Colapso da FTX é ignorado em meio à Art Basel de Miami

Investidores de ativos digitais da cidade prometem seguir a vida após quebra da exchange, que havia se comprometido a fazer de Miami a capital cripto dos EUA

Outrora um brinde para quem abria contas na FTX, camisetas agora estão ensacadas no almoxarifado
Por Amanda L Gordon e Felipe Marques
07 de Dezembro, 2022 | 04:18 AM

Bloomberg — Em um deslumbrante novo hotspot no centro da cena cripto de Miami, os restos do império desmoronado de Sam Bankman-Fried são largados em sacos de lixo.

Centenas de camisetas da FTX. Um moletom do Miami Heat com a logomarca da FTX. Um pôster assinado pelo enxadrista Magnus Carlsen em um torneio patrocinado pela FTX. Pufes da FTX, evocando onde o agora falido empresário cripto afirma ter dormido.

Todas essas lembranças de Bankman-Fried ficaram escondidas no almoxarifado da Solana Embassy em Wynwood poucas semanas após seu lançamento, em outubro, no formato de loja e espaço educativo para a blockchain Solana, cujo grande apoiador foi a SBF. O FTX Lounge, primeiro de sua espécie, deveria ter sido um ponto focal. Mas logo virou chacota.

Claro que todos estavam falando, fazendo piadas, as pessoas estavam vindo para tirar fotos com todas as placas da FTX que tínhamos”, disse Vibhu Norby, CEO do Solana Spaces. “É uma pena ter que colocar coisas ruins à vista das pessoas”.

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O setor de cripto tem sido inevitável nos últimos dois anos em Miami. O prefeito Francis Suarez cortejou a indústria de ativos digitais, atraindo dezenas de empresários e ajudando a injetar bitcoin (BTC) na economia da cidade através de boates e hipotecas.

Muitos são céticos sobre o poder de permanência de criptos e se Miami deveria se jogar no setor. Muitos ignoraram seu papel na cidade como hype, marketing e pessoas que querem enriquecer rapidamente em um clima tropical. Alguns cidadãos de longa data consideram isso parte de uma longa tradição de modinhas financeiras que vêm e vão, desde os contrabandistas de rum durante a época da lei seca no país até o tráfico de drogas nos anos 80.

Durante o boom de cripto, foi a FTX que teve uma presença marcante. Durante o mês anterior ao pedido de recuperação judicial da exchange, seu logotipo era ostentado na arena do centro da cidade que é o lar do Miami Heat, time que joga na NBA.

A FTX chamou sua campanha de “You in, Miami?”, que começou semanas antes do pico do bitcoin em novembro de 2021, um compromisso de apoiar “o movimento da cidade para se tornar o polo de cripto” do país.

Foto: Amanda Gordon/Bloomberg

‘Doloroso’

A Solana Embassy, agora sem a FTX, foi um dos diversos pontos de encontro durante a última semana, na feira Art Basel Miami Beach, para que milhares de fãs de cripto pudessem refletir sobre o chocante colapso de um dos maiores nomes da indústria. O mercado de ativos digitais apagou quase US$ 1,5 trilhão em 2022 em meio a uma série de colapsos de alto nível, levando céticos como Larry Fink da BlackRock e até mesmo defensores como Mike Novogratz a prever que a maioria das empresas e fundos morrerão.

Jordan Prince, ex-engenheiro da Citadel que virou empresário de blockchain e ajudou a escrever o código que trouxe os tokens não fungíveis para a Solana, estava entre os que estão na cena de cripto, mas tentam deixar para trás a FTX, Bankman-Fried e um ano horrível.

Usando Dolce & Gabbana com óculos escuros da Louis Vuitton, um relógio Omega Seamaster e tênis personalizados da Solana, ele passou pela pilha de produtos da FTX no Solana Spaces na sexta-feira (2).

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Como cofundador do B+J Studios, Prince tem seus próprios problemas para resolver após o colapso. Sua empresa, que levantou US$ 10 milhões em setembro junto a investidores como Brevan Howard Digital, agora descobriu, assim como muitos outros, que atrair capital está “muito mais difícil”, disse ele. “Está sendo doloroso”.

Ainda assim, quando Prince voltou à Solana Embassy para outro evento no sábado (3), ele pegou uma das camisetas da FTX depois que elas foram oferecidas como brindes.

Antes da implosão de Bankman-Fried, as camisetas só eram grátis após a abertura de uma conta da FTX no espaço.

O show tem que continuar

Outros fãs de cripto estão seguindo em frente segundo o estilo de vida de Miami: continuando o show.

Alguns chamam de resiliência, outros de escapismo, outros de loucura. Mas eles se reuniram em toda a cidade tentando encontrar solidariedade entre “criadores” e traçaram um rumo para uma indústria nascente abalada completamente por mais um escândalo.

“Precisamos dissociar a tecnologia de um mau elemento”, disse Ivan Soto-Wright, cofundador da MoonPay, uma empresa de infraestrutura de web3 que oferece um serviço de concierge para compras de NFT. Embora os efeitos do colapso da FTX estejam provavelmente longe do fim, a indústria “definitivamente não está acabando”.

Esse é um ponto que Soto-Wright tentou deixar bem claro em um evento na casa que comprou no ano passado por cerca de US$ 40 milhões. Grimes cantava Enya em frente a uma grande tela mostrando clipes de anime. Em uma plataforma sobre a piscina, convidados incluíam The Chainsmokers, Beeple, Wendi Murdoch e uma maquiadora da Doja Cat. A noite foi uma mistura de festa e exposição de arte para ajudar a lançar o programa de recompensas MoonPay de blockchain.

“A economia de Miami é maior do que um setor”, disse Suárez na cúpula MiamiWeb3, embora tenha acrescentado que ainda está convertendo seu salário em bitcoin. “Acabei de comprar alguns ontem”.

Foto: Eva Marie Uzcategui/Bloomberg

Boa aparência

Suarez, de 45 anos, acolheu não apenas empresários de cripto, mas também impulsionou a ideia de uma Wall Street do Sul para atrair bancos, fundos de hedge e empresas de capital de risco.

Perguntado quem ele gostaria de ver substituindo as propagandas da FTX na arena do Heat, ele disse em tom de brincadeira que seria a Citadel, o fundo de hedge fundado por Ken Griffin, que se mudou de Chicago para Miami (Griffin disse que não está interessado).

O visual das finanças tradicionais entrou na cena de arte cripto de Miami, especialmente em painéis com banqueiros, reguladores e especialistas em política. No Crypties Awards, o visual das roupas dos participantes foi um forte contraste com o cabelo despenteado e camisetas de Bankman-Fried.

Em Wynwood, um bairro cheio de murais ilustrados com Bored Ape e lojas que oferecem caixas eletrônicos de bitcoin, a Solana Embassy organizou oito festas nos dias da Art Basel, disse Norby, o CEO do Solana Spaces. A música ao vivo, as demonstrações de jogos e o café de uma marca da Web3, tudo isso na frente de um mural de pôr-do-sol que outrora tinha o letreiro da FTX em seu núcleo, retirado apressadamente.

Era um símbolo do lugar da FTX no mundo cripto de Miami – e também de seus estreitos laços com a Solana.

Solana e SBF

Bankman-Fried havia se comprometido a investir US$ 100 milhões em projetos de jogos na blockchain Solana como parte de um consórcio de empresas de capital de risco há um ano. A FTX foi o maior patrocinador financeiro da Solana Embassy de Miami, prometendo emprestar seu nome a todos os eventos, disse Norby.

O espaço levou “uma parte significativa” do patrocínio multimilionário adiantado, disse ele, acrescentando que os outros financiadores ainda tornam o empreendimento lucrativo.

Quando a FTX começou a desmoronar, seu balanço revelou que um de seus maiores ativos era o Serum, um token baseado em um protocolo criado pela FTX e pela Alameda Research na blockchain Solana. A exchange também tinha uma grande quantidade de MAPS, o token do Maps.me 2.0 alimentado pelo Serum, executado no Solana e lançado pela FTX.

A FTX mantinha uma grande parte de tokens SOL, da blockchain Solana, também. O preço do SOL caiu de mais de US$ 30 no início de novembro, chegando a cerca de US$ 13,50 no início de dezembro.

Foto: Amanda Gordon/Bloomberg

“Tenho pena do que está acontecendo com a Solana – afinal é sua própria comunidade com seu próprio produto”, disse Bankman-Fried durante um evento no Twitter Spaces no sábado.

Criadores

O token da Solana se estabilizou recentemente. Como outras plataformas cripto, ela sofreu um período brutal de colapsos este ano, incluindo o stablecoin TerraUSD, o fundo de hedge Three Arrows Capital e a credora Celsius.

Em um bear market, “você vê que os verdadeiros criadores ficam”, disse Leo Mindyuk, chefe executivo da ML Tech, uma plataforma para investidores institucionais de cripto. “Vemos uma mudança de pessoas que estão tentando ganhar dinheiro no mercado em expansão para pessoas que estão realmente construindo algo a longo prazo e casos de uso real”.

Mindyuk mudou sua família e sua empresa de Chicago para Miami no início deste ano, citando um governo favorável, um clima agradável e um quê internacional.

Naturalmente, com ou sem um bear market, já existem aqueles que estão planejando a próxima grande festa.

A conferência Bitcoin 2023 está convidando quem sobreviver na comunidade a “Comemorar o Inverno Bitcoin em Miami” em maio. O “Whale Pass” custa US$ 6.999 (quando pago com dólares) e dá acesso a uma festa de networking.

“O inverno cripto chegou”, disse Christian Keroles, gerente geral da BTC, que está organizando o evento. “Mas, para nós – os verdadeiros fãs, os que acreditam – o show de cripto tem que continuar”.

--Com a colaboração de Carly Wanna.

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