um intrigante grupo de vírus gigantes. Estes estão abalando a compreensão dos cientistas sobre como os vírus evoluíram, representando uma espécie de elo perdido com outras formas de vida.
Portanto, o tamanho e a idade deste vírus são ambos cientificamente notáveis – e o fato de que ele pode causar infecções após ficar congelado desde a idade da pedra deveria assustar um pouco. Não porque este vírus específico se adaptará para infectar humanos, mas porque isso significa que outros vírus que podem ser mais perigosos para nós também podem estar escondidos no permafrost.
O vírus encontrado na Sibéria infecta amebas ao imitar seus alimentos preferidos – bactérias – disse o líder da pesquisa Jean Michele Claverie, mas não afeta células de mamíferos. Ele disse que isolou este vírus em particular porque é pouco provável que ele leve a uma nova pandemia.
Sua preocupação, disse ele, é que algo mais perigoso poderia emergir à medida que as pessoas cavassem buracos com quilômetro de profundidade no permafrost em degelo para mineração. À medida que a Terra aquece e o permafrost descongela, isso não só abre novas áreas para exploração de petróleo e mineração, mas também pode abrir uma caixa de Pandora de patógenos.
Já há motivos suficientes para preocupação, pois sabemos que o degelo do permafrost está liberando organismos que exalam metano e dióxido de carbono, criando um ciclo de feedback climático que acelerará o aquecimento global. Além disso, os cientistas alertaram anos atrás que cavar nessas áreas poderia liberar o vírus da varíola a partir de corpos humanos enterrados no solo.
Contudo, a exploração cuidadosa desse ambiente tem seus pontos positivos. Esta última descoberta está abalando a maneira como os cientistas entendem os vírus. Os cientistas ainda estão se perguntando de onde os vírus vieram e debatendo se eles estão vivos ou se são apenas pedaços inanimados de código genético perdido. Entender como definir a vida está no centro da jornada dos cientistas para encontrar vida em outro lugar do cosmos e entender como ela se originou na Terra.
Há mais de uma década, Claverie e seus colegas descobriram o primeiro vírus gigante, apelidado de mimivírus porque imitava bactérias ou outros organismos mais complexos. Ele acreditava que este não era uma estranha exceção, mas poderia representar um ramo ignorado da árvore da vida. Desde então ele encontrou mais vírus, incluindo o megavírus e o pandoravírus.
“Isso mudou a maneira como olhamos para os vírus”, disse ele. Ele acredita que os vírus gigantes fornecem evidências de que os vírus estão vivos, em parte porque têm uma relação evolutiva com o resto do mundo vivo. Embora eles não consigam viver independentemente, ser um parasita nunca desqualificou outros organismos de serem considerados vivos.
Os cientistas ainda estão debatendo como os vírus gigantes evoluíram – crescendo a partir de antepassados de vírus menores ou encolhendo a partir de formas de vida ancestrais mais complexas. Claverie acredita que outros vírus de tamanho normal poderiam ter involuído de insetos mais complexos que diminuíram de tamanho depois de terem adotado um estilo de vida parasitário.
Mas por que procurar por eles no permafrost? Claverie disse que ficou inspirado com um grupo de cientistas que conseguiram cultivar uma planta a partir de sementes que haviam sido congeladas por 30 mil anos. Ele perguntou aos pesquisadores que fizeram essa descoberta se ele poderia estudar algumas de suas amostras, e em 2014 ele anunciou que um vírus de tamanho recorde havia surgido da amostra e infectado amebas em seu laboratório.
O vírus que ele acabou de anunciar é ainda mais antigo – 50 mil anos, que é o limite para medir a idade com datação por carbono. Não há limite conhecido para quanto tempo os vírus podem persistir em um estado congelado.
Para reanimar os vírus, ele coloca material do permafrost em contato com amebas vivas – o que ele chama de “isca”. Se elas forem infectadas por um vírus, apresentam sintomas – divisão defeituosa, formas anormais.”Nossa equipe detecta que essas amebas não estão muito bem”. Os vírus, entretanto, fazem muito mais cópias para os cientistas estudarem.
Outros pesquisadores que contatei disseram que os vírus são fascinantes e importantes, mas eles gostariam de ver evidências melhores de que os vírus realmente vieram da tundra congelada e não entraram sorrateiramente depois. “As amebas (e seus vírus) são onipresentes em muitos ambientes”, escreveu Eric Delwart, microbiologista da Universidade da Califórnia em São Francisco, em um e-mail. “Será que alguns vírus gigantes ou amebas infectadas poderiam simplesmente ter entrado nessas amostras?”
Os pesquisadores também estão analisando amostras de permafrost mais amplamente para obter DNA, usando técnicas similares à análise forense de DNA. “Conseguimos reconhecer os traços de tudo o que já existiu nesse ambiente, incluindo outros vírus”, disse Claverie.
Não há como impedir a Rússia de minerar os recursos emergem de uma Sibéria em degelo, mas todos esperamos que os russos procedam com cautela. Os trabalhadores e aqueles que vivem em cidades mineiras devem ser monitorados para detectar sinais de infecção. E embora algum aquecimento global seja inevitável, devemos todos nos esforçar para mantê-lo a um nível mínimo. Qualquer coisa congelada há 50 mil anos deve provavelmente continuar assim.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Faye Flam é colunista da Bloomberg Opinion e fala sobre ciência. Ela apresenta o podcast “Follow the Science”.
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