Bloomberg — Há apenas um ano, o bitcoin (XBT) era negociado a cerca de US$ 57.000 e a Art Basel Miami Beach parecia ser uma celebração dos criptoativos com uma feira de arte à margem. Naquela ocasião, a febre NFT (tokens não fungíveis) estava no seu auge e os muitos proponentes da indústria se esforçavam para equipará-la com expressões artísticas clássicas, como pintura e escultura.
Em linha com o objetivo da cidade de Miami de se transformar em uma capital cripto, a Art Basel Miami Beach se tornou o palco ideal para os mecenas da arte digital e as empresas cripto firmarem-se como pioneiros de uma nova ordem.
Hoje, o bitcoin é cotado em torno de US$ 17.000 e as festas de iates patrocinadas pelas criptodivisas, as manobras dos NFT, bem como as conferências Web3 e festas do metaverso são, em grande parte, coisa do passado. Entre os pontos fortes está a empresa Tezos, que é mais uma vez parceira da Art Basel Miami Beach e patrocinou uma rodada de conferências para a feira.
Esta semana, no entanto, a arte está mais uma vez retomando o centro das atenções em Miami. É uma mudança nos eventos que muitos no mercado de arte acolhem com uma sensação de quase satisfação. ”É o mundo pós-FTX”, diz o concessionário nova-iorquino David Lewis em seu estande no dia da abertura da feira, referindo-se ao colapso da plataforma de negociação fundada por Sam Bankman-Fried.
“O mundo da arte sempre foi muito cauteloso com o mundo cripto”, uma cautela, diz ele, que parece ser justificada. “Acho que há muito conforto no fato de que muitas das formas de fazer as coisas que vêm acontecendo há anos ou décadas, ou se você pensar em pintura, séculos, estão de volta à liderança”.
Quando a Art Basel Miami Beach abriu suas portas para uma multidão VIP celebrando o 20º aniversário da edição da Flórida na terça-feira, 29 de novembro (dias VIP de terça e quarta-feira, com abertura ao público geral até sábado), certamente parece que o analógico está em ascensão.
Muitas das 282 galerias da feira parecem ter transportado trabalhos têxteis e pinturas em várias camadas, “definitivamente coisas com textura, coisas que parecem feitas à mão”, diz a assessora Suzanne Modica, observando que ela ainda não viu a feira em sua totalidade. “Eu acho que a qualidade é muito boa”, diz ela. “As pessoas trouxeram obras para vender.”
Vendas saudáveis
Nas primeiras três horas, aproximadamente, de abertura, as vendas pareciam acontecer a um ritmo constante. Em parte, como resultado de uma boa quantidade de pré-venda - as galerias enviam aos clientes um catálogo com as obras de arte que pretendem exibir na feira. Esses clientes podem, então, reservar as obras de seu interessa ou, inclusive, comprá-las no ato.
“Vendemos muito com antecedência, na primeira hora ou duas pessoas vêem as peças (reservadas previamente)”, diz Malik Al-Mahrouky, diretor de vendas da Kurimanzutto , uma galeria com locais em Nova York e na Cidade do México. Suas pré-vendas incluíram, diz ele, uma pintura de Gabriel Orozco avaliada em cerca de US$ 500.000 e duas pinturas de Roberto Gil de Montes, que foram vendidas por aproximadamente US$ 85.000 e US$ 35.000.
Enquanto o inglês foi de longe a língua dominante ouvida nos corredores da feira, Al-Mahrouky diz estar surpreso com o número de colecionadores estrangeiros. “Desta vez, há muitos europeus”, diz ele. “No ano passado, não havia tantos”.
Um colecionador com obras em reserva é Pete Scantland, CEO da Columbus, Orange Barrel Media sediada em Ohio. Ele contou que, embora “quisesse aparecer na feira e ser surpreendido”, não pôde se conter e acabou dando “uma olhada em alguns dos arquivos” com o catálogo das obras em exibição. Mesmo antes do início da feira, Scantland comprou uma obra de Igshaan Adams, um artista conhecido por suas tapeçarias luxuosas em exposição no estande da Galeria Casey Kaplan.
Olhando para o futuro
A feira de arte praticamente coincide com a temporada dos leilões em Nova York, em novembro, que mostraram sinais de diminuição da demanda. Alguns atribuíram o resultado ao nervosismo quanto à perspectiva de uma recessão global.
Vários vendedores se perguntam se tais medos irão atingirão, direta ou indiretamente, o resto do mercado. “Acho que todo o mundo está fazendo essa pergunta”, diz o comerciante e ex-sócio da Goldman Sachs Robert Mnuchin . “Tem, é ou terá? E eu acho que a resposta é que nenhum de nós sabe neste momento”. Sua principal conclusão sobre os leilões de novembro, ele continua, é que “a parte mais forte do mercado foram as obras de destaque”. Qualquer coisa que fosse excepcional, quase independentemente do preço, mas esse era o desejo predominante”.
Dado o tamanho da feira e a amplitude de suas ofertas, seria um exagero dizer que a maior parte do trabalho na feira é excelente. Mas no final do primeiro dia, várias galerias relataram fortes vendas. Mnuchin diz ter vendido uma grande obra de El Anatsui por US$ 1,75 milhão. A Gladstone Gallery informa que vendeu um quadro de Alex Katz por US$ 1,2 milhão. E Jack Shainman Gallery relata a venda de um quadro de Kerry James Marshall, de 1997, por US$ 2,8 milhões.
De fato, como Miami desfruta de mais uma semana cheia de festas, feiras de arte, lançamentos de produtos e, sim, alguns eventos relacionados ao mundo cripto, mas parece que as pessoas ricas ainda estão gastando dinheiro, e desta vez não tanto em arte digital.
”É maravilhoso não ter este tipo de frenesi cripto”, diz Kibum Kim, de pé no estande de sua animada galeria da Commonwealth e do Conselho. “É mais calmo e há mais conversas sobre arte. Ninguém está enfiando um telefone na nossa cara tentando nos mostrar sua carteira digital”.Então ele tem, ou tinha, algum cliente cripto? “Claro que não”, diz Kim. “Somos uma galeria séria”.
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-- Tradução Michelly Teixeira